O Governo, a APA, a ribeira e os eucaliptos

A “reabilitação” na ribeira de Rio de Moinhos, em Abrantes, levanta muitas questões. A plastificação do leito e o emparedamento das margens podem ser encaradas como acções de “engenharia natural”?

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Recentemente, o Governo anunciou que tem em curso a reabilitação de 300 quilómetros de cursos de água em todo o país. O anúncio teve lugar em Vila Flôr pela ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho. Segundo a ministra, esta reabilitação insere-se em parte das metas nacionais de aplicação da Lei Europeia do Restauro da Natureza, aprovada a 17 de junho último e que o Governo português votou favoravelmente. Está aqui inserida a atual “reabilitação” em curso na ribeira de Rio de Moinhos, no concelho de Abrantes?

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) publicou, em novembro último, a Estratégia Nacional de Reabilitação de Rios e Ribeiras (EN3r). Conforme inscrito, “a visão de médio-longo prazo da Estratégia consiste em alcançar o bom estado de conservação da rede hidrográfica e zonas ribeirinhas até 2030, mantendo o carácter multifuncional da paisagem envolvente, enquanto principal força motriz da Natureza e elemento de forte identidade coletiva, garantindo a proteção da biodiversidade e a sustentabilidade do corredor fluvial e conferindo-lhe capacidade de adaptação às alterações climáticas e de resiliência hidrológica, ecológica e social”.

Será esta a visão que superintende a empreitada de requalificação e reabilitação em curso na ribeira de Rio de Moinhos, no concelho de Abrantes? Tanto quanto se observa no local, a vegetação ribeirinha ou ripícola tem sido dizimada, incluindo o abate de dezenas de sobreiros (pelos vistos, tem sido moda pelo país o abate abundante da Árvore Nacional de Portugal), a par de amieiros, salgueiros, loureiros, choupos-negros, entre outras vegetais, incluindo as aquáticas. Ora, as espécies arbóreas são autênticos condomínios para a biodiversidade, alojando e servindo de suporte a um vasto conjunto de seres vivos.

Ainda de acordo com inscrito nessa Estratégia, a mesma tem por base, entre outros, o “Princípio da adaptação baseada nos ecossistemas ribeirinhos, por força do qual todas as intervenções físicas na gestão de recursos hídricos devem considerar a implementação de soluções Técnicas de Engenharia Natural (TEN) e demais NWRM [Natural Water Retention Measures], enquanto Soluções Baseadas na Natureza (SBN), com boa relação custo-benefício, utilizando o material disponível na região, condições de escoamento natural e vegetação autóctone, para reduzir a vulnerabilidade e garantir a capacidade de resiliência hidrológica e ecológica do corredor fluvial a potenciais alterações do meio, diversificando as opções em função dos problemas, necessidades e interesses específicos de cada local, sem prejuízo da necessária unidade e coerência ao nível de cada bacia hidrográfica”.

Pelo que se verifica na ribeira de Rio de Moinhos, a plastificação do leito e o emparedamento das margens insere-se neste princípio? Pelos vistos, sim! Curioso, vária documentação refere tratar-se de uma operação de “engenharia natural”. Deve tratar-se de um novo conceito desta. Será uma versão 2.0? O meio académico ainda não se ajustou.

Outras curiosidades da operação em curso na ribeira de Rio de Moinhos:

A obra em curso está a ser concretizada de montante para jusante. Não referem as boas práticas, emanadas pela APA, de que as intervenções em linhas de água devem ocorrer exatamente em sentido inverso?

As regras de boas práticas para intervenções em curso de água não referem que tais empreitadas não devem ocorrer em período de nidificação da avifauna? Não consta também que tal esteja a ser respeitado na “reabilitação” desta ribeira. Por onde anda a intervenção da APA?

Em visita a 31 de maio último, na área superior da intervenção não se vislumbrou um fio de água que fosse. Isto, apesar de um leito plastificado e após um ano de precipitação abundante. Nem mesmo em período de chuvas mais fortes, ocorridas no período de inverno-primavera se observou qualquer sinal de inundação em área não intervencionada. Todavia, a justificação principal para esta operação de “requalificação e reabilitação” parece ter por base as cheias provocadas pela Depressão Elsa, que assolou o território nacional em dezembro de 2019.

Mas, colhe o argumento da Depressão Elsa?

A ribeira de Rio de Moinhos tem a sua nascente na freguesia de Aldeia do Mato, corre pelo vale da Pucariça até desaguar no Tejo, na freguesia de Rio de Moinhos, ambas no concelho de Abrantes. A sua origem e curso superior coincidem com uma vasta área de plantações de eucalipto. Essa área de Aldeia do Mato foi vítima de um grande incêndio no início de agosto de 2017, em que arderam 4000 hectares de “povoamento florestal” [eucaliptal] e 600 hectares de matos. A superfície ardida corresponde a quase metade da área do concelho de Lisboa. Em setembro de 2019 arderam na freguesia de Aldeia do Mato mais 0,65 hectares em “povoamento florestal”.

De facto, no decurso da precipitação ocorrida aquando da passagem da Depressão Elsa, foi constatada elevada erosão hídrica, acompanhada do arrastamento de material lenhoso. Há a registar que, após o incêndio de 2017 ocorreu forte mobilização dos solos para a rearborização e arborização com eucalipto. Não será de admirar que, pouco tempo volvido, tal intervenção nos solos, associada à ausência de medidas de contenção da erosão, tenha provocado danos ao longo da ribeira. A questão que se coloca é se o desequilíbrio foi provocado pela Depressão Elsa ou pela ausência de adequadas medidas de gestão do eucaliptal e inadequada ocupação dos solos, dominados por extensa monocultura dessa espécie arbórea exótica, politicamente não invasora?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.