Descarbonização: uma oportunidade para reforçar a competitividade do sector químico

O Roteiro para a Neutralidade Carbónica da Indústria Química até 2050 reforça a importância de Portugal no processo futuro de descarbonização pela riqueza de recursos energéticos renováveis.

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Fernanda Ferreira - Diretora-Geral da DGAE; Luís Guerreiro - Presidente do IAPMEI; Joana Veloso - Diretora do Departamento de Alterações Climáticas da APA; Jerónimo Meira da Cunha - Diretor-Geral da Direção-Geral de Energia e Geologia; Bruno Veloso - Vice-Presidente da ADENE - Agência de Energia; Carla Pedro - Diretora-Geral da APQuímica (moderação) António Saraiva

Portugal é um país rico em energias renováveis que muito favorecem o seu potencial competitivo. Esta é uma ideia defendida e acarinhada pela APQuímica, que apresentou, nas instalações da sua associada HyChem, na Póvoa de Santa Iria, o Roteiro para a Neutralidade Carbónica da Indústria Química até 2050.

As empresas associadas da APQuímica consideram a descarbonização um imperativo ambiental, mas também parte central da sua estratégia competitiva a nível global. É importante criar um entendimento alargado a este nível na Sociedade Portuguesa e trabalhar em conjunto, defendem associados da APQuímica e Secretária de Estado da Energia.

“Pela primeira vez na sua história industrial, Portugal dispõe de recursos energéticos endógenos em abundância”, como a energia solar ou eólica, descreveu o presidente da APQuímica, Luís Gomes. “O acesso a fontes de energia abundantes e a custo competitivo sempre foi um aspecto crucial para a competitividade da indústria tanto em Portugal como no exterior. Somos um país pobre em recursos energéticos fósseis. A transição energética tem o potencial para alterar significativamente o contexto para a indústria instalada e que se queira instalar em Portugal”, explicou.

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Da parte do Governo, existe o compromisso de trabalhar em cooperação com o sector, entidades públicas e privadas, para desenvolver políticas públicas que possam promover a competitividade no contexto internacional e o desenvolvimento sustentável.” Maria João Pereira, Secretária de Estado da Energia

Um diagnóstico com o qual concordou a Secretária de Estado da Energia, Maria João Pereira. “É a primeira vez que Portugal tem esta vantagem de forma tão destacada” e que é “um factor de competitividade”: “A energia em todas as suas formas sustenta actividades diárias, impulsiona o desenvolvimento”, referiu a governante, para quem este “roteiro é um instrumento fundamental” face ao “grande desafio” que a indústria química encontra. Existe neste momento uma “enorme oportunidade de transformar um sector consumidor em produtor”, mas é “necessário muito investimento em tecnologia e investigação para alcançar as metas.”

“Da parte do governo”, disse, “existe o compromisso de trabalhar em cooperação com o sector, entidades públicas e privadas para desenvolver políticas públicas que possam promover a competitividade no contexto internacional e o desenvolvimento sustentável”, concluiu Maria João Pereira, perante uma plateia onde estava o sector, representantes de outros sectores parceiros e também Fernanda Ferreira Dias, directora-geral, das Actividades Económicas, Luís Guerreiro, presidente do IAPMEI, Joana Veloso, directora do departamento de Alterações Climáticas da Agência Portuguesa do Ambiente, Jerónimo Meira da Cunha, director-geral de Energia e Geologia, Bruno Veloso, vice-presidente da ADENE, Agência para a Energia.

É neste “contexto favorável”, como referiu Luís Gomes, que a indústria química definiu a transição energética e a descarbonização como “a prioridade”. São um “imperativo ambiental, mas tornaram-se também estratégia fundamental do negócio”, disse, explicando que “estas duas dimensões vivem a par: descarbonizar e, ao mesmo tempo, tornarmo-nos, através disso, mais competitivos”

O roteiro agora apresentado serve como “uma ferramenta que vai ajudar a indústria química como um todo a entender onde está e qual o caminho que tem de fazer para atingir a neutralidade carbónica.” E faz ainda mais, acrescentou a Directora-Geral da APQuímica, Carla Pedro: os projectos de descarbonização que se estão a desenvolver “criam caminhos não apenas para a descarbonização do sector, mas também para apoiar processos de descarbonização de outros sectores da economia, com quem aliás o sector já se encontra a trabalhar”.

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É uma prioridade absoluta. Descarbonizar e, ao mesmo tempo, tornarmo-nos, através disso, também mais competitivos." Luís Gomes, Presidente APQuímica

Com um peso de 21,7% em volume de negócios na indústria transformadora nacional, o diagnóstico feito pela EY conclui que este é um sector com uma dinâmica interessante de crescimento, transversal e relevante para a generalidade da indústria e da economia portuguesa (52% dos produtos voltam para a produção nacional). Emprega directamente 19 mil pessoas (com qualificações altas e rendimentos acima da média nacional) e está fortemente territorializada (Grande Porto, Estarreja/Aveiro, Lisboa/Setúbal e Sines) em lógicas de cluster que, segundo a análise feita pela consultora para a APQuímica, facilitam processos de simbiose industrial e circularidade. Tendo dimensão elevada quando comparadas com o todo nacional, as principais empresas do sector são ainda assim empresas pequenas a nível Europeu, necessitando de ganhar escala para atingirem maiores níveis de produtividade e competitividade nos mercados internacionais em que operam.

O diagnóstico definiu também o sector nacional como fortemente inovador e apontou a “premência” da descarbonização. Manuel Gil Antunes, CEO da HyChem, deu o exemplo da sua empresa que tem já 90 anos, quando foi fundada como Soda Póvoa, pelo grupo belga Solvay. Entretanto adquirida pela Algora, do grupo português A4F, tem o desígnio actual de “química sustentável”: “A HyChem tem vindo a ser pioneira neste processo desde há mais de 10 anos. Primeiro, pela quase plena electrificação dos seus processos produtivos, tornando-se grande consumidora e reduzindo a emissão directa de dióxido de carbono”, explicou. E também por transformar o seu pólo num “living lab da transição energética, produção de hidrogénio verde, desenvolvimento de tecnologias de produção, armazenamento e transporte de hidrogénio verde e da implementação de soluções da economia circular”. Manuel Gil Antunes explicou que “o roteiro constitui uma oportunidade para aprofundarmos o nosso trabalho em colaboração com outras empresas deste e de outros sectores económicos, para trabalharmos em conjunto com as comunidades nas quais nos inserimos e onde deixamos a nossa marca por décadas para assegurar um futuro verdadeiramente sustentável”, concluiu, num apelo ao trabalho conjunto, também manifestado pelos representantes da Bondalti, Galp e Repsol Polímeros (ver caixa).

“O desafio é dar o passo para competir com as empresas maiores e globais, pelo que têm de trabalhar em parcerias”, explicou, em entrevista, Marco Mensink, Director-Geral do Conselho Europeu da Indústria Química Europeia (CEFIC), também presente no evento. “É o que vemos na Europa: a chave para resolver isto são parcerias com cientistas no país e também em toda a Península Ibérica.” É que Portugal tem, de facto, “uma vantagem competitiva em relação aos restantes países europeus, com um forte potencial para aceder a energia renovável abundante e barata; existe criatividade para pensar fora da caixa, a indústria é relativamente pequena, mas também é flexível”, descreveu.

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O roteiro constitui uma oportunidade para aprofundarmos o nosso trabalho em colaboração com outras empresas deste e de outros sectores económicos, para trabalharmos em conjunto com as comunidades nas quais nos inserimos e onde deixamos a nossa marca por décadas para assegurar um futuro verdadeiramente sustentável.” Manuel Gil Antunes, CEO da HyChem

Investir mais de seis vezes

Marco Mensink definiu o contexto europeu actual focado em questões de defesa – onde áreas como a farmacêutica, o desenvolvimento de semicondutores, a produção de hidrogénio, são essenciais. E também alertou para a necessidade de o sector ter de “entrar em acção urgentemente e não esperar mais”: “Temos uma lei europeia do clima que diz que vamos ser neutrais até 2050. Esqueçam 2050, pensem em 2040. Para a Europa ser neutral em 2050, a indústria tem de o ser em 2040”, explicou, sublinhando que os investimentos têm de suceder já “amanhã”. O CEFIC desenvolveu um modelo de descarbonização que define cenários e o impacto das medidas – o modelo iC2050, a partir do qual se estruturou também o roteiro agora apresentado pela APQuímica, que o adapta à realidade nacional.

Mensink deixou, todavia, um importante alerta: para que tudo isto suceda, é necessário um investimento seis vezes superior a tudo o que já foi feito. Com “o nosso modelo vê-se que os investimentos têm de ocorrer para se conseguir cumprir as metas”, disse. Luís Delgado, da Bondalti, confirmou que, para além do hidrogénio verde, a empresa está já a realizar significativos investimentos na sua transição energética, por exemplo, em parques solares fotovoltaicos, em armazenamento, na electrificação de caldeiras e na reestruturação eléctrica do complexo de Estarreja. “É um projecto muito abrangente e que nos vai permitir reduzir em mais de 30% as nossas emissões”, referiu.

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95% de todos os produtos fabricados têm uma componente química. Não podemos viver sem a química. Podemos torná-la mais sustentável e reforçar o seu papel ao serviço de outros sectores, da economia como um todo e da própria sociedade.” Carla Pedro, Directora-geral APQuímica

Como resumiu Manuel Gil Antunes, “a indústria química está a ser um exemplo, inovando, investindo e arrastando as outras empresas para fazerem como nós.” Este é um sector que “está no início das principais cadeias de valor da economia portuguesa”, explicou Carla Pedro, directora-geral da APQuímica, “95% de todos os produtos têm uma componente química, nós não podemos viver sem a química. Podemos torná-la mais sustentável e pôr a química cada vez mais ao serviço de outros sectores, de outras frentes, até da própria sociedade.”

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