Comandos. Pais dos recrutas pedem ao Supremo que mantenha condenações da Relação

Familiares de Hugo Abreu e Dylan da Silva alegam que arguidos não incorporaram “a censura da sua conduta” e que acórdão da Relação, que reverteu absolvições e agravou penas, “é rigoroso e minucioso”.

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Os instruendos e os instrutores saíram do Regimento de Comandos em Belas para iniciar o curso 127 na véspera da primeira morte, a 4 de Setembro de 2016 Rui Gaudêncio (arquivo)
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Os pais de Hugo Abreu e Dylan da Silva, os dois recrutas que perderam a vida numa formação para o curso 127 dos Comandos, em 2016, querem que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) mantenha a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que reverteu absolvições e agravou as penas aos arguidos deste processo.

Nas respostas aos recursos interpostos por Miguel Domingues, médico que chefiava a equipa sanitária, pelo director da prova, tenente-coronel Mário Maia, e por mais quatro instrutores, os familiares dos recrutas, que estão representados pelos advogados Ricardo Sá Fernandes e Andreia Pais Martins, os familiares das vítimas consideraram que o acórdão da Relação “é rigoroso e minucioso nos concretos pontos da matéria de facto que alterou, ao abrigo dos seus poderes de tribunal de recurso”.

Além disso, os pais de Hugo Abreu e Dylan da Silva também consideraram que os arguidos, ainda não incorporaram “a censura da sua conduta” e que isso revela até “alguma crueldade”.

“Mal se compreende que o arguido venha pôr em causa a evidência daquilo que devia ter sido um comportamento adequado nas circunstâncias do caso. É pena que o arguido, médico militar, ainda não tenha incorporado a censura que a sua conduta merece, a qual chegou ao extremo de ter abandonado à sua sorte, sem assistência médica, Hugo Abreu e Dylan da Silva, ausentando-se para lugar incerto”, lê-se na resposta ao recurso de Miguel Domingues.

Aliás, no caso do médico, que o TRL acabou por condenar a sete anos e meio de prisão, os advogados dos pais dos jovens lembram no mesmo documento, que “sem margem para dúvida, se pode estabelecer” que “ inobservou o seu dever de vigilância relativamente aos termos em que decorreu a prova, faltando como garante da saúde dos instruendos, particularmente quando não instruiu, não recomendou, nem tomou qualquer iniciativa verdadeiramente adequada a acautelar o estado de desidratação profunda em que os instruendos foram sendo colocados, tendo ainda em conta o seu estado de exaustão física e as condições atmosféricas especialmente adversas”.

Além disso, os advogados contestam o facto de o médico alegar no seu recurso que “bastaria consultar a bibliografia sobre o treino militar noutros países para se compreender a normalidade do esforço físico exigido aos instruendos que frequentaram a Prova Zero do Curso 127”.

Segundo os advogados, “em nenhumas forças armadas civilizadas se pode admitir, numa prova de formação de instruendos de um corpo especial, perante um quadro de desidratação profunda, num contexto de esforço físico violento, com temperaturas excepcionalmente elevadas, com formandos a desmaiar, cambalear, vomitar, cair e alucinar, não agir para acautelar e prevenir esse quadro de desidratação extremo, adoptando as medidas necessárias para o corrigir e não pôr escusadamente em risco a saúde e a vida de tais instruendos”.

Acrescentam ainda que, no mesmo cenário, também não se pode admitir, “fazer os instruendos saltar ou atirar-se para cima de silvas, com o propósito de lhes provocar arranhões e outro tipo de lesões (ademais, quando esse tipo de exercícios não estava previsto no guião), como castigo por não terem sido capazes de atingir objectivos fixados pelos instrutores ou por qualquer outra arbitrária ou fútil razão (o que, deixa-se sublinhado, nada tem a ver com aquelas situações em que, no quadro de um exercício de instrução, se tem de rastejar num terreno em que há silvas ou outros obstáculos)”.

Já no caso do director de prova que acabou condenado a dois anos de pena suspensa, os advogados escreveram que, “sem margem para dúvida, violou o seu dever de garante relativamente às condições de execução da prova, que se revelaram extraordinárias, as quais podiam e deviam ter sido adequadas às características de excepcionalidade verificadas”.

E usando também a matéria dada como provada pela Relação, sublinham que Mário Maia “devia ter agido, ainda no período da manhã, de modo a permitir a adequação do esforço e da hidratação dos instruendos a tais condições, ademais quando se tratava de uma prova de formação inicial desses instruendos”. “A circunstância de o arguido ter efectivamente interrompido a prova às 16 horas não foi ignorada pelo tribunal", o mesmo "quanto ao facto de ter telefonado ao comandante Dores Moreira, após o almoço, alertando-o para o calor que se fazia sentir”, lê-se no documento que sublinha que “o problema esteve em que actuou tarde de mais em face das circunstâncias do caso, que ele bem conhecia”.

O julgamento desde caso começou em finais de 2018.

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