Alterações climáticas podem causar mais de 14 milhões de mortes até 2050

Inundações representam maior risco de mortalidade, com 8,5 milhões de mortes até 2050, seguidas pelas secas e ondas de calor. Estimativas são de relatório da Oliver Wyman e do Fórum Económico Mundial.

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Carros param diante de uma área inundada após a passagem de um ciclone em Madagáscar CHRISTOPHE VAN DER PERRE / REUTERS
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São alertas já repetidos, mas que nem por isso deixam de ser alarmantes. Até 2050, as alterações climáticas vão exercer uma pressão intensa sobre os sistemas de saúde de todo o mundo, o que poderá causar 14,5 milhões de mortes e mais de 11 biliões de euros em perdas económicas.

As inundações representam o maior risco de mortalidade, com uma estimativa de 8,5 milhões de mortes até 2050, seguidas pelas secas — 3,2 milhões — e as ondas de calor — 1,6 milhões. Os números são do relatório que avalia o impacto das alterações climáticas na saúde humana, elaborado pela consultora Oliver Wyman em colaboração com o Fórum Económico Mundial, esta quinta-feira divulgado.

Os autores do relatório referem que, “embora já tenha havido muita discussão sobre o impacto das alterações climáticas na natureza e na economia mundial”, algumas consequências mais prementes do aumento da temperatura da Terra recairão sobre a saúde humana e o sistema global de saúde. Para quantificar estas consequências foram analisadas seis grandes categorias de eventos causados pela subida da temperatura da Terra: as inundações, secas, ondas de calor, tempestades tropicais, incêndios florestais e subida do nível do mar.

Apesar de as inundações e as secas surgirem destacados como os fenómenos que poderão causar um maior número de mortes, são as ondas de calor, definidas por um período prolongado de temperatura e humidade extremas, que terão um maior impacto económico — 6,9 biliões de euros até 2050 — devido à perda de produtividade. Zonas como o Sudeste asiático, a Austrália, o Norte do continente africano e quase toda a totalidade da América do Norte e do Sul estão identificadas como sendo de alto risco para a existência de ondas de calor até 2050, refere o relatório. No que toca aos incêndios florestais, o Oeste dos EUA e da Austrália, a Europa mediterrânea, a Amazónia e a tundra do Árctico são zonas identificadas como de “elevado risco”.

Além disso, as alterações climáticas provocarão um aumento catastrófico da circulação de várias doenças que essas alterações podem fazer eclodir. Os autores sublinham que um acréscimo tanto do período de reprodução como da área geográfica das colónias de mosquitos vai levar à expansão de doenças como a malária, a dengue e o Zika para zonas climáticas moderadas e anteriormente menos afectadas, como a Europa e os Estados Unidos.

“É importante referir que as alterações climáticas irão exacerbar as desigualdades no domínio da saúde. As populações mais vulneráveis, incluindo as mulheres, jovens, idosos, grupos com baixos rendimentos e comunidades de difícil acesso serão as mais afectadas pelas consequências relacionadas com o clima. Regiões como a África e o Sul da Ásia enfrentam uma maior vulnerabilidade aos impactos das alterações climáticas, exacerbados pelas actuais limitações de recursos, infra-estruturas adequadas e equipamento médico essencial, o que complica ainda mais a capacidade para enfrentar os desafios ambientais”, lê-se no relatório.

O documento lembra ainda que, na segunda década deste século, a temperatura da Terra estava 1,1°C acima do valor registado entre os anos 1850 e 1900, de acordo as Nações Unidas. Ainda que este aumento da temperatura da Terra possa parecer insignificante, foi este valor de 1,1ºC que levou aos fenómenos que estão a causar uma destruição significativa da natureza e das infra-estruturas, perdas económicas, doenças e mortes.

Os seis grandes eventos extremos mencionados no início do relatório levam a outros grandes problemas, como a desflorestação, desertificação, degradação do solo, redução das reservas de água e erosão costeira. Por sua vez, haverá insegurança alimentar, falta de higiene, perda de subsistência e deslocações e migrações. Tudo isto levará ao aumento de doenças cardiovasculares, respiratórias, infecciosas, de patologias relacionadas com o calor e ao acréscimo geral de mortes e lesões.

Preparar os sistemas de saúde para a pressão

Segundo o estudo, prevê-se que até 2050 aproximadamente 70% das mortes se concentrem em regiões identificadas de alto risco, em particular no Sudeste asiático, onde as ondas de calor prolongadas causarão um aumento de doenças. Estima-se que a Ásia, devido à alta concentração de pessoas que vivem em áreas costeiras baixas, sofra perdas económicas de cerca de 3,2 biliões de euros. E esta região tem já sido especial testemunha de um grande número de desastres e de vítimas.

Embora o impacto a nível de saúde noutras regiões seja comparativamente menor, os seus efeitos fazem prever dados alarmantes para as suas economias. Depois da Ásia, a Europa é a região que se estima que enfrente maiores perdas económicas (2,3 biliões de euros), seguida da América do Sul (1,9 biliões de euros) e África em terceiro lugar (1,8 biliões de euros).

Calcula-se que o tratamento das doenças causadas pelas mudanças climáticas tenha, para os sistemas de saúde, custos que ultrapassem 990 milhões de euros (até 2050). Quase metade deste valor é atribuída à América do Norte e Central (custos de hospitalização e tratamento relativamente mais elevados) e à Ásia, devido ao grande número de pessoas afectadas por catástrofes climáticas.

Para que este futuro possa ser “evitado”, os autores do relatório apelam à acção dos governos e indústria, para que se reduzam activamente as emissões de gases com efeito de estufa. Paralelamente, os decisores políticos e o sector da saúde e das ciências da vida devem começar a “prever e a preparar-se para um futuro de catástrofes naturais graves e para os seus terríveis impactos nas comunidades e regiões”.

Os autores referem ainda que, ao contrário do que aconteceu com a emergência de saúde causada pela covid-19, que apanhou todos de surpresa, com a ameaça das alterações climáticas existe uma “janela única para adaptar e preparar as infra-estruturas de cuidados de saúde, as forças de trabalho e as cadeias de abastecimento para o impacto crescente da crise climática”.

“Para o sector da saúde, este deve ser um momento de reflexão. Qual deverá ser o seu papel neste futuro? A importância e a fragilidade dos profissionais de saúde não devem ser subestimadas. Trabalhando incansavelmente face a um número esmagador de doentes, esta força de trabalho terá de estar preparada física e mentalmente com as ferramentas, infra-estruturas e recursos adequados, tanto de imediato como a longo prazo. A emergência sanitária em torno das alterações climáticas revelar-se-á implacável, com o potencial adicional de destruição física, interrupção de energia e colapsos na cadeia de abastecimento”, lê-se ainda no relatório.