Visão negativa sobre a justiça resulta do desinvestimento e do contexto mediático, diz Sindicato dos Magistrados do MP

Presidente do sindicato dos Magistrados do Ministério Público considera que a percepção das pessoas que responderam ao inquérito é influenciada pelas notícias da comunicação social.

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Paulo Lona, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público Sérgio Azenha
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O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público considera que o inquérito sobre a justiça, divulgado esta terça-feira, é um exemplo da falta de investimento no sector, mas minimizou a sua importância devido ao contexto mediático que condicionou os resultados.

Em declarações à agência Lusa, o presidente do sindicato, Paulo Lona, recordou que a esmagadora maioria das pessoas que respondeu ao inquérito tinha como fonte principal as notícias da comunicação social, pelo que considerou normal a visão mais crítica, tendo em conta o contexto mediático actual.

Num "momento em que a justiça é bastante criticada, em que o Ministério Público (MP) é bastante criticado pelos comentadores, artigos escritos nos jornais, nas revistas e nos noticiários", é "natural que tudo aquilo que é transmitido também vai contaminar, de certa forma, a percepção a que os cidadãos têm do funcionamento da justiça e também do Ministério Público", afirmou o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).

Ressalvando que, em primeiro lugar, é necessário distinguir "a percepção da realidade", o dirigente admitiu que esta visão também está relacionada com "um claro desinvestimento na justiça, que não é de agora e é de há vários anos, que faz com quem neste momento faltem mais de 400 oficiais de justiça nos serviços do MP e mais de 1200 ao nível global nos tribunais".

"Quando não é possível notificar acusações de violência doméstica há mais de seis meses porque não há funcionários que as possam notificar, quando há magistrados do Ministério Público a seleccionar nos papéis os processos mais urgentes para juntar aos inquéritos para depois poderem cumprir, alguma coisa não está bem" no sistema, disse Paulo Lona, considerando que é "preciso mexer nestes aspectos do funcionamento da justiça e do MP para haver maior celeridade e maior eficácia", as maiores críticas feitas no estudo.

Para o dirigente, "esta falta de meios humanos e materiais e recursos tecnológicos afecta profundamente o funcionamento da justiça".

Só metade dos inquiridos disse confiar nos tribunais

O estudo mostra também que a justiça não consegue comunicar com a sociedade, uma crítica já antiga feita pelos magistrados.

"Esse é um dos grandes problemas que nós, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, já temos vindo a apontar há muito tempo, que é a comunicação da justiça. A justiça tem que aprender a comunicar mais e melhor com o cidadão até para saber se explicar, porque às vezes é só isso, é mesmo uma questão de explicação", afirmou.

No entanto, o procurador não quer dar um destaque particular a este estudo, considerando que a percepção negativa dos portugueses não é exclusiva em relação à justiça, mas alarga-se a outras esferas públicas, citando um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Segundo esse inquérito, realizado entre 25 de Outubro e 27 de Novembro do ano passado, cerca de 50% dos portugueses disse confiar nos tribunais e no sistema judicial, enquanto a percentagem da população com confiança elevada ou moderadamente elevada no Governo e na Assembleia da República ficava pelos 30%.

"A sensação que eu por vezes fico é que, mais do que uma falta de confiança específica na justiça e no funcionamento da justiça, há uma falta de confiança generalizada dos cidadãos no funcionamento das suas instituições no Estado de direito democrático e acho que isso deveria preocupar a todos", afirmou. No entanto, lamentou que o discurso esteja "muito centrado exclusivamente na justiça e não nas instituições".

"É urgente uma reflexão conjunta"

Por sue lado, o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) defendeu que as conclusões do estudo devem ser motivo de ampla reflexão, quando falta uma "visão estratégica" para o sector.

Em declarações à agência Lusa, António Marçal referiu que a "percepção negativa" das pessoas inquiridas que tomaram contacto com o sistema de justiça deve ser motivo de preocupação para todos, incluindo operadores judiciários e poder político. Deve também justificar uma "urgente reflexão conjunta" do que está mal no funcionamento dos tribunais.

Segundo o dirigente do SFJ, esta reflexão é fundamental para que se tomem medidas para que a Justiça funcione melhor, observando que é preciso traçar um "plano estratégico" que consiga ir além da legislatura em curso.

Em seu entender, tem de existir uma concertação que envolva o poder político na adopção de medidas concretas que resolvam os diferentes problemas que afligem, por exemplo, a jurisdição administrativa e fiscal, e também a jurisdição penal e outras.

António Marçal lembrou a propósito o problema dos megaprocessos e da necessidade de arranjar forma de resolver a questão por via legislativa ou outra.

O presidente do SFJ defendeu também uma melhor comunicação da Justiça com os cidadãos, partilhando da ideia já expressa pelo actual presidente do Supremo Tribunal de Justiça de que as sentenças devem ser perceptíveis pelos cidadãos.

"A justiça deve prestar contas à sociedade", adiantou António Marçal.

A Justiça é a instituição pública mais mal avaliada pelos portugueses, segundo o inquérito divulgado que aponta erros, lentidão e pressões sobre magistrados como principais problemas de um sistema que penaliza os mais pobres e minorias.

De acordo com o estudo, feito pelo Instituto de Políticas Públicas e Sociais (IPPS) do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, "74% dos inquiridos consideram que a Justiça funciona "mal" ou "muito mal", uma avaliação que é a mais negativa feita pelos inquiridos sobre serviços ou estruturas públicas, abaixo do parlamento, Governo ou Sistema Nacional de Saúde.

O relatório "O Estado da Nação e as Políticas Públicas 2024", totalmente vocacionado para o sistema de Justiça, indica que as considerações "menos positivas concentram-se no desempenho geral do sistema, incluindo rapidez, eficácia e eficiência".

A maioria dos inquiridos considera que os juízes e procuradores são vulneráveis e cedem a pressões com "muita" ou "alguma frequência" por parte da comunicação social (66%), grupos económicos e sociais (64%), do governo (60%), dos partidos da oposição (57%) e dos Presidentes da República (57%).

O inquérito envolveu 1207 inquiridos, com uma margem de erro de 2,8%.