Morreu Toumani Diabaté, “rei da kora”

Músico maliano tinha 58 anos. O público português teve o privilégio de ver este mago da “harpa” africana tocar ao vivo várias vezes.

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Toumani Diabaté (1965-2024) DR
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Toumani Diabaté, músico que é considerado um dos mestres da kora, instrumento de cordas de origem africana, morreu na sexta-feira aos 58 anos, após doença súbita. Estava internado numa clínica privada em Bamako, capital do Mali.

A notícia foi avançada pela Agência France Presse (AFP), que citou fontes familiares. “O meu querido pai foi-se embora para sempre”, escreveu o filho Sidiki Diabaté, também ele músico, na sua página na rede social Facebook.

Trabalhando a solo — o seu primeiro álbum, Kaira, data de 1988 e foi gravado em Londres — ou colaborando com nomes tão diferentes como a islandesa Björk, o norte-americano Roswell Rudd ou o brasileiro Arnaldo Antunes, Toumani Diabaté soube criar uma ponte entre as tradições do seu país e outras sonoridades mais ou menos contemporâneas, sendo do ano passado o seu último álbum, The Sky Is The Same Colour Everywhere, com o compositor curdo Kayhan Kalhor.

A sua colaboração mais frutuosa ou, pelo menos, mais difundida, terá sido com outro dos gigantes da música do Mali, o cantor e guitarrista Ali Farka Touré, de que resultaram vários discos, incluindo o muito celebrado In the Heart of the Moon, em que também toca o guitarrista norte-americano Ry Cooder.

In the Heart of the Moon, gravado em dueto com Ali Farka, e Boulevard de l’​Indépendance, feito com a sua Symmetric Orchestra, com quem registou o primeiro álbum em 1992, Shake the Whole World, serão dos discos mais importantes da sua carreira.

Nascido em 1965 numa família de contadores de histórias, guardiães da tradição oral maliana, e de músicos, Toumani Diabaté teve por pai Sidiki Diabaté (o filho de Toumani tem o nome do avô), um dos intérpretes no primeiro álbum de kora alguma vez gravado, o histórico Cordes Anciennes, de 1970.

Fascinado por este instrumento de 21 cordas cuja caixa-de-ressonância é meia cabaça revestida de couro, com um braço muito comprido, e pela música do Mali, Toumani Diabaté, interessou-se por sonoridades diversas, incluindo o flamenco, o jazz e o blues.

Em Fevereiro de 2015, antecipando a apresentação em Lisboa, no palco da Culturgest, do álbum que gravou com o filho e que ambos levariam também ao Festival Músicas do Mundo, em Sines, nesse mesmo ano, o crítico do PÚBLICO Gonçalo Frota explicava, assim, por que razão era Toumani Diabaté “o mais notável e reconhecido” intérprete contemporâneo da kora: “Essa notoriedade provém não apenas do virtuoso lirismo que extrai das cordas da kora, mas também da sua total abertura a emprestar essa sonoridade a colaborações com gente como o músico de jazz Roswell Rudd, o guitarrista de blues Taj Mahal e, de forma mais destacada, os cantores pop Damon Albarn (no projecto Mali Music) e Björk (gravou para o seu álbum Volta).”

Rejeitando que nele tenha tido um impacto fundamental a música ocidental que ouviu nos seus anos de formação, em que se inclui a de Jimi Hendrix e a de Miles Davis, o maliano dizia nessa vinda a Portugal: “A minha música, a do meu pai e a do meu filho têm sempre a mesma base, as mesmas raízes. É como uma árvore que cresce e se vai ramificando. E mesmo quando toco com a Björk ou qualquer outro músico, eles fazem a sua música e eu faço a minha. É daí que nasce algo novo.”

Reagindo à morte do artista, foram muitos os músicos que sublinharam o seu talento e o seu respeito pela tradição. Oumou Sangaré, cantora maliana galardoada com um Grammy, reconheceu em Diabaté a capacidade de aliar as “tradições ancestrais e a modernidade” e o senegalês Youssou N’Dour elogiou “um virtuoso da kora, um arranjador musical inigualável”, escreve a AFP. Salif Keïta definiu-o, simplesmente, como um “tesouro nacional” do Mali.

Embaixador da música africana, Toumani Diabaté deixa, agora, o lugar vago para que a próxima geração que ajudou a nascer, e com quem tocou, possa continuar a dar à kora o lugar que ela merece nos palcos e nos estúdios em todo o mundo.

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