Nicarágua: quase 90% da população não consegue comprar o cabaz mínimo de alimentos

Inquérito de ONG Façamos Democracia revela fome, falta de esperança e vontade de emigrar. “Não há esperança, as pessoas não vislumbram o fim da crise”, diz o presidente da organização.

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Daniel Ortega está no poder desde 2006, depois de já ter governado a Nicarágua nos anos 80 e 90 STRINGER / REUTERS
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Fome, corrupção, falta de esperança e de segurança, aumento do desemprego e da precariedade no trabalho. Este é o retrato da Nicarágua traçado pela organização não-governamental Façamos Democracia, com base nos resultados de um inquérito de opinião realizado em 20 municípios de diferentes regiões do país revelado esta semana por dois jornais espanhóis, El País e El Confidencial, na ausência de uma imprensa livre no país dirigido com mão de ferro por Daniel Ortega.

O inquérito faz parte do relatório sobre Percepção da Realidade Política, Social e Económica da Nicarágua e, se é certo que só 200 pessoas aceitaram responder a esta “consulta cidadã”, este é um dos raros estudos sobre a situação vivida no país.

Numa entrevista ao El Confidencial, o presidente da ONG, Jesús Téfel, afirmou que quase 90 por cento (86,8%) dos inquiridos responderam que não conseguem comprar os produtos do cabaz essencial, a chamada “cesta básica”, mesmo em famílias com salários médios (e na apenas o mínimo). Apenas 12,7% dos consultados responderam que o que ganham é suficiente para suportar as despesas essenciais da família.

Segundo o Instituto Nacional de Informação (Inide), citado pelo El País, o custo do cabaz essencial na Nicarágua em Maio deste ano era de 20.560 córdobas, cerca de 555 dólares americanos. Enquanto o salário mínimo mensal, recentemente aumentado, é 8.746,46 córdobas - 239 dólares, menos de metade do custo da cesta básica.

Nos últimos seis anos, os preços dos alimentos aumentaram entre 26% e 146%, enquanto os salários reais – que medem o poder de compra, de acordo com o Banco Central da Nicarágua (BCN) – diminuíram mais de 20%.

O inquérito revelou também ter havido uma redução do número de pessoas que tem um contrato de trabalho formal, com os respectivos direitos de segurança social e reforma, enquanto aumentou o número de trabalhadores por conta própria e precários.

Mais de metade da população consultada recebe remessas de familiares que emigraram, sendo que essa fasquia quase duplicou nos últimos seis meses, segundo Jesús Téfel, concluindo que a maioria das pessoas está a tornar-se dependente desses envios de dinheiro para comer.

Questionados sobre a sua perspectiva de futuro, 99% dos inquiridos disse que era má e apenas 1% considerou que era boa. “Não há esperança, as pessoas não vislumbram o fim da crise e aumentou o número de pessoas dispostas a emigrar”, afirmou o responsável pela ONG ao El Confidencial, revelando que mais de 61% das pessoas ouvidas disseram que, se pudessem, sairiam do país.

Os principais motivos apresentados foram a “grave situação económica” (47,7%), a “falta de esperança em haver uma solução para a crise política e direitos humanos” (44,6%) e por “perseguição política” (7,7%).

A percepção da corrupção também é muito elevada, com mais de 85% dos inquiridos a relatar ter tido conhecimento de casos na sua região. E 72% consideram que houve uma redução dos níveis de segurança dos cidadãos.

Quanto às perguntas mais políticas sobre qual o papel que deve assumir a oposição ao regime sandinista neste momento, mais de 54% escolheu a opção de que se deve converter numa “alternativa política plural contra a ditadura”, 43% gostaria que a oposição “trabalhar pela unidade na acção” e cerca de cinco por cento considerou que a oposição só existe por questões ideológicas.

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