O lixo, o estrume e o caroço de azeitona podem ser trunfos na redução das emissões

A Floene, concessionária das redes de gás natural, defende que os produtores de biogás devem ser subsidiados para passarem a produzir o biometano necessário para cumprir metas de renováveis em 2030.

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A valorização dos resíduos pode resultar em gases renováveis injectáveis na actual rede de gás Adriano Miranda
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Pode a utilização do biometano ser uma das respostas que o país precisa para descarbonizar o sistema energético com menos custos para a indústria e para os consumidores residenciais? A Floene, empresa controlada pelo grupo Allianz, que é a concessionária de nove das 11 redes regionais de distribuição de gás natural no país, garante que sim.

Este gás renovável, que pode ser produzido a partir dos resíduos sólidos urbanos, do estrume ou do caroço de azeitona, por exemplo, é a resposta para tornar mais limpo o gás que chega às casas dos portugueses e aos fornos de indústrias como a cerâmica, onde a electricidade não dá resposta satisfatória, com a vantagem de dispensar mudanças em equipamentos como fogões, esquentadores, fornos e caldeiras, porque “a molécula é em tudo igual à do gás natural”, defendeu o presidente da Floene, Gabriel Sousa, em conferência de imprensa nesta quarta-feira.

“Embora o soundbite” mais comum na Europa seja o de que o cumprimento das metas ambientais e a descarbonização dos consumos energéticos são sinónimo de electrificação, o presidente executivo da Floene sustenta que “a utilização balanceada” do biometano, do hidrogénio e da electricidade renovável garante mais poupanças para os consumidores e implica menores investimentos na adaptação das redes, provando que o “sistema nacional de gás tem um papel muito útil para a descarbonização”.

A empresa de distribuição encomendou à consultora Roland Berger um estudo em que analisa todos estes cenários de evolução energética – “descarbonização equilibrada”, “electrificação extensiva” e “hidrogénio extensivo” – e os resultados apontam para que o investimento total necessário para conseguir a neutralidade carbónica almejada para 2050 seja mais elevado no cenário da electrificação total da economia: seriam entre 1,9 e 3,2 mil milhões de euros, que incluem investimentos na adaptação das redes e também eventuais adaptações de equipamentos dos consumidores que trocam o gás pela electricidade.

No caso do hidrogénio, o investimento total varia entre 1,430 mil milhões e dois mil milhões de euros e, no caso de uma descarbonização que combine biometano, hidrogénio e electrificação, o investimento é menor e oscila entre 1,1 e 1,7 mil milhões (em boa parte porque não contempla a necessidade de adaptação dos equipamentos dos consumidores).

Embora os projectos de hidrogénio sejam igualmente importantes para reduzir as emissões na indústria, trata-se de projectos que “levam algum tempo, enquanto o biometano é para já”, defendeu Gabriel Sousa. No entanto, o Governo tem de “adoptar os mecanismos para que isso se possa concretizar”, o que inclui, por exemplo, subsidiar produtores com as chamadas tarifas feed-in ou apoios ao investimento, e dar aval aos projectos de adaptação das redes de distribuição e ligação a produtores, o tipo de investimentos que geralmente é financiado através das tarifas energéticas.

O Plano de Acção para o Biometano, que foi aprovado em Conselho de Ministros em Março, definiu cinco sectores estratégicos para aproveitamento de resíduos de alto potencial na criação de um mercado deste gás renovável – os resíduos urbanos, as águas residuais, a agricultura, a pecuária e agro-indústria. Segundo o diploma, com a reconversão para biometano da produção de biogás que já hoje existe, e com investimento em novas unidades, há um potencial energético de “cerca de 2,7 TWh [terawatts/hora] em 2030, permitindo a substituição de até 9,1% do consumo de gás natural previsto para o mesmo ano”.

São “metas fortemente ambiciosas, mas não é impossível lá chegar”, só que “2030 é já amanhã” e o Governo tem de começar hoje a dar “sinais claros” aos promotores, frisa o presidente da Floene. O estudo incluiu um levantamento de potenciais produtores em várias fileiras, como a agro-pecuária ou a indústria alimentar, e concluiu que, numa primeira fase, há 70 que já estão posicionados para, “com investimentos residuais”, começar a produzir biometano.

São 70 unidades que já têm biodigestores (os reservatórios onde os resíduos são transformados em biogás), essencialmente aterros sanitários ou estações de tratamento de águas, e que estariam em condições de fazer um investimento em purificadores deste biogás, que hoje é injectado na rede eléctrica, transformando-o em biometano com qualidade para injectar na rede de gás.

O biogás beneficia actualmente de uma tarifa subsidiada em torno dos 120 euros por megawatt-hora (MWh), que deverá terminar em 2028. A Floene espera que o Governo possa dar aos actuais produtores de biogás o incentivo para fazerem o upgrade para biometano, de modo que esta transição ocorra de forma célere. A referência actual para o biometano são 62 euros por MWh (o preço de compra do leilão de gases renováveis anunciado recentemente pelo executivo) e este valor, segundo a empresa, já seria um incentivo adequado para novos investimentos.

Tudo isto com “independência tecnológica”, sublinhou o administrador da Floene com o pelouro das operações, Miguel Faria. Há várias empresas de norte a sul do país na área da metalomecânica que poderiam assegurar a produção dos novos equipamentos, explicou o gestor.

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