Sem-abrigo. “Estamos a ter mais dificuldade em conseguir que acedam a uma habitação”

Gestor executivo diz que Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem Abrigo está a ser revista e acesso a habitação é ponto-chave.

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Henrique Joaquim, gestor executivo da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem Abrigo 2025-2030 Nuno Ferreira Santos
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A Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem Abrigo 2025-2030 foi aprovada em Março, mas já está a ser revista, revelou esta quarta-feira o gestor executivo, Henrique Joaquim, na Comissão Parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Inclusão. Em preparação está “um programa que diferencie de forma positiva” esta população no acesso à habitação.

“Estamos, a pedido do Governo e em conjunto com o Governo, a fazer uma revisão [da nova estratégia], quer ao nível da adequação das respostas (para aumentar o número e dispersá-lo no território), quer ao nível do acompanhamento aos municípios”, declarou. “Acima de tudo, o que se pretende é aumentar a proximidade mas garantir também uma maior operacionalização.”

Na exposição inicial, Henrique Joaquim não se deteve no aumento de pessoas em situação de sem abrigo, que vem sendo reportado pelas organizações. “Foi possível e tem sido possível melhorar de ano para ano o diagnóstico. Se por um lado o número tem vindo a crescer, o número de pessoas que também saem da condição também tem vindo, felizmente, a aumentar.”

No espaço para perguntas, a questão foi sendo colocada. “Em 2018 eram cerca de 6 mil pessoas em situação de sem abrigo e no final de 2022 eram quase 11 mil”, referiu Ofélia Ramos, do PSD. “Todas as entidades que trabalham no terreno dizem que a situação se agravou muito, tanto em 2023 como em 2024.” Falam num “maior número de jovens e imigrantes em permanência nas ruas”. E de novos perfis, incluindo pessoas que trabalham a tempo inteiro e auferem o salário mínimo nacional.

Henrique Joaquim deteve-se no método. “Antes de 2018 foram feitas algumas estimativas com base em levantamentos pontuais e projectados a nível nacional. Só em 2018 foi introduzida esta metodologia, um questionário que é remetido a todas as autarquias e que só em 2022 teve a resposta de todos os municípios.”

Aquele responsável explicou que “há uma dificuldade” em entender o conceito de sem-abrigo, que inclui pessoas sem tecto e pessoas sem casa e vai ser alargado a pessoas em risco. “Demos conta de que nem toda a gente o aplicava da mesma maneira e ainda nem toda a gente hoje o aplica da mesma forma.”

O deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro quis saber o que estava a fazer em relação a isso. E Henrique Joaquim respondeu que, todos os anos, antes da recolha de dados, “são feitas sessões por região, com os municípios, para explicar o conceito”. “Isso tem-nos permitido melhorar o levantamento e o diagnóstico”, sublinhou. “Sem prejuízo de haver situações novas, tem havido também um incremento de situações que, de ano para ano, não eram contadas e passaram a ser contadas.”

Henrique Joaquim afirmou que só agora lhe chegaram os dados referentes a Dezembro de 2023. No processo, os municípios foram questionados sobre o porquê do aumento ou a diminuição do número de pessoas em situação de sem abrigo no seu território. “Estamos a aferir essa explicação.”

Instigado pelos deputados, acabou por admitir o acesso à habitação como “um desafio premente e que aumentou nos últimos anos”. “Isso já vinha a ser reportado e foi reportado ao novo Governo e é nesse sentido também que a estratégia está a ser revista”, revelou.

Desafio da habitação

O gestor da estratégia nacional salientou que o país tem estado a fazer uma mudança de paradigma de albergues para estruturas individuais ou para pequenos grupos. “À data de hoje temos cerca de 900 vagas criadas e a funcionar, 447 para Housing First e 539 para habitação partilhada.”

Apesar disso, o modelo anterior também "foi reforçado". Neste momento: alojamento de emergência, 200 vagas; centros de alojamento temporário, mais de 500; comunidades de inserção, 1760. “Hoje temos cerca de 3500 lugares financiados pela Segurança Social, dispersos pelo país.”

Revelou que a equipa fez “uma proposta de um possível programa a ensaiar para diferenciar positivamente estas pessoas e garantir que, acedendo elas a uma habitação definitiva, outras podem usufruir destas disponibilidades que já existem”. Todavia, não adiantou detalhes.

Jorge Pinto, deputado do Livre, confrontou-o com a dificuldade de passar do alojamento temporário para o alojamento definitivo. E alertou-o para a possibilidade de recorrer a um fundo específico. Henrique Joaquim voltou a referir o programa em preparação. "Penso que a curto prazo possa ser implementado."

"Precisamos de garantir que estas pessoas que estão ou no Housing First ou na habitação partilhada ou nos centros de alojamento, acedem de facto a uma habitação", concedeu. Reconhecendo o problema, o gestor deu o exemplo de “pessoas que tinham de estar numa habitação partilhada, por exemplo, um ano ou no máximo dois anos”. “Temos como objectivo integrá-las. Não estamos a conseguir ou estamos a ter mais dificuldade em conseguir que acedam a uma habitação de carácter definitivo.”

“Parece-me que temos de melhorar na prevenção e temos de melhorar, obviamente, no acesso às respostas de habitação a nível local”, concluiu. "E isto, obviamente, vai ultrapassar a Estratégia Nacional de Integração para as Pessoas Sem Abrigo, porque estamos a falar de políticas macro, mas, acima de tudo, temos de trabalhar a outro nível face aos factores de risco que nós estamos a identificar. Temos de trabalhar com as pessoas que já estão na condição, mas temos de trabalhar antes e evitar que as pessoas cheguem a essa condição."

Na intervenção inicial, Henrique Joaquim tinha explicado que a nova estratégia surgira na sequência de uma avaliação feita em 2023, “por pessoas em situação de sem abrigo, pelas estruturas e recorrendo a uma avaliação externa”. “Penso que é importante dizer que nós ouvimos cerca de 700 pessoas na condição de sem abrigo e pessoas que também já tinham saído, para elaborar aquilo que hoje é a nova proposta de estratégia para 2030.”

Os vários grupos ouvidos apontaram três caminhos: “a necessidade de aumentar o acesso à habitação, o acesso às oportunidades de trabalho quando as pessoas têm perfil para poder trabalhar e o acesso aos serviços de mais variada natureza, de saúde ou dos serviços de proximidade”.

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