Não há um armazém livre em Lisboa onde os Artistas Unidos possam criar um teatro?

Não é preciso bradar contra a gentrificação para se pensar que uma cidade que se queira cidade precisa de ter no centro teatro e música (e não só do Estado).

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Os Artistas Unidos fizeram um convite aberto para desmontar o Teatro da Politécnica e a comunidade apareceu TIAGO PETINGA/lusa
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E foi então que, derrotados, fomos parar ao pequenino Teatro da Politécnica, num acordo com a Universidade de Lisboa. Tudo teria sido tão diferente... Tudo teria sido tão melhor”, escreveu Jorge Silva Melo no último livro, A Mesa Está Posta (2019).

Quando escreveu este comentário, o encenador Jorge Silva Melo não imaginava que cinco anos depois os Artistas Unidos, companhia que dirigia, estariam novamente sem casa. Não imaginava que o pequenino Teatro da Politécnica, apesar de todas as limitações, era, pelo simples facto de existir, o melhor a que a sua companhia de teatro poderia aspirar. Uma companhia que é parte importante do tecido cultural de Lisboa (mas também do país) e que desde que lhe foi cedido o primeiro espaço, A Capital, no Bairro Alto, em 1999, tem, contra tudo e todos, apresentado uma programação sólida, regular e de uma qualidade sem cedências.

No entanto, a história dos Artistas Unidos tem sido, para nossa vergonha, uma dramática história de despejos, iniciada com o despejo d’A Capital, em 2001. Seguiram-se dez anos de soluções temporárias até que finalmente, em 2011, celebraram contrato com a Universidade de Lisboa para ocupar o edifício da antiga cantina da Faculdade de Ciências. Em 2021, perderam a sala de ensaios e escritório que tinham na Estrela, arrendado à Caixa Geral de Depósitos. A Câmara Municipal de Lisboa prometeu, já na altura, encontrar uma solução (até mesmo um teatro!), mas nada aconteceu. Depois de sucessivas tentativas de evitar o fim do contrato com a Universidade de Lisboa, o desfecho deu-se agora, depois de, no dia 16 de Julho, público e amigos se terem juntado a eles para, num gesto simbólico, levar o resto de material, retirar faixas, substituir os cartazes das peças por um enlutado “Adeus, Politécnica”.

Que irá acontecer àquele espaço onde, nos anos 40, atuou o Grupo Dramático Lisbonense dirigido pela grande (e já esquecida) atriz e declamadora Manuela Porto? Tornar-se-á um espaço para instalar a colecção de espécimes conservados em formol da Universidade de Lisboa (sim, é essa a intenção anunciada...)? Passará a ser utilizado por uma estrutura de teatro universitário (o que seria uma afronta à companhia que ali criou um teatro e um público)? Ou, pior ainda, será vendido para criar um restaurante da moda?

Escrevo este texto nas vésperas do fim. Acabo de sair do teatro onde tantas vezes fui ao longo destes anos, assistir a peças, encontrar-me com o Jorge (de quem fui muito amiga), receber trabalhos de tradução para a coleção “Livrinhos de Teatro”, assistir a ensaios. E pergunto-me se sou só eu, ou irão também os lisboetas sentir a falta dos Artistas Unidos no Príncipe Real? De passar na Rua da Escola Politécnica e ver os cartazes com as fotografias do Jorge Gonçalves a anunciar a programação? De pensar que bastava querer e era possível entrar naquele pequeno teatro, comprar um bilhete (barato), deitar o olho aos livros que tinham para venda na bilheteira, comer qualquer coisa rápida na Cister, ver um bom espetáculo e voltar para casa ainda cedo?

Daqui a um ano, ocorre-me também, enquanto desço para a Praça da Alegria, não poderemos deixar os nossos filhos na Academia de Amadores de Música, no Chiado, também ela perdendo o contrato de arrendamento que tinha. Ficaremos sem a sala onde Vianna da Mota tocou pela última vez, onde Lopes-Graça e os seus colaboradores tantas vezes tocaram e conspiraram contra o Estado Novo. Não é preciso bradar contra a gentrificação para se pensar que uma cidade que se queira cidade precisa de ter no centro teatro e música (e não só do Estado).

O Jorge Silva Melo já não é vivo, faz muita falta, não teremos outro. Mas a escola que criou, os atores que formou, estão ali bem vivos e com vontade de trabalhar, com a mesma seriedade, empenho e talento com que sempre o fizeram. E por isso pergunto: não há um armazém livre para os Artistas Unidos? Onde eles possam criar um teatro? Eles estão dispostos a isso. É dar-lhes as condições e poderemos continuar a ver Harold Pinter, Enda Walsh, Arthur Miller, Marguerite Duras, Pau Miró, tantos outros. Sem eles tudo isso se perde. Será pedir demais, um armazém para instalar um teatro? Dentro da cidade, já agora.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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