Os Jogos Olímpicos de 2024 aterraram em Paris, com a ambição de serem "os mais sustentáveis de sempre". Mas até que ponto um espectáculo com 15 mil participantes e que arrasta 15 milhões de espectadores pode ser "verde"? A dificuldade começa logo em como definir o que é essa sustentabilidade, ou em ter formas transparentes de se poder fazer essa avaliação, dizem cientistas que têm estudado estes grandes eventos internacionais

A partir de 1992, o ano da Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, quando foram assinadas as três grandes convenções ambientais das Nações Unidas – das alterações climáticas, combate à desertificação e biodiversidade –, que puseram a palavra "sustentabilidade" no vocabulário internacional, o Comité Olímpico Internacional começou a confrontar-se com maiores exigências neste capítulo. Foi o princípio de um movimento ecologista nos desportos, explica Madeleine Orr, professora de Ecologia do Desporto na Universidade de Toronto (Canadá), que publicou recentemente o livro Warming Up: How Climate Change is Changing Sport (Aquecimento: como as alterações climáticas estão a mudar o desporto, numa tradução livre).

Isto aconteceu muito em resposta aos Jogos de Inverno de Albertville (França), que foram vistos na altura como um desastre ambiental, mas também porque o gigantismo das Olimpíadas se intensificou a partir dessa data, defende Madeleine Orr. Um excerto do seu livro foi publicado esta semana pela revista Foreign Policy

Mas, curiosamente, um artigo científico, publicado em 2021, na revista Nature Sustainability em 2021, que olha para os Jogos Olímpicos realizados em 1992 e 2020, concluiu que os mais sustentáveis deste período foram os de Salt Lake City em 2002 (EUA) e Albertville em 1992 (ambos de Inverno), seguidos, num distante terceiro lugar, pelos de Barcelona (Espanha) em 1992.

"É um resultado inesperado. Nem Salt Lake City nem Albertville são muito proeminentes na literatura [científica] sobre sustentabilidade em megaeventos ou anunciaram ter feitos grandes investimentos em sustentabilidade", constatavam os autores do artigo, que tem como primeiro autor Martin Müller, da Universidade de Lausanne, na Suíça.

No estudo, a avaliação da sustentabilidade foi feita "nas dimensões ecológica, social e económica", explicou a equipa. Foram aplicados princípios do 17 Objectivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e do Acordo de Paris para as Alterações Climáticas. Isto porque há uma enorme falta de critérios: "Todos os Jogos Olímpicos agora dizem ser sustentáveis, mas têm falhado em apresentar uma definição coerente ou modelo para se poder fazer uma avaliação independente", salientavam os cientistas.

Nos Jogos Olímpicos de Paris, a promessa é que as emissões totais de gases com efeitos de estufa sejam metade das dos Jogos de Londres 2012 ou Rio de Janeiro 2016 (Tóquio 2021 foram anómalos, porque não tiveram espectadores, por decorrerem durante a pandemia de covid-19). Nestas Olimpíadas, a média de emissões foi de 3,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono-equivalente (Mt CO2 eq); em Paris, o orçamento de carbono é, portanto, de 1,58 Mt CO2 eq.

 "É uma meta sem dúvida ambiciosa, em especial quando consideramos que os Jogos de Tóquio, em 2021, organizados durante a pandemia e sem espectadores, geraram quase dois Mt CO2 eq", sublinha Anne de Bortoli, especialista em neutralidade carbónica do Politécnico de Montreal (Canadá), num artigo no site The Conversation. 

No entanto, os Jogos Olímpicos de Londres e do Rio de Janeiro estão entre os três menos amigos do ambiente desde 1992, segundo o estudo da Nature Sustainability. Pior, só os jogos de Inverno de Sochi, na Rússia, em 2014. 

Paris está a esforçar-se para levar a medalha de ouro da sustentabilidade. O economista e Nobel da Paz de 2006 Muhammad Yunus, do Bangladesh, foi envolvido na organização, levando o mantra da economia social e do microcrédito para estas Olimpíadas.

Por exemplo, oito toneladas de roupa dos atletas serão lavadas todos os dias por trabalhadores do grupo Lavandaria Solidária, que reúne nove empresas de inserção social e de deficientes. Ao todo, cerca de 600 empresas do sector social francês tem trabalho por causa dos Jogos.

A construção de novas infra-estruturas que depois dos Jogos podem ou não ser reaproveitadas é um dos problemas associados aos grandes eventos desportivos. Nesse caso, 95% dos espaços usados já existiam ou são apenas temporários, diz a organização. As construções de raiz, como o novo Centro Aquático, em Saint-Denis, um subúrbio de Paris e próximo do Estádio de França, onde decorrerão a maior parte das competições, foram feitas seguindo uma arquitectura que pretende ser sustentável, usando madeira e vidro e formas de ventilação alternativa.

A ventilação alternativa na aldeia olímpica, para que não seja usado ar condicionado, dá, no entanto, pouca confiança. A ideia foi conceber uma pequena cidade adaptada às necessidades das alterações climáticas em 2050, usando madeira em vez de betão, espaços arborizados entre os edifícios e uma estação geotermal que puxa água de uma profundidade de 80 metros para arrefecer os alojamentos. A organização diz que a meta é que dentro destas habitações a temperatura possa manter-se seis graus abaixo da do exterior.

Mas várias delegações não confiam nestes métodos alternativos e despacharam unidades de ar condicionado portáteis para ter a certeza de que os seus atletas estarão frescos… Mesmo que haja uma onda de calor durante os Jogos Olímpicos, um dos riscos para os quais a organização tem de se precaver, Estados Unidos, Alemanha, Austrália, Itália, Canadá e Reino Unido já anunciaram que trazem o ar condicionado de casa.

Os Jogos serviram também de acelerador para tentar limpar o rio Sena, com significativos investimentos feitos com o objectivo de se poderem realizar lá provas de natação. Apesar do mergulho da presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, no dia 17 de Julho, para provar a qualidade da água, as dúvidas persistem.

Organizações ambientais, como a Fundação Surf Rider, têm feito monitorizações independentes da qualidade da água (medindo as concentrações de coliformes fecais (bactérias Escherichia coli) e bactérias do género Enterecocus) e os resultados são bons, mas não são extraordinários.

Sim, as análises dos últimos meses mostram uma redução assinalável destes contaminantes que podem causar sérios problemas de saúde. Mas em nenhum momento a água do Sena esteve suficientemente limpa para se considerar "boa" para nadar, para que os parisienses possam recuperar a antiga tradição de nadar no seu rio – actividade proibida desde 1923.

A água do Sena chegou a níveis aceitáveis; sobretudo para os critérios das federações de natação e triatlo, muito mais permissivos do que os da Agência Regional de Saúde francesa. Ou seja, para as autoridades de saúde, uma água boa tem menos de 100 unidades de formação de colónias (ufc) por 100 ml tanto de Escherichia coli como Enterococus, quando para as federações desportivas, basta 500 ufc/100 ml de E. coli e 200 ufc/100ml de Enterococus.

Mais complicado é o que se passa com as provas de surf, remetidas para Teahupoʻo, na costa Sudoeste da ilha do Taiti, Polinésia Francesa, famosa pelas ondas gigantes. A construção de uma enorme torre de aço para acolher os júris da prova, em vez de usar a de madeira que é usada há muitos anos, desencadeou uma enorme resistência da população local e uma campanha online que recolheu mais de 250 mil assinaturas.

A questão é que a torre de aço e as infra-estruturas adjacentes, para acolherem ar concionado, sanitários e transmissão de dados são destruidoras dos recifes da região. Cientistas e surfistas profissionais uniram a sua voz ao projecto, criticando-o nas redes sociais.

"Só porque querem ar condicionado e casas de banho, esta nova construção vai destruir uma grande parte do recife", disse o surfista Matahi Drollet num vídeo em que descrevia como "simples e terríveis" os riscos acarretados por este projecto. A organização dos Jogos Olímpicos acabou por aprovar uma versão "mais moderada" da torre, que foi erguida.

Os Jogos Olímpicos mais verdes de sempre? "Les jeux sont faits". Os dados estão lançados.