A Amiga Genial, de Elena Ferrante, é o melhor livro do século XXI
Com base num inquérito a que responderam 503 votantes, o jornal The New York Times divulgou os 100 melhores livros do novo milénio, cujo top ten inclui ainda Bolaño, Sebald ou Ishiguro.
A Amiga Genial, volume inaugural da tetralogia que a enigmática escritora Elena Ferrante dedicou à vida quotidiana de um bairro popular napolitano, centrado na infância e adolescência de duas raparigas - a narradora, Elena, e Lila, a amiga sobredotada -, foi considerado o melhor livro publicado neste primeiro quartel do século XXI por 503 romancistas, poetas, críticos e ensaístas inquiridos pelo diário norte-americano New York Times.
Num meio literário hoje dominado pela chamada autoficção, pode dizer-se que a obra vencedora se adequa ao gosto do período, mas com a pequena diferença de se tratar de uma ficção do eu cujo eu é desconhecido, já que Elena Ferrante é um pseudónimo e podemos apenas presumir que quem quer que se esconda por trás dele poderá ter tido experiências semelhantes às que o romance relata.
Ferrante é ainda, a par de George Saunders - autor do romance Lincoln no Bardo e dos livros de contos Pastoralia e Dez de Dezembro (todos nesta lista, mas nenhum nos dez primeiros) -, a única escritora com três livros entre os cem melhores. História da Menina Perdida, o volume que encerra a saga napolitana, ficou em 80.º lugar, e o romance Dias do Abandono em 92.º.
A Amiga Genial acaba por ser também uma escolha inesperada numa lista previsivelmente dominada por autores anglo-saxónicos. Mas é precisamente nos lugares cimeiros desta lista que essa hegemonia é menos sufocante, com a presença de obras como 2666, o extenso e estranho romance do chileno Roberto Bolaño (1953-2003), que ocupa a 6.ª posição, ou o último romance do escritor alemão W. G. Sebald (1944-2001), Austerlitz (8.º lugar), protagonizado por um historiador de arquitectura radicado no Reino Unido que investiga o seu passado e descobre que foi uma das crianças judias resgatadas de Praga nos meses que antecederam a Segunda Guerra Mundial.
Estas listas costumam também privilegiar o romance, mas o segundo lugar do pódio coube a um estudo histórico: The Warmth of Other Suns: The Epic Story of America's Great Migration, de Isabel Wilkerson, que procura reconstituir a migração dos afro-americanos do Sul para o Norte e o Oeste dos Estados Unidos. O livro não está editado em Portugal, mas a Cultura Editora lançou recentemente uma tradução de outra obra da mesma autora, Castas. As Origens do Nosso Descontamento, que analisa os sistemas de castas nos Estados Unidos, na Alemanha nazi e na Índia.
Em 3.º segue-se um romance histórico, Wolf Hall, de Hilary Mantel, o primeiro livro da trilogia que a autora dedicou a Thomas Cromwell.
Ainda por editar em Portugal, The Known World, o romance de Edward P. Jones que conta a história de um escravo negro da Virgínia que veio a ser, ele próprio, proprietário de escravos, ficou em 4.º lugar, à frente de Correcções, de Jonathan Franzen, uma saga familiar que é também o retrato de um país, os Estados Unidos, a encaminhar-se para o novo milénio.
Entre Bolaño e Sebald, Colson Whitehead conseguiu o 7.º posto com A Estrada Subterrânea, mais um romance centrado na vida dos escravos negros nas plantações dos estados sulistas, aqui contada através da personagem de Cora, escrava numa plantação de algodão da Geórgia no século XIX, antes da Guerra Civil.
O nono classificado, Nunca me Deixes, do prémio Nobel da Literatura de 2017, Kazuo Ishiguro, é um romance de realidade alternativa localizado n(outr)a Inglaterra dos anos 90. Apesar de ter nascido no Japão, Ishiguro, também autor de Os Despojos do Dia, adaptado ao cinema por James Ivory, deve ser considerado um autor anglo-saxónico, já que vive desde criança no Reino Unido e escreve em inglês.
Finalmente, a fechar o top ten, mais um romance americano, Gilead, de Marilynne Robinson, uma narrativa epistolar que relata a autobiografia ficcionada de um pastor congregacionista no estado do Iowa.