Protestos contra quota para veteranos na função pública deixam rasto de violência no Bangladesh
Reposição do sistema de quotas para veteranos da guerra da independência motivou os protestos violentos que causaram 174 mortos, a maioria manifestantes, e levaram à prisão 2500 pessoas.
Desde o início deste mês de Julho que o Bangladesh tem estado a ferro e fogo. Em todo o país, mas especialmente na capital, Daca, as ruas encheram-se com protestos violentos, que causaram já 174 mortos, segundo os últimos números, devido a uma controversa decisão judicial, entretanto revista pelo Supremo Tribunal, que repunha as quotas de 30% dos empregos públicos para veteranos da guerra da independência do país contra o Paquistão, a qual durou de Março a Dezembro de 1971, assim como para os seus descendentes.
A reversão na justiça do fim das quotas acendeu o rastilho do descontentamento dos estudantes no país, motivado, segundo a Al Jazeera, por taxas elevadas de desemprego juvenil e pela inflação, levando a manifestações estudantis em massa, que começaram a 1 de Julho e que, além dos 174 mortos, levaram à detenção de mais de 2500 pessoas, segundo a agência de notícias AFP. Como medida de emergência, o Governo do Bangladesh cortou as telecomunicações, fechou os campi das universidades e impôs um recolher obrigatório, policiado pelo exército nas ruas.
O sistema de quotas, vigente até 2018 e agora brevemente reposto, estabelecia, além dos 30% direccionados aos veteranos e descendentes, quotas de 10% para mulheres, 10% para pessoas de distritos subdesenvolvidos, 5% para minorias étnicas e 1% para pessoas com deficiências. Só 44% das vagas na função pública seriam com base no mérito.
A abolição das quotas em 2018 ocorreu depois de grandes manifestações de estudantes, que se tornaram violentas, causando a morte de mais de 200 pessoas entre Abril e Julho desse ano. A origem dos protestos esteve na tentativa falhada levada a cabo por um movimento pela reforma do sistema de quotas, impopulares entre os estudantes, de pedir a ilegalização destas quotas na justiça, o que levou a primeira-ministra Sheikh Hasina a declarar o seu apoio à manutenção das quotas.
Para tentar acalmar os manifestantes que encheram então as ruas do país, Hasina acabou por abolir, por inteiro, todas as quotas na função pública, cedendo às exigências dos manifestantes, que pretendiam uma mera reforma do sistema.
No entanto, em Junho deste ano, um tribunal superior do Bangladesh decidiu anular a abolição das quotas de 2018, restabelecendo o sistema impopular, a causa da mais recente vaga de protestos.
A decisão do tribunal superior foi revertida pelo Supremo Tribunal do Bangladesh neste domingo. Na sequência da deliberação, 93% das vagas na função pública passam a ser decididas através de critérios baseados no mérito, sendo 5% dedicadas aos descendentes de veteranos e 2% a pessoas de minorias ou com deficiência.
Porém, segundo a Reuters, a instabilidade nas ruas permanece, com os estudantes a exigirem o fim das medidas de emergência nas próximas 48 horas, assim como um pedido de desculpas da primeira-ministra, que está no poder desde 2009. Segundo a Al-Jazeera, Hasina disse que o recolher obrigatório seria “gradualmente relaxado”.
Quotas têm raízes nos tempos coloniais
As quotas na função pública para veteranos, forma de emprego com elevado prestígio devido às condições económicas que oferece, tinham sido originalmente introduzidas em 1972 pelo primeiro Presidente do país, Sheikh Mujibur Rahman, pai da actual primeira-ministra do país, Sheikh Hasina. Originalmente, estas quotas direccionavam-se somente aos próprios veteranos que haviam combatido na guerra de independência contra o Paquistão, mas foi estendida em 1997 aos filhos e netos destes combatentes.
Apesar de o sistema para veteranos só ter sido introduzido depois da independência do Bangladesh, a existência de quotas para a função pública na região remonta à época do domínio britânico dos países do subcontinente indiano, conhecido como o Raj Britânico, um território que hoje faz parte da Índia, do Paquistão e do Bangladesh, assim como da Birmânia. Nessa altura, as quotas eram baseadas, maioritariamente, em divisões étnicas, fruto do domínio colonial, que estabelecia a divisão do Serviço Civil Imperial em 40% para funcionários europeus, 40% para funcionários indianos e 20% para funcionários promovidos das divisões provinciais.