“As pessoas fugiram”. Paris tem os Jogos, mas não tem os fregueses

Quem mora no centro de Paris parece ter escapado da cidade – uns por medo da confusão, outros por preferirem fazer dinheiro ao alugarem as casas. Quem sofre é, até ver, o pequeno comerciante.

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As ruas de Paris estão quase desertas e com acessos limitados ANDRE PAIN / EPA
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Um restaurante no centro de Paris com poucas mesas ocupadas ANDRE PAIN / EPA
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As ruas de Paris estão quase desertas e com acessos limitados ANDRE PAIN / EPA
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Quarta-feira, 24 de Julho. À falta de grande desporto a acontecer até dia 27 – desde que saibamos ignorar os futebóis, por exemplo –, há espaço e tempo para ver os Jogos Olímpicos 2024 por fora: fora da relva, da água, da pista, do areal, da mesa ou do trampolim.

Vamos, portanto, passear por Paris, a poucas horas do maior evento desportivo do planeta. Há ruas cheias de fãs do desporto? Nem por isso. Gauleses a andarem a pé e de carro nas suas vidas matinais? São poucochinhos. Lojas e restaurantes “à pinha”? Talvez em Lisboa e Porto, mas não em Paris.

Há, perto da Torre Eiffel, na Avenue Bosquet, uma padaria chamada Du Pain et Vous, cujo slogan diz “votre artisan boulanger [o seu padeiro artesão]. Mas seu de quem? Dos parisienses? Quais parisienses? Os que fugiram? Esses não compram coisa nenhuma – a propósito: a baguete de atum está aprovada.

A capital francesa está algo despida, sobretudo nas zonas de acesso aos grandes pontos turísticos. O cenário chega a parecer desolador.

“Olhe para trás... basta olhar... não há ninguém nas ruas. As pessoas fugiram daqui, foi tudo embora”, aponta ao PÚBLICO um funcionário da Bagelstein, café na Rue du Champ de Mars.

Na loja Stradel’s, ali pertinho, a análise é mais dramática: “A maioria das pessoas tirou daqui os carros e as famílias. Todos os bairros aqui perto estão mais vazios. As pessoas saíram de Paris – algumas até de França.”

A tirada, apesar de soar apocalíptica, não é assim tão fora da realidade. Um passeio pelas ruas faz-nos bater com o nariz na porta edifício sim, edifício sim.

Um antiquário, uma loja de móveis e electrodomésticos, uma agência de viagens, um salão de beleza, uma loja de arte e um estúdio de decoração. Quase todos com horários na janela que, a serem cumpridos, teriam portas abertas. Mas não têm – nem o cabeleireiro, pelo que seguimos com os cabelos assim como estão.

Muitos comerciantes optaram por fechar portas nestes dias, sendo que a quebra nas vendas não é desta semana.

“Isto já dura há quatro ou cinco semanas”, aponta a dona da Jeux Lis Lá, livraria que vai fechar portas dentro de dias. “Não compensa estar aberta e assim aproveitamos para férias. Mas estou contente por ter aqui os Jogos!”, aponta.

Num minimercado e no restaurante Via del Campo, a resposta foi a mesma: há muito menos pessoas.

Quebra de 30%

Uma das explicações para o fenómeno é a habitual redução de pessoas em Paris no Verão. Mas quem aqui trabalha diz que é mais do que isso. Muitos moradores aproveitaram para financiar as próprias férias com recurso ao Airbnb.

As casas na zona central de Paris são um bem precioso para quem as tenha e, para muitos, compensou arrendaras casas e ir para fora enquanto estrangeiros pagam balúrdios para estarem no coração da cidade durante os Jogos.

Alain Fontaine, presidente da Associação Francesa de Restaurantes, chegou a dizer à rádio Franceinfo que “os turistas habituais não estão a ir para Paris e os que vão estão a chegar devagar” – análise que sugere uma melhoria nos próximos dias, com o arranque dos Jogos.

As restrições de trânsito e mesmo de circulação de peões deixam diversas ruas limitadas em acessos – e assim vão continuar pelo menos até à cerimónia de abertura.

“O trânsito foi reduzido em 60% ou mesmo 80% em algumas áreas”, apontou Fontaine, citado pelo Le Monde.

Seja por alívio das restrições ao trânsito pós-cerimónia ou pela chegada de mais adeptos durante a prova, o cenário deverá melhorar nos próximos dias. Mas não muito.

Algumas associações de lojas, restaurantes e bares já tinham alertado, na semana passada, que “muitos profissionais referem uma quebra de 30% nas vendas, comparadas com os anos anteriores”.

Uma curta conversa com um casal de idosos resultou numa perspectiva diferente: a de quem mora numa cidade que chega a ser caótica. “Eles [comerciantes] sofrem, mas ver a minha rua mais calma não é assim tão mau.”

Afinal, nem todos se queixam. A dois idosos o silêncio e a paz até caem bem.

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