O secretário executivo da Convenção das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas sabe como o aquecimento global afecta os pequenos Estados insulares como os das Caraíbas, porque é natural de um dele: de Granada, que sofreu uma enorme destruição com a passagem do poderoso furacão Beryl no início do mês. Simon Stiell visitou a ilha de Carriacou, onde nasceu, viu a casa da sua avó destruída e gravou uma mensagem em vídeo para o mundo que divulgou esta quarta-feira. "O que a crise climática fez com a casa da minha avó não deve tornar-se o novo normal da humanidade”, pediu.
“Eu e a minha comunidade estamos a viver a devastação que se tornou demasiado familiar para centenas de milhões de pessoas em todo o mundo”, sublinhou o diplomata do clima, nascido nas Caraíbas.
A devastação provocada na ilha de Carriacou, uma das que fazem parte de Granada, atingiu 98% dos edifícios. O Beryl foi o primeiro furacão da temporada atlântica de 2024 e igualmente o primeiro a atingir o nível 5, a categoria mais elevada da escala Saffir-Simpson, que classifica as tempestades consoante a intensidade dos ventos sustentados. Para ser do nível 5, os ventos têm de ter mais de 251km/hora.
O número de vítimas mortais não foi muito elevado, noticiava o New York Times, mas as ilhas de Carriacou e Petite Martinique, onde vivem certa de dez mil pessoas, ficaram sem electricidade, sem comunicações. As colheitas foram destruídas, a vegetação arrancada, os mangues destruídos. Houve danos nos hospitais, aeroporto, marinas arrasadas – para além das habitações.
“Tragicamente, o transtorno de vidas e meios de subsistência causado pelo Beryl não é único. É o custo crescente da carnificina climática descontrolada, em todos os países da Terra”, afirma Simon Stiell, frente às ruínas do que era a casa de um seu vizinho.
“A nível global, essas tempestades nunca foram tão fortes ou tão frequentes, as enchentes tão repentinas e destrutivas, os incêndios e as secas tão devastadores e onerosos”, salienta. E ninguém está a salvo, diz Simon Stiell na sua mensagem: “Desde as maiores e mais desenvolvidas nações até as menores e mais vulneráveis. Seja a minha ilha natal de Carriacou, os Estados Unidos, a Índia, o Quénia ou qualquer outro país do mundo.”
Oceano quente, motor das tempestades
É verdade que os estragos causados pelos furacões potenciados pelas alterações climáticas – a água do Atlântico tem batido recordes de temperatura, e esse calor é o motor de que se alimentam os furacões – são devastadores nos países mais pobres e mais frágeis. Mas mesmo países ricos são vulneráveis. Veja-se o Texas.
Quando o Beryl atingiu o Texas, já como uma tempestade de categoria 1, com ventos de 120km/hora, provocou grande destruição e deixou um grande número de habitantes daquele estado norte-americano sem electricidade, durante dias. No meio de uma onda de calor, com temperaturas de 38 graus, não houve frigoríficos, e muito menos ar condicionado, para mais de um milhão de lares – incluindo na grande cidade de Houston, com mais de 2,3 milhões de habitantes.
Meteorologistas da Universidade Estadual do Colorado disseram que Beryl antecipa uma época de furacões especialmente severa. Prevêem agora seis grandes tempestades, quando inicialmente falavam em cinco.
É sempre complicado avaliar quanto é que as alterações climáticas contribuem para uma tempestade em particular. Mas sabemos que se a água do mar estiver mais quente, as tempestades têm mais energia, o que permite que os ventos sejam mais fortes. O padrão que temos visto nos últimos anos, com o mar mais quente por causa do aquecimento global, é que o número de furacões não tem aumentado – mas há cada vez mais tempestades a atingir as categorias mais elevadas de intensidade.
“Os nossos modelos sugerem que a intensidade média dos furacões vai crescer no futuro, devido ao aumento do aquecimento global”, disse à BBC Hiroyuki Murakami, investigador do Laboratório de Dinâmica de Fluidos e Geofísica da Agência Nacional dos Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês).
Desastres como estas grandes tempestades têm custos para as pessoas, para as suas vidas, e infligem danos materiais gigantescos. Agir para preparar os países a adaptarem-se para resistir melhor os afeitos do aquecimento global, e também a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa – que estão por trás do efeito de aquecimento global descontrolado – seria mais barato do que não fazer nada, salienta Simon Stiell.
É mais caro não fazer nada do que agir
“Um relatório recente calculou os custos da inacção em 38 biliões de dólares por ano (34,8 biliões de euros anuais), até 2050. O mesmo relatório diz que a acção climática custará menos de um sexto desse valor”, salientou o diplomata do clima.
“O Beryl é mais uma prova dolorosa: todos os anos, os custos climáticos causados pelos combustíveis fósseis são uma bola de demolição económica que atinge milhares de milhões de casas e pequenas empresas. Se os governos de todo o mundo não se mobilizarem, todas as economias e oito mil milhões de pessoas enfrentarão esse trauma de forma contínua”, salientou, na sua mensagem.
Isto quer dizer que, em vez de estar a contabilizar os custos do que chamou “carnificina climática”, os governos devem intensificar os esforços para a atenuar. Isto quer dizer pôr a acção climática no topo das prioridades e deixar de pior a situação. “Devemos cortar a poluição por combustíveis fósseis já pela metade nesta década, como exige a ciência.”
São os países mais ricos que devem avançar, mas não apenas os mais ricos de todos. “O G20 é responsável por 80% da poluição por gases de efeito estufa. [Estes países] devem liderar o caminho com novos planos climáticos nacionais revolucionários, previstos para o início do próximo ano, que cumpram a promessa que todos os países fizeram no ano passado [na COP28] de fazer a transição acabar com os combustíveis fósseis”, incentivou Simon Stiell,
Isto para que consigamos fazer com que haja cada vez menos tragédias como a destruição na ilha de Carriacou, causada pelo furacão Beryl, em vez de se tornarem cada vez mais frequentes.