Arqueólogas portuguesas reproduzem os métodos culinários dos neandertais
As investigadoras seleccionaram os métodos culinários a reproduzir a partir de provas arqueológicas e dados etnográficos. O objectivo é compreender melhor dieta dos neandertais.
Três arqueólogas que trabalham em Portugal tentaram reproduzir os antigos métodos usados pelos neandertais para cozinhar aves e assim compreenderem melhor a dieta destes humanos. Os resultados da experiência foram publicados na revista Frontiers in Environmental Archaeology, de acesso aberto, pelas investigadoras Mariana Nabais, Marina Igreja e Anna Rufà.
Tanto Mariana Nabais como Marina Igreja fazem investigação no Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa. Já Anna Rufà trabalha no Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano da Universidade do Algarve.
As autoras testaram métodos de preparação de alimentos que os neandertais poderiam ter usado para verificarem que vestígios deixariam nos ossos das aves, e como se comparavam com danos causados por processos naturais ou por acção de outros animais.
Durante a sua experiência, a equipa confrontou-se com dificuldades imprevistas, como utilizar lascas de sílex para cortar carne. A borda das lascas era mais afiada do que as investigadoras pensavam, o que exigiu a sua manipulação com cuidado para fazer cortes precisos sem causar ferimentos nas mãos.
As arqueólogas utilizaram cinco aves selvagens que morreram de causas naturais no Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens, em Gouveia: dois corvos, duas rolas-turcas e um pombo-torcaz, espécies semelhantes às consumidas pelos neandertais.
A equipa seleccionou métodos culinários a partir de provas arqueológicas e dados etnográficos. Todas as aves foram depenadas à mão. O corvo e uma rola-turca foram esquartejados em cru com uma lasca de sílex e as restantes aves foram assadas sobre brasas e depois desmembradas.
Posteriormente, as arqueólogas limparam e secaram os ossos e examinaram-nos ao microscópio à procura de marcas de cortes, fracturas e queimaduras, tendo analisado a lasca de pedra utilizada para procurar sinais de desgaste.
Os cortes feitos para extrair a carne das aves cruas não deixaram marcas nos ossos, mas os dirigidos aos tendões criaram marcas semelhantes às dos ossos de aves encontrados em sítios arqueológicos.
Os ossos das aves assadas eram mais quebradiços e quase todos apresentavam queimaduras compatíveis com a exposição ao calor. As manchas negras no interior de alguns ossos sugerem que o conteúdo da cavidade interna também tinha sido queimado.
Segundo o estudo, estes indícios lançam luz sobre como a preparação dos alimentos dos neandertais pode ter funcionado e quão visível pode ser essa preparação no registo arqueológico.
Embora o acesso à carne seja facilitado quando é assada, a maior fragilidade dos ossos leva a que não sejam encontrados pelos arqueólogos durante as escavações.
As autoras do trabalho ressalvam que a investigação feita deve ser aprofundada com estudos que incluam mais espécies de presas pequenas, para se compreender melhor o regime alimentar dos Neandertais. Sobreviviam à custa da caça e da recolha de vegetais e frutos e dominavam o fogo.
Estes humanos surgiram há cerca de 400 mil anos e extinguiram-se há quase 30 mil anos, tendo vivido nos territórios eurasiáticos. A Península Ibérica foi o último local onde os neandertais viveram antes de desaparecerem, não sem antes deixarem como legado genético entre 2% a 3%, presente hoje no genoma dos europeus.