O grande cliché de uma certa América tem cara nova: chama-se J.D. Vance
O primeiro millennial chegou ao pódio da política dos EUA e foi ungido na convenção republicana. Num país que gosta de heróis, o que traz de novo Vance? Até agora, a narrativa de uma mitologia velha.
Demon Copperhead é a alcunha de Damon Fields, protagonista do mais recente romance da norte-americana Barbara Kingsolver. Demon, ou Damon, é filho de uma mãe adolescente, dependente de álcool e de opiáceos. Vive numa caravana na base da pirâmide de um dos locais mais pobres de uma comunidade pobre junto às montanhas Apalaches, uma cordilheira com mais de 3200 quilómetros que se estende da Terra Nova, no Canadá, ao estado do Alabama, no Sul dos Estados Unidos. Pelo caminho, atravessa estados como os de Nova Iorque, Ohio, Kentucky, Virgínia, Carolina do Norte ou Georgia. Damon nasceu aí, num acampamento de caravanas no condado de Lee, espécie de triângulo com fronteiras na Virgínia, Kentucky e Tennessee. Em Lee vivem algumas das comunidades mais pobres dos EUA. Desemprego, precariedade laboral, alcoolismo, o flagelo da droga, números recorde de mortes por overdose marcam a vida das pessoas na vasta região onde se situa aquele condado com o ponto dramático na cidade mais pobre do país, Beattyville. Foi nela que Kingsolver se inspirou para criar a morada de Demon, no Sudoeste da Virgínia. “Em pleno condado de Lee, entre o acampamento junto às minas de carvão de Ruelynn e uma povoação a que chamam Right Poor, foi no cimo de uma estrada entre duas montanhas íngremes que instalamos a nossa casa”, lê-se, relato na primeira pessoa, como em David Copperfield, de Charles Dickens, modelo para o romance de Kingsolver falar da pobreza sistémica dos Estados Unidos um século e meio depois do clássico inglês ter feito pontaria ao mesmo tema do lado oposto do Atlântico.
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