Governo de Bolsonaro suspeito de espiar deputados, juízes e jornalistas

Investigação da Polícia Federal deteve quatro pessoas ligadas à Abin, a agência de informação brasileira, que estavam encarregues de esquema ilegal de vigilância de adversários do anterior Governo.

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Alvos de vigilância da Abin eram adversários do ex-Presidente Jair Bolsonaro Amanda Perobelli / REUTERS
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O Governo do ex-Presidente brasileiro Jair Bolsonaro montou um esquema ilegal no seio dos serviços de informação para espiar vários políticos, juízes e até jornalistas, de acordo com as investigações da Polícia Federal (PF).

Há muito que a imprensa brasileira já fazia referência à chamada “Abin paralela” para designar uma hipotética estrutura clandestina montada dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que tinha como propósito recolher informações sobre adversários de Bolsonaro. No entanto, uma operação levada a cabo na semana passada pela PF trouxe mais detalhes sobre o funcionamento e os alvos deste esquema de vigilância ilegal.

Entre 2019 e 2022, um grupo de responsáveis que pertenciam à Abin, incluindo o próprio director da agência à data, o ex-polícia Alexandre Ramagem, estavam dedicados a reunir informações sobre políticos, juízes, funcionários públicos e jornalistas a pedido de Bolsonaro ou de alguns dos seus principais aliados, como os filhos.

Entre os alvos da vigilância ilegal estavam os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Luís Fux, o então governador do estado de São Paulo, João Dória, e vários parlamentares, incluindo o actual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o seu antecessor, Rodrigo Maia, e vários senadores que tiveram posições de destaque durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, que responsabilizou Bolsonaro e o seu governo pela gestão desastrosa da pandemia.

Foram igualmente vigiados vários jornalistas, funcionários do Ibama (organismo de fiscalização ambiental) e da Receita Federal que, na altura, tinham em mãos a investigação ao caso das “rachadinhas” que envolvia o senador Flávio Bolsonaro, suspeito de contratar assessores para cargos fantasmas enquanto era deputado estadual no Rio de Janeiro.

Segundo a PF, a vigilância era feita a partir da invasão de computadores e telefones com o recurso ao First Mile, um software israelita capaz de monitorizar dispositivos electrónicos sem deixar rasto.

No despacho tornado público na semana passada, Alexandre de Moraes, que é o relator do caso no STF, descreveu a criação de “uma estrutura espúria infiltrada na Abin voltada para a obtenção de toda a ordem de vantagens para o núcleo político [de Bolsonaro], produzindo desinformação para atacar adversários e instituições que, por sua vez, era difundida por intermédio de vectores de propagação materializados em perfis e grupos controlados por servidores em exercício na Abin”.

As investigações mostram que os membros da “Abin paralela” tinham conhecimento acerca do alegado plano para um golpe de Estado arquitectado pela cúpula do governo de Bolsonaro. Numa conversa interceptada pela PF há a referência a um “decreto” que é interpretado como o esboço de um decreto presidencial em que seria imposto o estado de excepção com o objectivo de invalidar os resultados eleitorais.

Na quinta-feira, a PF deteve quatro pessoas que alegadamente estariam envolvidas nas operações da “Abin paralela” e que trabalhavam directamente com Ramagem, um aliado político de Bolsonaro que foi eleito deputado pelo Partido Liberal, ao qual pertence o ex-Presidente, e que é candidato às eleições municipais no Rio de Janeiro.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que as revelações feitas pela PF sobre a “Abin paralela” apenas vieram mostrar que a vitória de Lula da Silva nas eleições de 2022 “salvou a democracia” no Brasil.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, condenou as acções do anterior governo, considerando-as um “acto criminoso, que fragiliza não somente a instituição, mas a democracia e a soberania do país”.

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