Tubarões com concentrações elevadas de cocaína encontrados no Brasil

É a primeira vez que se detecta contaminação de tubarões com esta substância. Resta saber se este é um caso particular ou se se estende a mais locais.

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Em 2024, um relatório das Nações Unidas punha o Brasil entre os maiores consumidores globais de cocaína Nuno Ferreira Santos
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Uma equipa de investigadores do Instituto Oswaldo Cruz (ou Fiocruz) encontrou cocaína em 13 tubarões na costa do Rio de Janeiro, no Brasil. É a primeira vez que se detecta contaminação de tubarões com esta substância — um alerta para a “alta quantidade da droga que é consumida na cidade e descartada no mar via esgoto sanitário”, lê-se num comunicado do instituto, divulgado nesta terça-feira. O estudo foi publicado na semana passada na revista científica Science of the Total Environment.

Já foram encontrados vestígios de cocaína noutros seres vivos, mas não em concentrações tão elevadas como nestes tubarões selvagens da espécie Rhizoprionodon lalandii (também conhecidos como cações-rola-rola ou tubarão-bico-fino-brasileiro). Sara Novais, investigadora do Instituto Politécnico de Leiria, especializada em ecotoxicologia, garante que é expectável que a substância seja encontrada em concentrações mais altas nos tubarões por serem predadores de topo, que se alimentam de outros organismos que podem também conter vestígios da droga.

Foram analisadas amostras de fígado e tecido muscular de 13 animais — três machos e dez fêmeas — e todas as amostras tiveram resultados positivos para a presença de cocaína. Em 12 das 13 amostras, os investigadores encontraram também benzoilecgonina, metabolito da cocaína. Esse composto forma-se no fígado e é excretado na urina, após consumo da droga. Quando se fazem despistagens de consumo de droga, é a quantidade de benzoilecgonina que é analisada.

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Análise de um tubarão da espécie Rhizoprionodon lalandii DR/FIOCRUZ

“A concentração média de cocaína nos animais foi três vezes maior que a concentração do metabolito”, constata, em comunicado, o Instituto Oswaldo Cruz, o que pode significar que há uma “superexposição” dos animais à substância. Houve ainda outro dado que intrigou a equipa de investigação: encontraram concentrações mais elevadas de cocaína nos músculos do que no fígado dos tubarões.

“Assim como no ser humano, o fígado do tubarão é um órgão de metabolização. Tudo que é ingerido é transformado pelo fígado para depois ser excretado. Para nossa surpresa, a cocaína foi encontrada em maior concentração no músculo, que é um tecido de acúmulo, o que pode sinalizar a abundância da presença da substância no ambiente marinho. Os tubarões estariam-se contaminando de diversas formas, seja pelo facto de habitarem a região ou se alimentarem de outros animais contaminadas”, explica o farmacêutico Enrico Mendes Saggioro, um dos responsáveis pelo estudo.

O objectivo, daqui para a frente, é analisar amostras de água e outros animais da zona Oeste (onde foi levado a cabo este estudo) e de outras regiões do Rio de Janeiro, de forma a perceber se este é um caso particular ou se se estende a mais locais. "Tirar conclusões e extrapolações [a partir deste estudo] é um passo demasiado grande", diz Sara Novais, ainda "faltam muitos estudos".

Ainda assim, considera os resultados do estudo "relevantes": estas drogas não só estão "a ser encontradas no ambiente, como também estão a ser bioacumuladas pela fauna marinha, o que no caso específico destes tubarões poderá servir de alerta para eventuais riscos tanto para o ecossistema marinho em causa como para a saúde humana, visto que esta espécie é usada para consumo humano".

Impacto na vida animal e humana?

Os animais foram recolhidos da costa da zona Oeste do Rio de Janeiro, a mais populosa da cidade, com quase três milhões de habitantes. Terá sido também por ali que ocorreu a contaminação, explicam os investigadores, porque a espécie que analisaram não é migratória e vive próxima à costa. Em 2024, um relatório da United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) punha o Brasil entre os maiores consumidores globais de cocaína.

São necessários mais estudos para apurar com exactidão as consequências que estas alterações na água podem ter nos animais, mas a equipa de investigação diz que é possível que impactem “o crescimento, a maturação e, potencialmente, a fertilidade dos tubarões, uma vez que o fígado actua no desenvolvimento de embriões”.

Num artigo que escreveu para o PÚBLICO na sequência de uma notícia que dava conta de elevado consumo de substâncias psicoactivas em Lisboa, Almada e no Porto, Cláudia Ribeiro, professora e investigadora no Instituto Universitário de Ciências da Saúde — CESPU, acrescenta: "[As substâncias psicoactivas] modificam o comportamento dos organismos aquáticos, tornando-os letárgicos (sem resposta a estímulos externos ou predadores) ou, pelo contrário, agressivos, inclusive com os da sua própria espécie. Essas situações contribuem para a redução da população, afectando consequentemente os ecossistemas aquáticos."

O perigo para os humanos deve ser “mínimo” porque o contacto com a água é esporádico e não a bebem nem usam na alimentação. Porém, lembram, há que ter cuidado com o que é comercializado ilegalmente, porque “muitas vezes [os tubarões] são comercializados irregularmente com o nome popular de cação” e já se encontraram várias vezes vestígios de metais tóxicos em cações. “A poluição e a contaminação do meio ambiente afectam directamente os animais e a natureza, mas também impactam, de uma forma ou de outra, a vida humana. A saúde de um está ligada à saúde do outro”, afirma a bióloga Rachel Ann Hauser-Davis, membro da equipa de investigação.