Caro leitor,

Quem vai de férias nas próximas semanas já não pensa noutra coisa. Por norma, a maioria dos trabalhadores tem 22 dias de férias por ano, um direito previsto na Constituição e no Código do Trabalho que tem como objectivo permitir "a recuperação física e psíquica, condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural".

O regime das férias obedece a um conjunto de regras claras e, para as situações ditas normais, é bastante intuitivo. Contudo, em determinadas situações, a sua aplicação nem sempre é pacífica. É o caso do ano da contratação ou em situações de baixa por doença, que têm regras especiais. Nestes casos, adianta ao PÚBLICO Milena Rouxinol, professora na Universidade Católica do Porto, a lei pode ser "uma fonte de problemas".

O tema também gera tensões que, muitas vezes, extravasam as questões laborais.

O relatório anual do Provedor de Justiça, divulgado recentemente, dá conta de uma situação que se passou na Câmara de Nisa e que ilustra bem estas dificuldades. Em causa estava a queixa de uma trabalhadora, divorciada, que se viu impedida de gozar qualquer período de férias durante as férias escolares das filhas.

Os sucessivos pedidos foram negados pela autarquia, com a indicação de que, por razões de conveniência de serviço, apenas a partir de Outubro poderia gozar férias. Na tentativa de resolver a questão, o gabinete da provedora Maria Lúcia Amaral propôs que se permitisse à trabalhadora ir de férias com as filhas, ainda que durante um período curto, antes do início do ano lectivo.

Argumentando que o direito a férias visa, entre outras finalidades, proporcionar condições de disponibilidade pessoal e de integração na vida familiar, a provedora lembrava que o caso em concreto "extravasa o estrito domínio das relações laborais", reflectindo os deveres dos pais para com os seus filhos e da sociedade e do Estado perante as crianças.

Os argumentos caíram em saco roto e a autarquia manteve a decisão, o que mostra bem a dificuldade em aplicar um direito que parece claro.

Com as férias à porta, vamos tentar desvendar algumas das regras do regime das férias:

A quantos dias de férias tem direito o trabalhador?
De acordo com a lei, o período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis, mas os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (e os contratos individuais) podem prever mais dias de férias. Regra geral, as férias dizem respeito ao trabalho prestado no ano anterior.

E no ano de admissão?
No ano em que o trabalhador é contratado o regime é diferente e é aqui que os problemas surgem. A lei estabelece dois dias de férias por cada mês de trabalho, até ao limite máximo de 20 dias. O gozo destas férias só pode acontecer após seis meses completos de execução do contrato e muitas vezes a contabilização das férias não é feita de forma correcta. Se o ano civil terminar antes deste prazo, as férias são gozadas até 30 de Junho do ano subsequente (com o limite de 30 dias, ou seja, acumulando os dias do ano anterior e os do ano em curso).

O que acontece quando o contrato dura menos de seis meses?
O trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês completo de duração do contrato, contando-se para o efeito todos os dias seguidos ou interpolados de prestação de trabalho. Essas férias são gozadas imediatamente antes da cessação do contrato, salvo acordo das partes.

O trabalhador pode "vender" férias?
A lei diz que as férias são um direito irrenunciável, o que significa que não podem ser substituídas por qualquer compensação – económica ou outra – mesmo que o trabalhador dê o seu acordo.

Mais uma vez, há excepções e o trabalhador pode renunciar ao gozo das férias acima dos 20 dias. Nesse caso, não pode haver redução da retribuição e do subsídio, sendo o trabalho prestado nesses dias pago.

Como é que as férias são marcadas?
As férias são marcadas até 15 de Abril por acordo entre empregador e trabalhador.

Os períodos mais pretendidos devem ser rateados, beneficiando alternadamente os trabalhadores. Os casais e as pessoas a viver em união de facto ou economia comum que trabalham na mesma empresa podem tirar férias ao mesmo tempo, desde que isso não prejudique de forma grave a empresa.

A empresa pode decidir encerrar para férias durante quinze dias consecutivos entre 1 de Maio e 31 de Outubro e noutras alturas previstas na lei.

O que acontece quando não há acordo?
Cabe ao empregador marcar unilateralmente, mas apenas o pode fazer entre 1 de Maio e 31 de Outubro e as férias não podem ter início em dia de descanso semanal do trabalhador.

No sector do turismo, o empregador só pode marcar um quarto do total das férias durante essa janela temporal.

Existe um período mínimo de gozo de férias?
As férias podem ser gozadas de forma interpolada, com o acordo do empregador, mas o Código do Trabalho prevê que um dos períodos de férias tem de ter, obrigatoriamente, 10 dias úteis consecutivos.

O trabalhador pode alterar as férias já marcadas?
Sim, quando está doente ou quando há outra razão que não lhe é imputável e desde que comunique ao empregador.

E o empregador?
Apenas quando há exigências imperiosas da empresa, ficando sujeito a indemnizar o trabalhador pelos prejuízos sofridos por deixar de gozar as férias no período marcado.

As férias são pagas?
Sim. No período de férias o trabalhador recebe o salário normalmente e ainda um subsídio de valor igual ao salário.

Quando os trabalhadores estiveram de baixa têm direito a férias?
Se a baixa começar e acabar no mesmo ano civil, não tem qualquer impacto sobre as férias. Se o impedimento for prolongado (pelo menos um mês) e por mais de um ano civil, o regime complexifica-se e é como se ocorresse a suspensão do contrato. Por isso, aplica-se o regime de férias no ano da contratação, ou seja, o trabalhador terá direito a dois dias por cada mês de trabalho até ao limite de 20.

Este regime é muito problemático e tanto a Organização Internacional do Trabalho como o direito europeu têm defendido que quando o trabalhador sofre de doença, isso não deve implicar qualquer prejuízo no direito a férias. Há empresas que mantêm o direito a férias mesmo nestas circunstâncias.

Caro leitor, se este guia já não foi a tempo da sua marcação de férias, guarde-o para o próximo ano e tenha umas boas férias.

Sabia que...

A referência às férias aparece na lei portuguesa pela primeira vez em 1937? A Lei n.º 1952 previa a possibilidade de os trabalhadores gozarem férias remuneradas, mas eram um "prémio" pela qualidade do serviço prestado, como explicou ao PÚBLICO a professora de direito Milena Rouxinol, e não um direito como agora o conhecemos. Na prática, as férias podiam ser de quatro, oito ou 12 dias e dependiam da prestação de um "bom e efectivo serviço" por parte dos trabalhadores.

Só em 1966, com a primeira Lei do Contrato de Trabalho, este direito é consagrado para todos os trabalhadores sem estar dependente da avaliação. Nos anos 1980, Portugal adoptou, finalmente, a convenção da Organização Internacional do Trabalho que consagrava as férias anuais remuneradas como um direito universal.


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