George Monbiot: “O uso do solo pela agro-pecuária é um enorme processo de destruição ambiental”

A agro-pecuária domina 38% do planeta. No livro Regenesis, o ambientalista George Monbiot defende a reconversão desses solos em ecossistemas selvagens como uma solução para a crise climática.

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O escritor e ambientalista britânico George Monbiot defende uma mudança radical no sistema alimentar global, por forma a reduzir o uso dos solos e permitir a regeneração dos ecossistemas David Levenson/Getty Images
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Os combustíveis fósseis e a agro-pecuária “são as duas indústrias mais destruidoras da Terra”, afirma o escritor e ambientalista inglês George Monbiot, que lamenta que só se fale da primeira no combate à crise climática. No livro Regenesis alimentar o mundo sem devorar o planeta (Editorial Presença), o autor faz a apologia da reconversão das terras agrícolas, que hoje ocupam 38% da superfície habitável do globo, em ecossistemas selvagens. Esta regeneração do solo exigiria, contudo, uma profunda mudança no sistema alimentar global, incluindo o fim da criação de gado, tanto intensiva como extensiva.

“Se acabássemos com a pecuária extensiva, isto teria um impacto positivo enorme no ambiente, maior até do que se acabássemos com a pecuária intensiva”, explica o autor nesta entrevista ao PÚBLICO por videochamada. Apesar de ser “adorado” pelas pessoas, devido a razões socioculturais, o pastoreio bovino e ovino “é a maior causa da destruição de habitats”, refere Monbiot. Com o fim da pastorícia, os solos hoje usados para a agro-pecuária extensiva poderiam ser reconvertidos em florestas, prados selvagens, savanas e zonas húmidas, defende o jornalista, que escreve regularmente no diário britânico The Guardian.

Relativamente ao novo Governo trabalhista, que venceu este mês as eleições no Reino Unido, Monbiot não demonstra grande entusiasmo. “Já está a mostrar que prefere evitar escolhas difíceis”, resistindo “taxar os mais ricos” e apostando na “criação de combustíveis de aviação sustentáveis” — algo que, para o autor, equivale a “criar unicórnios”, uma vez que a aviação sustentável é algo que “não existe”.

O seu livro Regenesis defende que o uso dos solos pela agricultura é um problema climático tão urgente como o dos combustíveis fósseis. Porque é que muitos líderes políticos e agências internacionais abraçam a redução de emissões, mas evitam a questão agrícola?
É uma boa questão. Penso que há vários factores envolvidos. O primeiro é a ignorância. Não se fala muito da criação de animais como um sector com impactos comparáveis ao dos combustíveis fósseis. Quando se olha para todos os impactos ambientais do uso agrícola do solo, não temos apenas o colapso climático, que é obviamente um dos mais importantes, mas também a desflorestação, a destruição de habitats, a poluição, utilização excessiva da água e do solo. Os combustíveis fósseis e a agro-pecuária são as duas indústrias mais prejudiciais na Terra. E, no entanto, não ouvimos quase nada sobre os impactos da criação de gado. E isso deve-se, em parte, ao facto de a maioria das pessoas, cientistas ou ambientalistas, terem sido muito lentos a começar a discutir estes temas do uso do solo. Se recuarmos no tempo, há 20 anos…

... estávamos a começar a falar do impacto ambiental dos combustíveis fósseis.
Sim, era assim que estávamos. Havia uma frustração intensa pelo facto de estes assuntos não estarem a ser devidamente discutidos. Não havia nem nos políticos nem na comunicação social a consciência dos impactos da queima de combustíveis fósseis, e nós, ambientalistas, estávamos constantemente a lutar contra essa negação. Estávamos a lutar contra a indiferença nos meios de comunicação social, a indiferença na política, e ainda estamos. Temos de educar os decisores políticos acerca da ciência básica deste assunto de importância crucial. Explicar que, sim, o uso do solo pela agricultura é um enorme processo de destruição ambiental. Mas não se ouve falar disso nos media, porque os decisores nos meios de comunicação social são tão ignorantes quanto os políticos.

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George Monbiot recorda que, para alimentar a humanidade, o modelo actual de exploração agrícola tem levado à destruição de florestas, extinção da vida selvagem e poluição dos rios, do oceano e da atmosfera Hugh R Hastings/Getty Images

Disse que havia vários factores. Quais são os outros?
Outra das forças em jogo consiste no facto de estarmos muito mais ligados, e fisicamente mais próximos, aos produtos de origem animal do que estamos dos combustíveis fósseis. É claro que vamos às bombas encher o depósito do carro, mas não pensamos naquilo como petróleo. É apenas um líquido que sai de um tubo e que entra no nosso veículo. Depois, ligamos o carro e vamos embora. Na maior parte das vezes em que usamos combustíveis fósseis, fazemo-lo sem qualquer consciência. Ligamos as luzes ou o aquecimento e não estamos a pensar em energia fóssil. Mas estamos sempre a pensar na comida — ela é muito visível. Quando pensamos em comida, estamos envolvidos com todos os nossos sentidos. E a nossa lealdade para com a comida é literalmente uma coisa visceral. É um sentimento muito forte de que este é o meu alimento e de que ninguém mo vai tirar. Ninguém. Por isso, é uma questão politicamente difícil de tratar, porque as pessoas estão muito mais conscientes do seu envolvimento com a comida. E são muito mais defensivas em relação à comida do que à energia que utilizam.

Mais algum factor?
Para tornar as coisas ainda mais complicadas, estamos rodeados de mitos que nos dizem que, de facto, a criação de animais é boa, inocente e pura. Estes mitos são implantados nas nossas mentes desde uma idade muito jovem, numa proporção extraordinariamente elevada. Nos livros para crianças muito pequenas, que ainda não são alfabetizadas, há histórias dos animais da quinta. São sobre as quintas de criação de gado, que não têm qualquer relação com os locais de onde obtemos a nossa carne, o nosso leite e os nossos ovos. Nessas narrativas, há um porco, um cavalo, um gato, um cão, uma galinha, um cão — e todos eles fazem parte da família, e falam uns com os outros.

Muitas crianças aprendem as primeiras palavras — os sons dos animais (onomatopeias) — com esses livros infantis.
Exactamente. Estas histórias transmitem a impressão de que a quinta de criação de gado é um lugar de segurança e conforto. Fiquei muito impressionado com isto porque, quando era adolescente — eu cresci na Inglaterra rural, onde a maior parte dos empregos eram nas quintas —, trabalhei numa quinta que era, na verdade, um local de criação intensiva de porcos. Foi uma experiência muito chocante.

Repare: gosto de trabalho físico, sou bastante forte e não me importo de trabalhar arduamente todo o dia. Mas havia dois pensamentos que me passavam pela cabeça todos os dias. Um deles era: não foi isto o que me disseram sobre a agro-pecuária. E o outro: porque é que isto é legal? Se fossem cães ou gatos naquela quinta, e não porcos, a polícia seria chamada. Seríamos levados algemados para uma viatura policial e enviados para a prisão pelo que estávamos a fazer com aqueles animais. E, no entanto, o que estávamos a fazer integrava uma indústria totalmente respeitável. Os porcos são animais muito inteligentes. E estávamos a mantê-los nas condições mais abomináveis e a fazer-lhes as coisas mais terríveis. De alguma forma estamos a normalizar este tipo de prática. Naturalizámos isto. E foi esse tipo de experiência chocante que penso ter sido uma das coisas que me colocou no caminho do que acabou por se tornar o livro Regenesis.

Disse que é esta relação íntima, ou até visceral, com a comida que torna difícil trazer os sistemas alimentares para a agenda política. A União Europeia já avançou com a estratégia do Prado ao Prato, por exemplo, mas há geografias em que esta abordagem é muito difícil. O que pode ser feito para mudar este cenário?
Isto não acontece porque a indústria agrícola seja muito poderosa economicamente — é bastante pequena em comparação com a dos combustíveis fósseis —, mas sim porque tem poder culturalmente. É necessário expor a realidade deste sector em termos ambientais, que penso ser o aspecto mais importante de todos. Mas há também os danos no que toca ao bem-estar animal e aos horrendos impactos humanos das condições de trabalho. Estamos a falar de uma indústria altamente impiedosa, exploradora, cruel e destrutiva, e que tem de ser regulamentada e reduzida. E quero dizer que gostaria de ver a criação de animais acabar de vez.

O George Monbiot é vegan. Mas muitos políticos não são e podem ver este tipo de medidas climáticas como muito ousadas, e com um alto custo eleitoral após quatro anos.
Sim, mas este é o problema. Na nossa política, é sempre mais fácil apaziguar o poder. É sempre mais fácil ir com a corrente do que enfrentar interesses poderosos, mas os únicos políticos que alguma vez mudaram as nossas vidas para melhor, que alguma vez deixaram realmente a sua marca, foram aqueles que foram suficientemente corajosos para enfrentar interesses poderosos. Mas, claro, há riscos. Há um enorme risco político em fazê-lo, mas qual é o objectivo de estar na política se não se está preparado para o fazer? Não se quer deixar um legado? Não quer que as gerações futuras lhe agradeçam pelo que fez? Ou está lá apenas para ser um porta-voz dos interesses mais poderosos? Porque se for, bem, mais vale não se dar ao trabalho porque qualquer um pode fazer isso. Esse é o modo fácil da política, e não há desafios. Não há qualquer dificuldade. Mais vale desistir e ir para casa. Se for demasiado fácil, não se está a fazer bem.

Afirma no livro que o problema da agricultura não está em ser extensiva ou intensiva, mas sim na “combinação desastrosa de ambas”. Juntas, ocupam 38% dos solos do planeta. Porque considera a agricultura extensiva negativa e porque é tão difícil transmitir essa mensagem?
Criou-se uma espécie de falsa divisão na mente de muitas pessoas entre a criação intensiva de animais, que toda a gente detesta, apesar de quase todos os produtos que consomem serem daí provenientes, e a criação extensiva, que toda a gente adora. As pessoas dizem: “Bem, não vou comer mais produtos da criação intensiva, agora só como boa carne que vem de pasto, de gado bovino ou ovino”. E, sim, é verdade, isto pode ser uma melhoria do ponto de vista do bem-estar animal, mas é muito pior do ponto de vista ambiental. E isto deve-se à questão do uso da terra, que deveria estar no topo da lista das nossas métricas ambientais. De quanta terra precisamos para sustentar os nossos estilos de vida? Deveríamos estar a utilizar a menor quantidade de terra possível. Cada hectare de terra que utilizamos para o nosso proveito é um hectare que retiramos aos ecossistemas selvagens — e a grande maioria das espécies do mundo depende dele. O próprio sistema terrestre é sustentado e regulado por ecossistemas selvagens. Quanto mais transformamos os ecossistemas selvagens em ecossistemas geridos, mais rapidamente caminhamos em direcção ao colapso do sistema. Fazer com que os ecossistemas geridos voltem com urgência a ser ecossistemas selvagens é, possivelmente, a única coisa que pode evitar o colapso dos sistemas terrestres.

Qual é a maior causa da destruição dos ecossistemas selvagens?
É precisamente a criação extensiva de animais, a agricultura extensiva, que ocupa cerca de 26% da superfície terrestre. É o pastoreio de gado bovino e ovino, principalmente. Essa é a maior causa da destruição de habitats, a maior causa de conversão de terras. Se fosse invertida, seria de longe o meio mais eficaz de restaurar os ecossistemas selvagens, porque grande parte da superfície do mundo é de pastagem, o que permite dar uma volta muito rápida para converter essa terra de pastagem de novo em florestas, prados selvagens, savanas e zonas húmidas (as paisagens que ali estavam antes de serem convertidas em pastagens). Se acabássemos com a pecuária extensiva, isto teria um impacto positivo enorme, maior até do que se acabássemos com a pecuária intensiva.

A ideia de que a agricultura extensiva é ambientalmente má não é intuitiva. Há uma ideia cultural, por exemplo, dos pastores como guardiões da natureza. É por isso que esta mensagem climática é de difícil transmissão?
Não é intuitiva, de facto. Devido a estes mitos profundamente arraigados, sentimos que as pessoas que estão ao ar livre são os bons da fita. Conhecemos estas histórias de pastores, elas estão na Bíblia, na poesia grega, nos filmes de faroeste. São histórias profundamente enraizadas na nossa cultura. E por isso é muito difícil ultrapassá-las. Então, quando se fala nos danos ambientais causados pela criação de animais, há pessoas que me dizem: “Eu percebo isso, por isso vou comer menos e melhor carne”. Desculpa, mas o que é isto? As pessoas estão a falar de melhor? Não, a carne de criação extensiva é pior do ponto de vista ambiental. As pessoas têm muita dificuldade em compreender isso. A melhor resposta é mudar para um tipo diferente de alimentação, deixando de comer carne, leite e ovos.

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O jornalista britânico George Monbiot foi preso e levado pela polícia após uma ordem policial que proibia a reunião de pessoas na via pública, durante um protesto da organização Extinction Rebellion em 2019, em Londres, no Reino Unido Mike Kemp/Getty Images

O Índice de Dieta Saudável Planetária (PHDI, na sigla em inglês), proposto pela Comissão EAT-Lancet, prevê a ingestão de uma quantidade reduzida de carne e peixe. Portanto, pessoas que procuram recomendações com base científica compreendem que podem comer proteína animal.
Sim, quantidades muito pequenas de carne. E penso que isso tem o efeito infeliz de dar às pessoas uma espécie de licença moral para continuarem a ser como são. As pessoas têm muito pouca ideia do quanto é que estão a comer. Subestimam imenso o seu impacto em todas as áreas, todos nós temos os nossos antolhos levantados, nós não queremos ver o mal moral que estamos a fazer. E por isso enganamo-nos a nós próprios. Se as pessoas se sentassem e anotassem cada vez que comem um produto de origem animal, provavelmente ficariam bastante chocadas ao descobrir o quanto estão a comer. Agora, é claro que estou a falar de pessoas que têm a possibilidade de escolher o que comem. Em muitos locais do mundo, as pessoas não têm escolha. Por isso, estou a falar apenas para pessoas como nós, que podem tomar essas decisões.

No seu livro, sugere diferentes soluções, como a fermentação de precisão. A assimilação desses novos alimentos produzidos por microorganismos, com a ajuda da biotecnologia, exige uma mudança cultural. Em tempos de urgência climática, temos o tempo necessário para esperar que essa mudança aconteça?
Antes de mais, quero dizer que nunca temos tempo suficiente. Estamos a perder a corrida ambiental todos os dias. Mas podemos perdê-la lenta ou rapidamente. Quanto mais pudermos reduzir a probabilidade de colapso dos sistemas terrestres, melhor. Devemos fazer tudo o que pudermos o mais rapidamente possível. Pode não ser suficiente, mas temos de actuar como se fosse.

Nós mudamos. E o que dizemos sobre nós próprios quando se trata de comida é muito diferente de como nos comportamos de facto. Agora, a mudança em geral está muito mais disponível do que aquilo que acreditamos que está. Sempre imaginámos que a mudança só pode acontecer de forma lenta e gradual, mas nunca é assim que as mudanças significativas acontecem. A mudança de dieta é algo que as pessoas dizem que nunca vai acontecer porque os seus antepassados sempre comeram assim. Muito do que eu como hoje a minha bisavó nem reconheceria como comida.

Pode dar um exemplo?
Esta noite talvez cozinhe uma refeição tailandesa. Ou mexicana. Amanhã talvez cozinhe uma refeição indiana. Gosto de cozinhar, cozinho especialidades de todo o mundo. A minha bisavó, que eu nunca conheci, provavelmente ficaria absolutamente horrorizada. Recusar-se-ia a conhecer. E, no entanto, a minha dieta é muito mais saudável do que a dela e tem um teor de vegetais muito mais elevado. E um impacto ambiental muito menor. Estamos muito interessados em experimentar novos alimentos, em explorar cozinhas que os nossos pais não conheciam ou não estavam interessados, em incorporar novos ingredientes.

Porque vê na fermentação de precisão uma possível solução?
A fermentação de precisão permite a produção de alimentos ricos em proteínas com impactos ambientais muito reduzidos, uma utilização mínima da terra e uma utilização mínima de recursos. Tudo contido, sem poluição e com potencial para criar uma gama realmente vasta de alimentos para substituir os alimentos antigos, mas também para criar alimentos inteiramente novos, tal como a revolução agrícola criou uma cozinha inteiramente nova para nós no passado com o pão, o queijo, a cerveja, que eram antes desconhecidos ou escassos. Estou entusiasmado com essa ideia. Muitas pessoas ficam horrorizadas com a perspectiva, porque temem o novo. Mas, na verdade, o que vai acontecer — se isto for bem-sucedido — é que pessoas como eu começarão por experimentar e dirão: “Na verdade, isto é muito bom”. E depois, mais pessoas começarão a fazê-lo. Em poucos anos, as pessoas estarão a comer sem pensar nisso.

O Partido Trabalhista venceu este mês as eleições britânicas e o Partido Verde elegeu quatro deputados, conseguindo ir além do habitual eleitorado urbano. Como ambientalista, qual é a interpretação que faz destes resultados?
Quero dizer, antes de tudo, que temos aqui [no Reino Unido] um sistema político ridículo. Por isso, tem sido muito, muito difícil para os pequenos partidos, como os Verdes, conseguirem uma posição na política. Por isso, eles saíram-se muito bem. Estavam a apontar para apenas quatro lugares e conseguiram todos eles. O que vimos nestas eleições foi uma enorme repulsa pelos conservadores após 14 anos de desgoverno extremo, caos, colapso económico. O colapso dos serviços públicos, os rios cheios de porcaria, as pessoas a serem atiradas para a miséria. É simplesmente extraordinária a rapidez com que este país se deteriorou sob [a gestão dos] os conservadores. Por isso, ficámos muito contentes por nos livrarmos disso tudo. Mas se os trabalhistas não cumprirem o que prometeram, se não nos mostrarem algo perceptível nas condições de vida da população, as pessoas rejeitá-los-ão muito rapidamente e poderemos assistir à entrada de outra força política. E é muito provável que essa força seja a extrema-direita, que também ganhou terreno considerável nas eleições.

O que espera deste Governo, liderado pelo primeiro-ministro trabalhista Keir Starmer, em termos de clima e ambiente?
Estão a lançar um projecto de lei do Governo para criar combustíveis de aviação sustentáveis, por exemplo. Bem, mais vale ir para o Governo e apresentar um projecto de lei para criar unicórnios, porque uma aviação sustentável não existe. E nunca existirá. Há razões energéticas simples que explicam por que razão não se pode ter uma aviação sustentável, e esta é uma forma de evitar uma escolha mais difícil, que é a de voar menos. E isso é o que deveríamos fazer.

Infelizmente, o novo Governo já está a mostrar que prefere evitar escolhas difíceis. Por isso, não vai cobrar impostos aos mais ricos. Em vez disso, vai manter a austeridade, porque isso é mais fácil do que taxar mais os ricos, porque assim não se depara com grandes problemas com os jornais, com os lobistas corporativos e os bilionários. Continua-se então a falar de captura e armazenamento de carbono — uma abordagem totalmente desacreditada — para evitar o colapso climático. Sabe-se que [esse método] falhou durante mais de 20 anos e, mesmo assim, eles ainda vão deitar mais dinheiro nisso?

Eles [os trabalhistas] não têm sido muito claros sobre o que querem dizer exactamente quando se trata de licenças para a produção de petróleo e gás no interior. Disseram que querem acabar com as novas licenças, mas não foram muito claros sobre se estão a falar apenas de novas licenças para exploração ou de novas licenças para explorar as reservas existentes, e assim por diante.

Activistas do Stop Oil foram condenados a penas de prisão de quatro a cinco anos pelos protestos na auto-estrada M25, no Reino Unido. De que modo que estas sentenças pesadas podem afectar o activismo climático?
Não se trata apenas das sentenças. Há toda uma série de novas leis que tornam os protestos quase impossíveis neste país, e não são apenas leis. Há novas formas de litígio civil que permitem às empresas privadas impor coacções aos manifestantes, que muitas vezes conduzem a montantes mais elevados, que têm de pagar em penas de prisão mais longas do que os criminosos. Neste país, estão a ser utilizados todos os meios possíveis para tentar acabar com os protestos. Uma de duas coisas pode acontecer: ou esta bateria de novas medidas é bem-sucedida, e as pessoas calam-se e ficam em casa, o que era o objectivo do governo conservador, que introduziu estas leis; ou as pessoas ficam tão horrorizadas e enojadas, e reconhecem que se trata apenas de uma tentativa de manter os lucros das empresas de combustíveis fósseis, e assistimos a uma rebelião suficientemente grande. Não se pode suprimir o protesto para sempre, pode-se suprimi-lo apenas durante muito tempo. As pessoas querem retomar o controlo das suas vidas. Elas querem ter o seu lugar, as suas necessidades têm de ser satisfeitas. É evidente que, infelizmente, este Governo não vai satisfazer a necessidade de um planeta habitável.

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George Monbiot apoiou activistas do movimento “Stop Oil” numa caminhada lenta no centro de Londres, em Junho de 2023 Kristian Buus/Getty

Os protestos climáticos como este, que bloquearam a auto-estrada londrina durante quatro dias consecutivos, ajudam ou prejudicam a causa ambiental?
Ao longo dos últimos dois séculos, ouvimos pessoas a dizer que concordavam com a causa dos manifestantes, mas discordavam dos métodos, quer estivessem a falar de sufragistas, quer de defensores da independência, do anti-apartheid, dos direitos civis, dos homossexuais, das feministas, ou seja lá do que for. Mas se ao menos estas pessoas que criticam o fizessem de uma maneira diferente, se avançassem, se nos dissessem o caminho... Por favor, mostrem-nos como podemos mudar a política! Quais são então os protestos eficazes? Este é o momento em que eles, os críticos, ficam sempre em silêncio.

O facto é que qualquer movimento de protesto eficaz é um ecossistema. Precisamos de um flanco moderado e de um flanco radical. Precisamos de pessoas a fazer coisas escandalosas, muitas, muitas. As pessoas desaprovam, mas mobilizamos com isso a atenção do público, o que faz com que as pessoas falem sobre o assunto, que o debatam. A coisa que mais devemos temer na ciência é quando as pessoas não estão a discutir um assunto. Mesmo que estejam a discutir os protestos em termos pejorativos, pelo menos estão a discutir aquele assunto. Em algum lugar, no fundo das nossas mentes, está a preocupação com a questão que está a ser levantada.

Isto não quer dizer, contudo, que apoiarei tudo o que qualquer movimento de protesto venha a fazer. Claro que não. E tenho certeza de que algumas tácticas são mais bem-sucedidas do que outras. Mas não há magia: nenhuma táctica vai proporcionar milagrosamente as enormes mudanças de que precisamos para evitar o colapso dos ecossistemas.