Condições “bárbaras”, “exploração e sofrimento”: corridas de galgos investigadas na Austrália

No estado de Nova Gales do Sul, foi aberto um inquérito depois de se tornar público um relatório que dá conta de maus-tratos a galgos criados para corridas.

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As corridas de galgos na Austrália são um negócio que move vários milhares de milhões de dólares JOSE COELHO / EPA
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Uma fonte de “exploração e sofrimento”, com cães criados em condições “bárbaras” e deixados “a apodrecer” em gaiolas de metal quando deixam de poder competir: é assim que é descrita a indústria das corridas de galgos na Austrália, de acordo com um relatório feito por um ex-trabalhador da Greyhound Racing New South Wales, empresa que é a responsável comercial pelas corridas no estado da Nova Gales do Sul, revelado pela BBC.

De acordo com a emissora britânica, o relatório foi entregue pelo veterinário responsável cessante da organização, Alex Brittan, ao seu substituto. Ao longo de 54 páginas, são descritas várias situações que podem constituir abuso. De acordo com os relatos, a organização teria trabalhado com veterinários "que não aceitavam a medicina moderna" e propensos a sacrificarem cães sem justificação.

Brittan diz ter testemunhado "casos de extrema angústia", com cães que ficavam com "poças de sangue" ao seu redor depois de arrancarem as unhas das patas enquanto "arranhavam" as portas das gaiolas.

No mesmo documento, lê-se que a direcção orientava a equipa a tratar grupos de bem-estar animal "como o inimigo".

Segundo o veterinário, dos 4200 cães que entram na indústria a cada ano, apenas 1600 conseguem sair e encontrar donos. Os restantes vivem em "canis industriais".

Poucas horas depois de a carta se ter tornado pública, o director executivo da Greyhound Racing New South Wales, Rob Macaulay, abandonou o cargo. À BBC, um porta-voz disse que a organização leva as preocupações relacionadas ao bem-estar animal "muito a sério".

Estas acusações surgem quase dez anos depois de uma peça jornalística de investigação da ABC ter revelado que se registavam quase 17 mil mortes evitáveis de galgos na Austrália devido às corridas.

O novo relatório iniciou uma nova investigação às condições das corridas de galgos no estado. Contudo, e apesar das evidências, o primeiro-ministro de Nova Gales do Sul Chris Minns descartou a possibilidade de se virem a proibir as corridas de galgos: “Não vamos fechar a indústria, mas levamos este relatório a sério”, disse aos jornalistas.

Já Emma Hurst, deputada pelo Animal Justice Party de Nova Gales do Sul, tem outra opinião: “Vão fechar, é apenas uma questão de quando.”

“A indústria de corridas de galgos não existe sem crueldade animal sistémica”, afirmou. “A indústria já teve a oportunidade de limpar a sua imagem há oito anos e falhou monumentalmente.”

A Austrália, que tem cerca de 60 pistas de corrida de galgos em utilização, é um dos maiores mercados para as corridas de galgos do mundo. Com a ajuda das apostas online, esta indústria arrecadou 8,3 mil milhões de dólares australianos (cerca de 5 mil milhões de euros) só em 2023. A maior parte desse dinheiro (75%) foi proveniente dos estados de Victoria e Nova Gales do Sul, de acordo com a organização de protecção de galgos GREY2K.

Corridas não são proibidas em Portugal

Em 2019, o Parlamento português rejeitou os dois projectos, do Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e do Bloco de Esquerda (BE), que previam a proibição das corridas de galgos, com os votos contra do PS, PSD e CDS-PP.

Para o PAN e o BE, as corridas de galgos são uma actividade com treinos violento e os animais sem características para competir ficam sujeitos ao abandono.

Em Fevereiro de 2020, o cavaleiro tauromáquico João Moura foi acusado de maus tratos a animais depois de 18 dos seus galgos, que fugiram da Herdade de Monforte, em Portalegre, apresentarem sinais visíveis de subnutrição.

De acordo com a acusação do Ministério Público, durante pelo menos dois meses João Moura privou os animais de acesso a água e a comida em quantidade suficiente, alojamento limpo, cuidados de saúde e higiene, vacinação e desparasitação, mantendo-os “em situação de desconforto permanente, sede, fome e sofrimento”.

O relatório veterinário feito na altura dava conta de outros maus-tratos: feridas infligidas, não se sabe se por outros animais se por pessoas, dermatites e escoriações. A cauda de uma fêmea de dois anos tinha uma parte já putrefacta. Uma fêmea de oito anos morreu de uma insuficiência renal e hepática aguda. Apresentava cortes profundos numa pata, sem sinais de cicatrização.

Só em Janeiro deste ano foi condenado, com pena suspensa de quatro anos e oito meses.

Texto editado por Inês Chaíça

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