Mini Tracery: é um clássico, mas também um Vhils sobre rodas

Um automóvel também pode ser uma tela para um artista, como vários exemplares nos têm comprovado. Neste caso, foi uma equipa de portugueses a criar a obra de arte móvel.

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Mini Tracery pelo Vhils Studio Expanding Roots
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Mini Tracery pelo Vhils Studio Expanding Roots
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Mini Tracery pelo Vhils Studio Expanding Roots
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Arte e automobilismo andam de mãos dadas há muito e sobram exemplares que conseguem surpreender, quer na forma, quer nos valores, e que acabam por se assumir como objectos de colecção: foi o caso de um Volkswagen Carocha intervencionado por Christo, apresentado na última edição da Art Basel e avaliado em cerca de quatro milhões de dólares (3,68 milhões de euros).

No entanto, o modelo alemão, de 1961, foi, como era apanágio do artista búlgaro (1935-2020), literalmente embrulhado, o que o impede de rolar na estrada. Pelo contrário, enaltece ao PÚBLICO o director criativo do Vhils Studio, Pedro Ferreira, o Mini Tracery que trabalharam e que apresentaram este ano está homologado para circular na via pública, o que lhe parecia impossível no arranque do projecto.

A escolha de um Mini de 1965, i.e., da primeira série, foi quase óbvia desde o primeiro instante: um Mini clássico, a representar a história de um modelo que, longe do que é hoje (um automóvel premium, voltado para o desempenho e para a condução espevitada), “significou uma revolução para a indústria automóvel, sobretudo em Inglaterra”, sublinha Pedro Ferreira, indicando a importância de, na época, “ser barato”, mas, concluiu durante a sua investigação, “também ocupava vários pontos da vida das pessoas”.

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Foram feitos 30 mil furos no Mini de 1965 Expanding Roots

Ou seja, explica, cumpria a sua função principal, de mobilidade nos centros urbanos, não representando um problema na hora de estacionar, além de a sua simplicidade resultar numa manutenção acessível, mas, “depois, era também uma espécie de carro de culto, que tinha um papel muito importante nos tempos de lazer dos seus proprietários”, ao mesmo tempo que se ia destacando na competição e noutras actividades.

Para a Mini Portugal, explica o gestor da marca em Portugal, Gonçalo Empis, ao PÚBLICO, a “ideia surgiu pela nova geração, que é muito inspirada no primeiro Mini de todos, com um único ecrã redondo e cinco botões”, mas que, ao mesmo tempo, avalia, está voltado para o futuro, com “modelos 100% eléctricos e a opção por materiais mais sustentáveis”. Então, diz, “pensámos que devíamos comemorar esta homenagem ao passado”.

Do lado do Vhils Studio, ainda se ponderou abordar o tema de outra forma, depois de uma visita à fábrica, em Oxford, onde, confessa ao PÚBLICO Pedro Ferreira, a equipa se sentiu fascinada com o nível de automação e com a quantidade de robôs que laboram no espaço. “Fomos três da equipa e estávamos os três muito impressionados. [A fábrica] é incrível.”

O que os levou ainda a pensar que estavam a desperdiçar a oportunidade de incluírem no projecto o trabalho com robôs (e, confessa Pedro Ferreira, essa hipótese seria muito bem-vinda). Mas, depois de um instante de deslumbramento, voltaram ao ponto inicial: “Fez sentido voltar atrás.”

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hugo adelino

Depois de escolhido o chassis, de matrícula portuguesa, e decidido que pretendiam que lhes fosse cedida uma unidade com a cor de origem (foi um creme) e com interiores a vermelho — ​“queríamos trabalhar com uma base o mais autêntica possível” —​, ficou determinado que iriam apenas intervir no exterior do automóvel. No fundo, a intenção era de que o carro, depois de intervencionado, “tivesse um aspecto de fábrica”, de novo em folha.

Só que, lembra, “o Alexandre constrói destruindo”, como já tinha feito com um Ford Mustang de uma colecção privada nos EUA. “Fomos duas semanas, em que fizemos a decapagem manual da pintura e, depois, sobre a chapa virgem aplicámos ácidos, que aceleram a corrosão. Não queríamos voltar a fazer o mesmo.”

30.000 furos

Surgiu então uma ideia de rendilhar a carroçaria (o nome Tracery remete precisamente para este tipo de ornamentação), mantendo o veículo com homologação, o que, admite Pedro Ferreira, “parecia impossível”. Foi então que a Mini os pôs em contacto com a Rusty Soul Garage, uma oficina de restauro de carros clássicos. “Explicámos a nossa ideia ao João Afonso, e ele disse: ‘Eh pá, deixa-me pensar um bocadinho, porque eu acho que consigo.’”

Seguiu-se, relata, um “processo muito técnico” de desenho, tendo em conta as fichas do carro, para preparar os templates nos quais Alexandre Farto faria as suas composições. “Depois, essa composição voltou ao nosso departamento e foi toda transformada em furos de diâmetros específicos, porque não íamos usar 20 brocas para fazer a peça – seria de loucos. Então seleccionámos quatro ou seis diâmetros.” Passou-se depois para a passagem do desenho para furos, a planificação da chapa, mapear o carro em 3D... Por fim, “com a chapa ainda em cru, foi toda furada à mão”. Na Rusty, forraram o automóvel todo por dentro, a preto, que admitiu o contraste e permitiu que a homologação não estivesse em risco: afinal, os furos implicavam que o automóvel, em dias de chuva ou numa simples lavagem, se pudesse encher de água.

“Essa é a parte mais interessante: o facto de estar homologado; pode estar aqui ou no outro lado do mundo”, destaca Pedro Ferreira. É que, explica, “naquela teimosia de se querer a peça homologada, conseguimos não tirar a função, o que faz com que possa estar num museu, mas também ser itinerante, ir a eventos, a encontros”.

O resultado, enaltece Gonçalo Empis, que sublinha que todo o projecto contou com o apoio da Mini AG, “foi para além do que se estava à espera”. E explica: “Nunca esperei que fossem 30 mil furos numa carroçaria, num trabalho extremamente complexo; foram três meses a fundo.”

Agora, o Mini de Vhils destina-se ao Museu da Mini, onde se juntará a outros pensados por David Bowie, Kate Moss ou Paul Smith e a vários outros que foram criados para filmes ou outra necessidade. No entanto, conta Gonçalo Empis, “há interesse de outros países em receber a obra”, o que não será um problema. Afinal, este Mini, embora pouco o faça, também foi feito para rolar.

Da história da arte aos automóveis de artista

Ter um automóvel a servir de tela não é incomum: a BMW começou a fazê-lo em 1975, depois de ter sido abordada pelo artista plástico e mecenas francês, apaixonado pela velocidade, Hervé Poulain e pelo norte-americano Alexander Calder (1898-1976).

De um projecto que se julgaria de peça única acabaria por nascer uma colecção, designada por Art Cars, que hoje reúne 20 obras de artistas que nos contam a história da segunda metade do século XX e destas duas primeiras décadas do século XXI: de Andy Warhol a Roy Lichtenstein, passando por A.R. Penck, David Hockney ou Frank Stella, até chegar a Jeff Koons ou, este ano, a Julie Mehretu.

Por cá, Vhils não é o primeiro a trabalhar sobre um automóvel. Em 2008, a artista plástica Joana Vasconcelos foi convidada pela Toyota a tornar cinco iQ únicos, sendo que um deles permanece ao serviço do atelier da artista.

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Um dos cinco Toyotas iQ intervencionados por Joana Vasconcelos dr

Sobre o fundo em branco-pérola, Joana Vasconcelos criou formas e não se poupou na paleta de cores, que, no seu conjunto, criou um manto com o qual, avaliou na época, os portugueses se identificariam: “Desde o vermelho Benfica até ao azul Porto e verde Sporting, ao amarelo e rosa mais escuros que, juntos, caracterizam o espectro cromático que está presente na vida dos portugueses”, descreveu na altura a artista, que pretendeu também dar mais cor ao dia-a-dia, “numa união entre a dinâmica do movimento e da velocidade e a cor”.

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