Mas, afinal, de onde virá o dinheiro para pagar tudo isso?

Portugal pode e deve juntar-se a outros países que já demonstraram apoio a um imposto global sobre grandes fortunas. Por uma questão de justiça, de coesão e de democracia.

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Como garantir a transição ecológica e fazê-lo de forma justa? Como garantir que Portugal e os outros países conseguem avançar com políticas de melhoria da eficiência energética, de aumento de produção de energia a partir de fontes renováveis e fazê-lo protegendo os mais frágeis? Como garantir a descarbonização da economia, empregos sustentáveis e bem remunerados e melhorar as condições laborais de todos? Muitas respostas poderão ser dadas a estas questões, mas haverá uma outra questão que será invariavelmente trazida a debate: mas, afinal, de onde virá o dinheiro para pagar tudo isso?

A boa notícia é que esse dinheiro existe; a má é que ele se tem concentrado num cada vez menor número de mãos. Vários estudos apontam para uma concentração da riqueza a nível global, não estando Portugal isento dessa tendência. A redução e, por vezes, a eliminação de taxas e impostos sobre os mais ricos não serão certamente isentas de responsabilidade nesta dinâmica.

Mas quais são, afinal, os problemas desta concentração da riqueza? Ingrid Robeyns, filósofa política que desenvolveu a teoria do limitarianismo, aponta vários e dá destaque à questão democrática e à necessidade de dar resposta às necessidades urgentes. A primeira explica-se com o facto de uma grande desigualdade económica reduzir a igualdade política: o esforço económico necessário para indivíduos (ou grupos empresariais) que detenham uma grande riqueza utilizarem parte dela a adquirir poder e influência é muito menor do que o esforço necessário a alguém com baixos rendimentos, que necessita da sua riqueza para dar resposta às necessidades do dia-a-dia. Assim, não só é possível que o indivíduo rico use a sua riqueza para obter poder, como é desproporcionalmente mais provável que o faça.

A segunda é, tal como escrevíamos no primeiro parágrafo, ser preciso dar resposta a necessidades urgentes na promoção de direitos sociais e laborais, de combate à pobreza enquanto fenómeno estrutural e na transição ecológica para uma sociedade sustentável. Ora, concentrando-se a riqueza em cada vez menos mãos, estes objetivos serão colocados em risco.

Mais há ainda uma questão de justiça fiscal que não pode deixar de ser considerada. Como mostra um estudo recentemente publicado a pedido do G20 e da autoria do economista Gabriel Zucman, os megamilionários têm uma tributação menor de rendimentos do que os contribuintes médios. Portanto, os mais ricos, fruto de práticas fiscais agressivas, não só não são sujeitos a impostos mais altos – como seria justo num sistema fiscal progressivo – como ainda os conseguem ter abaixo da média. Como resume em entrevista à Lusa o economista Quentin Parriniello – que, com Zucman, é um dos autores de um relatório sobre a fuga fiscal a nível global –, a não cobrança de impostos aos bilionários “mina a confiança nos governos que deviam trabalhar para o bem maior e não para uma pequena elite”, acrescentando ainda que a discussão não é “apenas sobre aumentar as receitas, é sobre salvar a democracia e reconstruir a confiança entre governos e cidadãos”.

Por outro lado, e como vários estudos indicam, mais igualdade traz vários benefícios, de maior coesão social, de maiores índices de educação, melhores cuidados de saúde e até de melhores práticas a nível ambiental. No fundo, com mais igualdade beneficiamos todos enquanto indivíduos e enquanto sociedade.

É por isso que o Livre deu já entrada a um projeto de resolução na Assembleia da República que defende que Portugal se associe aos outros países que, no G20, têm pedido que se avance com a tributação das grandes fortunas a nível global. Estudos como o do EU Tax Observatory sobre evasão fiscal a nível global indicam que um imposto global sobre grandes fortunas terá um papel de fortalecimento da coesão social e da própria democracia. E o esforço pedido aos megamilionários não é propriamente revolucionário. Apresentando seis propostas, a principal é a de uma taxa global de 2% sobre as grandes fortunas que impactaria em menos de 3000 pessoas em todo o planeta, mas corresponderia a 250 mil milhões de dólares – aproximadamente o PIB português – a cada ano. E, se é verdade que haverá poucos portugueses com este grau de riqueza, há uma forte probabilidade de alguns deles serem residentes no nosso país, razão pela qual uma taxa global tal como proposta seria benéfica para Portugal.

Portugal, enquanto membro observador do G20 a convite do Brasil, que detém a presidência até novembro, deve juntar-se a outros países que já demonstraram apoio a esta proposta. Para além do Brasil, países como Espanha e Bélgica têm afirmado a necessidade de pensar numa política de combate à evasão fiscal e de justa tributação das megafortunas. E este é um esforço ao qual Portugal pode e deve juntar-se. Por uma questão de justiça, de coesão e de democracia. Mas, afinal, de onde virá o dinheiro para pagar tudo isso? De onde ele está.

Deputados do Livre

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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