Este ano, o Alkantara vai do feminicídio à luta do povo palestiniano
Carolina Bianchi, Francisco Thiago Cavalcanti, Mamela Nyamza e Basel Zaraa são as primeiras confirmações do festival lisboeta de teatro, dança e performance, que acontece entre 15 e 30 de Novembro.
Feminicídio, solidão, a relação complexa de corpos negros com a história do ballet (ou ao contrário) e a luta do povo palestiniano. É por aqui que passam os primeiros quatro espectáculos a terem presença confirmada na edição deste ano do Alkantara Festival, que acontece entre 15 e 30 de Novembro em diferentes espaços de Lisboa.
A Noiva e o Boa Noite Cinderela, da brasileira Carolina Bianchi, dará início ao festival de teatro, dança e performance, no palco da Culturgest, onde terá a sua estreia em Portugal (o espectáculo, aposta da edição do ano passado do Festival de Avignon, também passará, a 22 e 23 de Novembro, pelo Teatro Campo Alegre, no Porto). Acompanhada pelo seu colectivo Cara de Cavalo, Bianchi reúne histórias de mulheres que foram violadas e de seguida assassinadas para criar, resume o Alkantara Festival numa nota de imprensa, “um espectáculo de violência e morte, na fronteira entre realidade e pesadelo, sem a possibilidade de catarse ou salvação”.
Numa estreia absoluta, no Teatro do Bairro Alto, Francisco Thiago Cavalcanti — “artista da dança, do teatro e da performance, brasileiro, queer, neurodiverso, não-branco, como se apresenta” — desvendará 52blue, produção do Alkantara em que Francisco dá corpo a uma baleia condenada à solidão. “Quando as baleias cantam”, escreve, “cantam para sobreviver, para acasalar, para viajar, para passar o tempo e também para nada”. A baleia desta criação emite um som muito agudo, que fere e afasta as demais. Canta “um som que não pode ser ouvido”.
Aposta forte promete ser Hatched Ensemble, espectáculo com o qual Mamela Nyamza, bailarina e coreógrafa sul-africana, finalmente se estreará em Portugal, apresentando-se no São Luiz. Após o seu solo de 2007 Hatched, em que reflectia sobre a sua vida e percurso como mãe, lésbica e negra, Nyamza reúne no palco nove bailarinos com formação em ballet clássico, e de diferentes proveniências, num exercício de desconstrução crítica das ditas normas da dança clássica. Juntando música clássica ocidental e cantos africanos tradicionais, é um trabalho sobre e para corpos que já sentiram “um conflito com a sua própria identidade e questionaram onde pertencem”. “Os sapatos de ballet usados nesta peça representam o colonialismo, o mundo ocidental; são como ferramentas de opressão. Os tutus brancos representam o casamento, o mundo do ballet no geral. Como os dançarinos de ballet negros não conseguiam sentir-se enquadrados naquele palco”, comentou Mamela Nyamza. “Estamos a criar o nosso próprio mundo de ballet. Estamos a tentar fazer um statement.”
O Alkantara também anunciou esta segunda-feira que trará a Portugal (e especificamente à Biblioteca Palácio Galveias) o espectáculo Querida Laila, de Basel Zaraa, artista palestiniano radicado no Reino Unido. Esta instalação-performance começou a nascer quando, aos cinco anos, a filha de Zaraa lhe perguntou sobre a casa de infância do pai (o campo de refugiados palestinianos em Yarmouk, na Síria): “Querida Laila, tens agora cinco anos e começaste a perguntar-me onde cresci, e porque é que não podemos ir lá.” O artista viaja pelas suas memórias pessoais, que são também memórias colectivas, de luta e resistência.
A edição do Alkantara que se avizinha, sublinha o festival, ficará marcada pelo regresso do Teatro Nacional D. Maria II como co-produtor e apresentador de espectáculos, ainda que a histórica casa permaneça fechada para obras.