Saúde e educação a duas velocidades

É entre os mais pobres que a escolaridade é mais baixa e a entrada no ensino se faz mais tarde, e que há mais dificuldade no acesso a consultas. É o que diz o relatório Portugal, Balanço Social.

Foto

Que papel têm a educação e a saúde na vulnerabilidade económica e social? “As pessoas com níveis de educação inferiores são mais susceptíveis à pobreza”, reconhece o relatório Portugal, Balanço Social 2023, que sublinha igualmente que “o estado de saúde influencia a capacidade de estudar e trabalhar, e, portanto, afecta a probabilidade de um indivíduo se encontrar em condição de pobreza ou privação no futuro, ou de esta condição se agravar.”

E se a pergunta for “O que mais preocupa: saúde ou educação?” Ambas, mas com valorização diferente em função da capacidade financeira. A saúde é o segundo problema mais vezes referido por quem quase nunca tem dificuldade para pagar as contas (30,5%) e por quem tem dificuldade na maior parte das vezes (40,9%), só sendo, em ambos os grupos, ultrapassada pela inflação.

“A maior discrepância” revela-se na educação: a prevalência de pessoas que a classificam como importante “é três vezes maior” entre aqueles que têm capacidade para pagar as suas contas (19,5%) em comparação com quem não tem (6,5%), lê-se neste relatório lançado em Maio.

Portugal, Balanço Social resultou da Iniciativa para a Equidade, uma parceria entre a Fundação la Caixa”, a Nova SBE e o BPI e foi desenvolvido pela equipa do Economics for Policy Knowledge Center, constituída por Susana Peralta, Bruno P. Carvalho e Miguel Fonseca.

Neste documento, os autores apontam a relevância da educação: “A escolaridade tem um papel importante na mitigação da transmissão intergeracional da pobreza”. Ora, logo nos primeiros anos, oito em cada 10 crianças pobres não têm acesso a creche e, entre os quatro e os sete anos, são também elas quem menos frequenta o pré-escolar, onde se iniciam as aprendizagens essenciais para o 1.º Ciclo.

Este relatório afirma igualmente que “um importante determinante da ligação das pessoas ao mercado de trabalho e, consequentemente, dos rendimentos que auferem, é o nível de educação”, sendo aquelas que têm níveis inferiores “mais susceptíveis à pobreza”. Em 2022, a taxa de risco de pobreza era de 21,9% para quem tinha completado no máximo o ensino básico e de 5,5% para os que tinham ensino superior. Quando analisados os agregados familiares, entre os 25% mais pobres, apenas 9% tem o ensino superior completo.

Acesso à saúde com problemas

“A saúde é uma dimensão fundamental do bem-estar e das condições de vida”, descreve o relatório. E também neste aspecto se verificam contrastes: a saúde da população pobre continuava, em 2022, a ser pior do que a da não pobre.

Em 2022, mais de quatro em cada 10 pessoas pobres afirmavam ter as suas actividades habituais limitadas por razões de saúde; e metade reportaram ter problemas de saúde prolongados (50,6%, face aos 43,5% da população não pobre). Em cada dez pessoas pobres, seis não faziam qualquer exercício físico, três assumiam um consumo elevado de bebidas alcoólicas e dois de consumo de tabaco. Eram também os mais pobres que sentiam um nível de privação maior no acesso a cuidados de saúde – com um destaque particular para os 39% que não tinham acesso a consultas de medicina dentária.

Quando analisada a idade, 22,8% das pessoas com mais de 65 anos também disseram não ter acesso ao dentista. São eles também que reportaram mais doenças crónicas, que afectam mais de três quartos dos idosos.

No que toca às crianças, 5,3% não tiveram acesso a consultas ou tratamentos de medicina dentária e 1,2% não tiveram acesso a outras consultas ou tratamentos médicos por restrição de recursos (seja por incapacidade financeira, existência de lista de espera, falta de tempo devido ao trabalho ou distância). Ainda assim, “em ambos os casos houve um aumento na taxa de privação entre 2021 e 2022”, assinalam os autores.

Sendo campos estruturais da nossa sociedade, a identificação de clivagens substanciais na saúde e educação são questões prementes que, idealmente, serão alvo de reflexão e pensamento estratégico, com base no conhecimento apurado por este relatório.