Um novo gendarme africano entre a guerra e a paz

Lutando contra os jihadistas em Moçambique, ao lado das forças moçambicanas, ou combatendo os soldados congoleses ao lado do M23, a Força de Defesa do Ruanda transformou o país numa potência militar.

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O Ruanda tem actualmente cerca de três mil efectivos na província moçambicana de Cabo Delgado JEAN BIZIMANA / REUTERS
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Um pequeno país à escala africana, 90 vezes mais pequeno que a vizinha República Democrática do Congo e 30 vezes menor que Moçambique, contribui hoje em grande medida para a instabilidade do primeiro e para a relativa estabilidade do segundo. O Ruanda transformou-se, com a liderança de quase um quarto de século de Paul Kagame, numa potência militar da África subsariana, capaz de enviar uma força de paz para Cabo Delgado e uma máquina de guerra para o Norte-Kivu.

Assente nas marcas traumáticas do genocídio de 1994, a poderosa Força de Defesa do Ruanda (FDR) tornou-se num instrumento dissuasor para novas veleidades internas dos hutus, novamente secundarizados na liderança do país tal como antes, e para servir externamente a diplomacia por outros meios em palcos que sirvam os interesses de Kigali.

Com cerca de 33 mil efectivos, o país tornou-se num dos maiores contribuintes para as forças da paz das Nações Unidas, com cerca de seis mil soldados, o quarto maior em termos globais. Mas não se trata apenas de participação em missões conjuntas multilaterais, em Moçambique, os ruandeses têm um contingente de três mil homens a combater os insurgentes em Cabo Delgado no âmbito de um acordo bilateral e por tempo indeterminado.

Frederico Donelli, professor assistente de Relações Internacionais da Universidade de Trieste, escreve no The Conversation que o Ruanda conseguiu alcançar sucesso na sua diplomacia militar onde “alguns actores regionais africanos, como a África do Sul ou o Quénia”, não conseguiram devido à “desconfiança dos outros países africanos”.

A pequena dimensão do país terá jogado a seu favor, apesar de Kigali procurar, tal como outros, “ganhar influência internacional, regional e doméstica” com as suas acções. Ao ponto de alguns analistas já se perguntarem se estamos perante o novo gendarme de África. Diz-se, aliás, em relação a Cabo Delgado, que as forças ruandesas ali estariam para proteger os interesses da multinacional francesa TotalEnergies, obrigada a declarar motivos de força maior para parar o seu investimento na exploração do gás natural na bacia do Rovuma por causa dos ataques jihadistas – pelo menos 22 milhões de dólares foram pagos pelos Estados Unidos para ajudar ao financiamento do contingente militar.

Como refere Florent Geel, mediador de conflitos armados e membro associado da Sahel Security Analysis, na revista online Afrique XXI, o Ruanda está situado geograficamente “numa das regiões mais ricas e mais estratégicas do mundo para o fornecimento de matérias-primas raras (coltan, tântalo, ouro, cassiterite, volframite, etc.)”, tendo-se transformado entre 2013 e 2019, apesar de recursos minerais limitados dentro das suas fronteiras, no maior exportador mundial de coltan e no segundo maior de tântalo.

Para isso muito contribuiu a acção da FDR que, ao abrigo de um dos seus princípios fundamentais de proteger o país contra os genocidas e os seus descendentes, alimenta e ajuda, com três mil efectivos e armas pesadas (incluindo mísseis e veículos blindados), o grupo armado do Movimento 23 de Março (M23) na sua guerra no Leste da República Democrática do Congo.

Kigali acusa Kinshasa de apoiar o Exército de Libertação do Ruanda, composto em grande parte por oficiais das Forças Armadas Ruandesas que cruzaram a fronteira depois dos hutus terem perdido a guerra contra os tutsis em 1994. No entanto, o seu objectivo principal é continuar a garantir o acesso ruandês às minas do Leste do Congo.

Ainda na semana passada, o Departamento de Estado norte-americano emitiu uma nota a manifestar preocupação pelo facto de algumas cadeias de abastecimento ilegal de minerais estarem a financiar o conflito na região. “À medida que o tempo passa, algumas empresas parecem ter diminuído a sua atenção em relação às diligências adequadas” para garantir que os minérios que entram na cadeia de distribuição não são provenientes de extracção ilegal, disse a Administração norte-americana, incentivando as empresas a aplicarem com rigor as directrizes em vigor.

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