O jovem fotógrafo Miguel Alves Marquês e o seu interesse pelas “coisas mundanas”

Nascida de uma ida à Moldova, Walking Thru the Sleepy City, em Serralves, é a primeira mostra individual do vencedor do Prémio de Fotografia Novo Banco Revelação, construído “sob a égide da amizade”.

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Miguel Alves Marquês nasceu em Braga, em 1996, mas cresceu em Salvaterra de Magos, em Santarém, e vive em Lisboa desde os 15 anos
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O fotógrafo Miguel Alves Marquês conheceu Valentin, um imigrante moldavo, num banco de jardim em Lisboa, numa noite em que estava a voltar para casa e precisava de lume para acender o seu cigarro. Os dois ficaram à conversa e Miguel, jovem de 27 anos, ficou a saber que Valentin, homem “entre os 50 e os 60”, estava desesperado para regressar ao seu país natal. “Ele estava em Portugal a trabalhar na construção civil. Quando acabou a obra, o patrão foi-se embora e ele ficou sem dinheiro”, conta agora o fotógrafo ao PÚBLICO.

Ele e alguns amigos comprar-lhe-iam um bilhete de autocarro para voltar para a Moldova. Na hora da despedida, duas semanas após o início desta amizade improvável, Miguel deu a Valentin três câmaras descartáveis. Pediu-lhe para fotografar a viagem e, depois, partilhar com ele as imagens. Passaram-se vários meses e nada chegou ao correio do português, que decidiu meter-se também ele num autocarro para a Moldova e procurar Valentin.

É com algumas imagens dos seus cerca de 30 dias passados na capital de Chisinau, entre Setembro e Outubro do ano passado, que Miguel Alves Marquês agora monta a sua primeira exposição individual — que surge no contexto da sua distinção com o Prémio de Fotografia Contemporânea Novo Banco Revelação, que não era atribuído desde 2020. Walking Thru the Sleepy City é inaugurada esta quinta-feira, às 22h, no Museu de Serralves (Porto), que é um dos promotores do prémio, juntamente com a instituição bancária que lhe dá nome.

O Prémio de Fotografia Contemporânea Novo Banco Revelação não era atribuído desde 2020
Walking Thru the Sleepy City resulta de uma viagem de Miguel Alves Marquês à Moldova para encontrar um homem natural desse país da Europa de Leste que conhecera em Lisboa
Após a inauguração desta quinta-feira, às 22h, a mostra fica patente no Museu de Serralves até 19 de Janeiro de 2025
A exposição mostra o interesse do fotógrafo pelas "coisas mundanas" dos lugares, pelos "defeitos e remendos que aparecem em todas as cidades"
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O Prémio de Fotografia Contemporânea Novo Banco Revelação não era atribuído desde 2020

“Esta edição constrói-se sob a égide da amizade”, admite Ricardo Nicolau, comissário desta exposição e adjunto da direcção do Museu de Serralves. “Pedimos a artistas ou fotógrafos com quem temos uma relação especial para sugerirem nomes” que acreditassem ser merecedores da distinção, afirma ao PÚBLICO, acrescentando que o director do Museu de Serralves, Philippe Vergne, considerou que as pessoas que trabalham consigo na direcção, “nomeadamente na área da curadoria”, seriam “um júri perfeitamente capaz”. Vergne, Nicolau e Inês Grosso, curadora-chefe do museu, passaram alguns dias a avaliar as “dezenas” de portefólios “angariados”. O de Miguel Alves Marquês foi o portefólio vencedor, ou “eleito”, como Ricardo Nicolau parece preferir.

Por mais que Miguel Alves Marquês tivesse o objectivo de encontrar Valentin na sua viagem — coisa que não aconteceu —, a sua estadia em Chisinau não foi uma busca obsessiva. O fotógrafo sabia que, quando Valentin chegasse, ficaria hospedado, durante algum tempo, em casa de um amigo dentista. Miguel fez um mapa de todos os dentistas da capital, mas depressa começaria a sentir que o processo de ir porta-a-porta era “desgastante” e estava a impedi-lo de “aproveitar a cidade" como queria. Afastou-se um pouco, portanto, do propósito original: não deixaria de tocar à campainha se ou quando passasse por uma clínica dentária, mas planearia os seus percursos de uma forma mais livre.

Walking Thru the Sleepy City mostra o seu interesse pelas “coisas mundanas”, pelos “defeitos e remendos que aparecem em todas as cidades”. Uma lona que tapa o interior de um edifício em obras; um homem a ler em pé junto àquela que virá a ser uma igreja; uma varanda com uma cortina de duche a dar privacidade. Aqui e ali, surge uma imagem que pode remeter para a fase mais precoce da sua viagem e para os seus dias como “fotógrafo-detective”, como sugere a sinopse da exposição: um pé ao virar da esquina, a procura pelo rasto de alguém. Por falar em rasto, uma imagem que pode ser encaixada na subsecção mais preponderante da mostra: pegadas de cão eternizadas no cimento. Miguel ficou impressionado com a quantidade de cães vadios que encontrou nas ruas, e que para ele foram não só modelos como guias, numa cidade que, no período de um mês, se foi tornando progressivamente menos “exótica”.​

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