Há umas semanas, em trabalho no Algarve, observei não um, não dois, mas três adolescentes, que não se conheciam, em circunstâncias distintas, em alturas do dia diferentes, todos precisamente na mesma posição: sentados ligeiramente afastados da mesa, debruçados, com um braço em cima da mesa e a cabeça apoiada, e o outro braço debaixo da mesa, segurando o telemóvel, mantendo-o à sombra para melhor ver o ecrã. Uma posição altamente desconfortável — experimentem —​​, em que ficaram demasiado tempo, horas. 

Um estava à beira da piscina, outro já tinha terminado o pequeno-almoço e o terceiro durante o almoço. Todos debruçados, apoiados e com um braço debaixo da mesa, quando podiam estar a dar mergulhos ou a conversar com a família porque, afinal, estão de férias e há mais tempo disponível para pais e filhos conviverem. A pedopsiquiatra Rita Rapazote propõe aos pais mais contacto físico, mais conversa, mais brincadeira, mais passeios ao ar livre para que os cérebros dos miúdos se desenvolvam naturalmente. Também Ana e Isabel Stilwell vão no mesmo sentido quando reflectem sobre os medos dos adultos em deixar os mais novos brincarem sem supervisão e sem telemóveis — como os próprios pais e avós fizeram quando eram pequenos.

Não é de hoje, nem de ontem, mas há vários anos que ouvimos muitos académicos dizerem-nos que as gentes de Silicon Valley, responsáveis por tantas empresas e start-ups ligadas às inovações tecnológicas, não deixam que os seus filhos brinquem com aquilo que eles inventam. Não há ecrãs, não há redes sociais, não há nada porque os pais sabem como é viciante, como leva à dependência, como é prejudicial à saúde mental. Ouvimos dizer, encolhemos os ombros e damos um ecrã mal achamos que os miúdos têm idade. Há anos que, nas férias, me apetece evangelizar pais que deixam bebés à frente de ecrãs, mas quem sou eu? "Olhe, desculpe, eu leio imensos livros, falo com os seus autores e todos me dizem que o que está a fazer é criminoso...", não é uma boa maneira de fazer novos amigos.

Mas, ao leitor que me está a ler, posso dizê-lo de modo mais construtivo. Para não ir mais longe, vou ficar-me pelo mês passado, quando falei com o francês Michel Desmurget, que já tinha entrevistado antes, e que agora alertou para as desigualdades académicas. Sim, que os miúdos podem ter o melhor ecrã na mão, mas se não lerem, não saberão pensar, não saberão interpretar, não saberão responder convenientemente a um teste, uma prova de aferição ou a um exame nacional; não terão pensamento crítico e, no futuro, poderão fazer parte daquele rebanho que põe um penso branco na orelha, em solidariedade para com Trump.

Depois, em meados deste mês, ao entrevistar Tati Bernardi, a cronista brasileira declara que não quer que a filha de seis anos tenha um smartphone, que já combinou com o pai que esse surgirá na sua vida quando for adolescente. E, continua, paga canais de streaming para que se sentem e vejam um filme, da Disney Pixar. Apesar disso, a menina pede para ver YouTube, que é o que as amigas vêem. Há uma certa irritação na voz da escritora quando fala sobre o tema, há um pouco daquele desespero dos pais que lutam contra as modas, contra o argumento "mas o meu amigo faz, mas o meu amigo tem, mas os pais do meu amigo deixam..."

Na segunda-feira — depois de um fim-de-semana a ler quase 600 páginas que me deixaram em pânico sobre a Geração Z e as razões da sua ansiedade , entrevisto o autor Jonathan Haidt, um psicólogo e investigador norte-americano que defende a penalização das empresas que têm vindo a prejudicar não só essa geração mas também as seguintes, que me pergunta se os meus filhos não são dependentes dos ecrãs, se não passaram por tantos dos problemas que enumera no seu livro. "Querem ter filhos?", pergunta-me, fazendo referência a uma geração que, em última instância, se pode extinguir, acredita. Respondo que em crianças não tiveram gameboys, nem computadores e televisões nos quartos, que sempre brincaram ao ar livre, que tiveram telemóveis porque andavam de transportes sozinhos e que só tiveram smartphones já tinham ultrapassado a fase mais difícil da adolescência (no fundo, quando estes surgiram no mercado...).

Insisto que sempre ouvi os meus entrevistados e que dou graças a Deus e ao PÚBLICO por ter escrito durante tantos anos sobre educação, que os meus filhos só ganharam com isso. Claro, que têm as ansiedades próprias de quem entra na idade adulta, mas nada do que Haidt descreve. "Sim, querem ter filhos", respondo. Contudo, caro leitor, se este parece um cenário perfeito, não é. A dependência do smartphone existe e espalhou-se por toda a família. Ao domingo, comentamos, num grupo de WhatsApp, os nossos tempos de ecrã (aqueles que, simpaticamente, o telefone nos dá, num acto generoso de "conhece-te a ti mesmo e em que cenas te perdes durante a semana"), percebemos que o tempo despendido não é em chamadas telefónicas (não é para isso que o telefone devia servir?), nem sequer nas mensagens que mandamos à família, amigos, colegas de trabalho e outros profissionais, mas sim nas redes sociais. Argumentamos sempre que é por razões de trabalho (em alguns casos, é), justificamos que é para nos mantermos actualizados, negamos que seja muito tempo. Enfim, fazemos como todas as pessoas que sofrem com uma dependência: negamos, desvalorizamos, justificamos e temos muita dificuldade em admitir que, sim, somos dependentes.

Se para Desmurget a resposta está na leitura, para Haidt está no ir para a rua e brincar. Eu diria que se complementam e que só precisamos de ter coragem para dizer "não" aos miúdos — não há YouTube, há sentarmo-nos para vermos um filme juntos, como sugere Tati Bernardi (treinando assim a sua atenção, o foco, a paciência, tudo coisas que se perdem com vídeos que duram segundos); há teatros e concertos para ver, há idas a restaurantes (para que aprendam a comer, o gosto também se educa), há conversas para se ter (por exemplo, sobre teorias de conspiração e fake news), há livros para sugerir, há que assumirmos que a educação dos nossos filhos é uma responsabilidade nossa e não a deixarmos nas mãos dos senhores de Silicon Valley que, nem de propósito, apostam na campanha Donald Trump, um mentiroso e narcisista compulsivo. Porque será?

Há que ter uma palavra a dizer nas escolas dos nossos filhos: não há telefones durante os recreios; não há ecrãs na sala de aula senão os estritamente necessários, porquê aprender com manuais digitais quando está provado que não há nada melhor do que um livro em papel? A esperança de Haidt não reside apenas nos estados, que estes regulem e controlem o que fazem os senhores de Silicon Valley e os chamem à pedra, mas também nos pais, para que sejam mais incisivos e defendam os seus filhos, o que é melhor para eles, para que cresçam felizes e saudáveis, em última instância, para que tenham netos.

Boa semana!