Há três florestas europeias que emitem mais gases poluentes do que absorvem e uma delas é portuguesa

O Azul vai publicar, quinzenalmente, quatro artigos de uma investigação de três jornalistas sobre gestão florestal na Europa, apoiada pelo Earth Investigations Programme do Journalismfund Europe.

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A região centro, em Portugal, é uma das áreas com balanço negativo, acompanhada dos bosques de Les Landes em França e da floresta do Harz na Alemanha José Sérgio
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A absorção de carbono e outros gases de efeito de estufa é uma das mais essenciais funções de uma floresta. Mas nos últimos 20 anos três grandes áreas da floresta europeia falharam nesse papel: emitiram mais gases do que absorveram. A região centro, em Portugal, é uma das áreas com balanço negativo, acompanhada dos bosques de Les Landes em França e da floresta do Harz na Alemanha. Numa investigação apoiada pelo Journalismfund.eu, três jornalistas europeus lançam-se na pista do carbono para responder à pergunta: o que torna uma floresta emissora de gases de efeito de estufa?

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Em 2018, no rescaldo dos catastróficos incêndios do ano anterior na região centro, os autores do livro Portugal em Chamas perguntavam se a floresta portuguesa era, de facto uma floresta: “Quando uma área florestal não ajuda a conservar solos, a reciclar nutrientes e a armazenar água, [...] quando não armazena carbono durante longos períodos de tempo, nas folhas e troncos, nos solos, raízes e microrganismos, podemos chamar-lhe floresta?”

A pergunta provocatória e as duras críticas ao livro revelam as divisões profundas que o debate sobre a gestão da floresta gera em Portugal. Mas não é só aqui que isso acontece. Em 2021, a União Europeia preparava uma nova estratégia para as florestas, num debate muitas vezes aceso na Comissão, no Parlamento e entre os parceiros sociais. Na altura, os proprietários e gestores florestais europeus, representados por várias associações do sector, expressaram a sua preocupação, dizendo que a estratégia para as florestas não tinha em conta a realidade no terreno.

A condição das florestas da Europa tem vindo a deteriorar-se, como a própria UE concluiu num estudo de 2020. A estratégia para 2021-2030, que tem por base o Pacto Ecológico Europeu, tem como objectivos melhorar a quantidade e qualidade das florestas europeias e torná-las resilientes face à “incerteza das mudanças climáticas”. Aqui, conta a neutralidade carbónica que Bruxelas planeia atingir em 2050 e a ambiciosa redução das emissões de gases de efeito de estufa (GEE) em pelo menos 55% até 2030.

Com a redução dos GEE na mira da Europa, é justo perguntar-nos o que nos trouxe até aqui. Vários factores explicam o balanço das emissões e os incêndios são geralmente responsáveis por picos substanciais. Não só mais frequentes e destruidores, os fogos florestais já não são um problema circunscrito aos Verões quentes e secos do Sul da Europa: “É evidente que hoje, com as alterações climáticas, nós vemos incêndios onde era absolutamente impensável existirem, na Alemanha e até mais acima”, alerta o investigador e professor da Universidade de Aveiro Miguel Viegas.

Nesta investigação apresentamos os casos mais graves e associamos gestão florestal a emissões, para explicar porque é que algumas florestas passaram de sumidouros de carbono a emissores de carbono. Quando olhamos para estas três florestas da Europa ocidental, há um elemento comum: a monocultura intensiva.

Em Portugal, o eucalipto, matéria-prima essencial para a indústria da pasta de papel, é há muito o centro de um intenso debate público. Em França e na Alemanha, os pinheiros-bravos de Les Landes e os abetos do Harz também geram discussão. Não há dúvidas de que a monocultura florestal tem impactos ambientais negativos, desde logo porque reduz a biodiversidade. Como em tudo, há quem discorde de que esses impactos sejam significativos. Aqui, a questão divide-se entre interesses ambientais e interesses económicos e os equilíbrios possíveis entre eles.

Terra abandonada: Portugal numa nova era do fogo

Em 2018, dois especialistas americanos em incêndios florestais vieram a Portugal estudar a tragédia que tinha atingido o centro do país no ano anterior. “Portugal entrou numa nova era do fogo”, escreveram depois no seu relatório. Mark Beighly e Albert C. Hyde avisaram na altura que, no tempo das alterações climáticas, pequenas reformas não seriam suficientes para diminuir o risco e que sem mudanças rápidas e profundas Portugal poderia esperar algo bem pior do que 2017.

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De acordo com especialistas americanos, uma grande parte da floresta portuguesa está ao abandono, tornando-se especialmente vulnerável aos incêndios José Sérgio

Por detrás da tragédia, diz o relatório, estava a falta de gestão da floresta. Os autores estimavam que 80% da floresta portuguesa não estava a ser gerida. Na origem do problema diziam estar, entre outros factores, as más práticas de gestão, sobretudo associadas à monocultura do eucalipto e pinheiro, responsáveis pela criação de “grandes áreas sobrelotadas de monocultura de classes de idade única”.

Olhando para os dados das últimas duas décadas, a floresta portuguesa foi um sumidouro de carbono na maioria dos anos. O balanço negativo é criado pela subida esmagadora das emissões em anos de grandes incêndios como 2003, 2005, 2013, 2016 e 2017 e é especialmente visível na região centro.

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A contabilidade dos prejuízos, dos mortos e dos hectares queimados não é estranha aos portugueses. É um facto que a floresta arde no Verão. Para além de todos os impactos humanos, sociais e económicos que conhecemos, os incêndios têm também enormes impactos ambientais, ao comprometerem uma das mais básicas funções da floresta – a de absorver carbono. Por isso, na era das alterações climáticas, a pergunta impõe-se: está a nossa floresta preparada para resistir aos incêndios? E ainda: que interesses guiam a gestão florestal em Portugal?

Para começar, é importante dizer que a floresta portuguesa está quase toda em mãos privadas. Mais concretamente, 97% dos proprietários são privados. Apesar do peso dos privados, a floresta em Portugal continua a ser, para muitos proprietários, um mau negócio. A consequência imediata desse desinteresse é o abandono. A falta de perspectivas de longo prazo leva muitos proprietários a investir em espécies de crescimento rápido e que dêem lucro rapidamente. É o caso do eucalipto.

No próximo artigo desta série, vamos olhar mais de perto para as características da gestão florestal em Portugal nas últimas décadas e explicar porque é que a monocultura do eucalipto e a indústria da pasta de papel são alvo de tantas críticas.

Ainda assim, é importante perceber que os problemas não estão só em Portugal e, como vimos, as alterações climáticas criam novos desafios em novas geografias. Olhamos agora para outros dois casos, que têm paralelos com Portugal, mostrando que o desafio da gestão florestal na era das alterações climáticas não conhece fronteiras.

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O pinheiro-bravo é a segunda espécie em área de floresta em Portugal – a primeira é o eucalipto José Sérgio

O reino da monocultura na maior floresta francesa

Para atravessar Les Landes, junto à costa ocidental francesa, são precisas mais de três horas de carro, percorridas entre pinheiros-bravos plantados em filas direitas e sem fim à vista. Com milhões de hectares, estas monoculturas formam hoje a maior floresta artificial da Europa ocidental.

São poucos os silvicultores da região que escolheram um modelo alternativo. Éric Castex é um deles. O proprietário faz parte da rede Pro Silva, uma federação europeia de silvicultores profissionais que promove uma cobertura florestal mista, respeitadora dos processos naturais dos ecossistemas florestais. Seguindo esta filosofia, Éric é um fervoroso adepto da regeneração natural, baseada no princípio de que as sementes crescem naturalmente onde as condições forem favoráveis.

A floresta de Éric Castex é como um jardim secreto onde crescem várias espécies, entre as quais castanheiros e, claro, pinheiros-bravos, que se instalaram naturalmente através da regeneração natural. Muitos já se tornaram seguidores desta “floresta desordenada”, como Éric lhe chama. “O que me interessa é o mundo vivo e há tipos de conhecimento que não podemos ignorar”, diz Éric. Uma floresta diversa, explica, é capaz de manter a rede micorrízica que, invisível aos olhos humanos, liga árvores e fungos numa relação de simbiose. É através destas ligações que se transfere água, nitrogénio, carbono e outros minerais essenciais, regulando assim a humidade da floresta, num processo essencial para a resistência a fogos e pragas.

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A floresta de Les Landes tem milhares de hectares de pinheiro-bravo ERIKA DI BENEDETTO

Como muitos outros, este silvicultor aprendeu o tipo de gestão florestal ensinado nas universidades francesas, mas cedo se sentiu desalinhado com as práticas convencionais. A gota de água foi as medidas lançadas depois das devastadoras tempestades que atingiram Les Landes em 1999 e 2009. Nessa altura, decidiu-se reflorestar a região com as mesmas monoculturas de pinheiro-bravo do passado. Éric Castex e outros membros da Pro Silva, vendo na necessidade de reflorestação uma oportunidade para repensar a floresta, não compreenderam a aplicação do mesmo modelo.

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O pinheiro-bravo, dominante em Les Landes, é para usado produzir madeira para a construção civil, mobiliário, papel, biomassa, entre outras utilizações ERIKA DI BENEDETTO

França enfrenta incêndios florestais cada vez maiores e mais frequentes. Em 2022, no Verão em que a serra da Estrela ardeu como há muito não se via, Les Landes enfrentou também enormes incêndios, com severo impacto ambiental: 30 mil hectares ardidos e cerca de um milhão de toneladas de CO2 libertado para a atmosfera.

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Éric Castex aposta na regeneração natural e defende a plantação de espécies autóctones ERIKA DI BENEDETTO

A exploração intensiva desta floresta tem vindo a ser muito criticada. Apesar da clara falta de resiliência da floresta, a produção florestal continua a crescer. Práticas como o corte raso, a hibridização das pinhas para aumentar o ritmo de crescimento, o uso de máquinas que destroem o solo ao destruir vegetação e raízes, têm merecido oposição de muitos ambientalistas, académicos e gestores como Éric Castex e os membres da Pro Silva.

“Temos de desenvolver estratégias de gestão que preservem as funções fundamentais da floresta e das quais dependemos”, alerta Cornelius Senf, investigador e professor de Ecologia na Universidade Técnica de Munique. Para Éric Castex, a Pro Silva e outros agentes no terreno, um modelo de exploração intensiva não atende essas necessidades.

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Mais de 30 mil hectares arderam em Les Landes no Verão de 2022 ERIKA DI BENEDETTO

O poderoso lobby florestal francês é alimentado por decisões políticas e apoio financeiro público. A maior cooperativa florestal do país, a Alliance Forêt Bois, tem grande influência em Les Landes e tem vindo a expandir-se para toda a costa ocidental francesa, adquirindo empresas a montante e jusante do sector madeireiro para assim controlar todas as fases de produção. Das árvores que plantam, 94% são coníferas, família que inclui o pinheiro-bravo.

Já em Junho deste ano, a cooperativa anunciou a replantação de 10 milhões de pinheiros-bravos na região, depois dos catastróficos incêndios de 2022, de acordo com a imprensa local. A Alliance e outros grupos defendem que a monocultura e práticas como o corte raso são necessárias à exploração económica da terra.

Longe dos lucros dos grandes grupos industriais, o negócio de Éric Castex é ainda assim sustentável. Há duas décadas que ele gere a sua terra e a de outros proprietários em Les Landes. Apesar da qualidade da madeira que produz, reduz custos usando menos maquinaria e apostando na regeneração natural. Nos últimos anos, os seus resultados têm atraído atenções e Éric espera inspirar outros a seguir o seu modelo. A resistência aos fogos e às pragas é também exemplo do sucesso desta pequena floresta, cuja biodiversidade resiste entre milhares de hectares de monocultura intensiva.

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A floresta de Éric Castex é um jardim desordenado entre hectares de monocultura ERIKA DI BENEDETTO

Uma floresta-fantasma no coração da Alemanha

Da praça do mercado de Wernigerode, nas montanhas do Harz, vê-se uma das mais belas formas de CO2 armazenado: seculares esculturas de madeira que decoram as casas típicas desta região da Alemanha central. A câmara municipal foi construída com troncos de árvores caídos há mais de 500 anos na vizinha floresta do Harz. A madeira é a mais antiga forma de CAC, isto é, captura e armazenamento de carbono.

A cidade é atravessada por uma linha de comboio, que nos leva através das serras do Harz, durante séculos quase completamente cobertas de uma floresta densa. Estas eram, na sua maioria, áreas para exploração comercial onde o abeto foi, outrora, a espécie dominante. A espécie é pouco comum em Portugal e geralmente cresce nas regiões frias do hemisfério norte, uma árvore de grande porte e em forma de cone, como um pinheiro, a cuja família pertence. Hoje, do velho comboio a vapor vêem-se apenas clareiras: dois terços dos abetos morreram. Troncos brancos e cinzentos, mortos, erguem-se no alto, uns sobre os outros, como varas gigantes de micado.

O fenómeno não é exclusivo do Harz. Em cotas mais baixas, as serras alemãs foram particularmente afectadas, como mostram os dados do Global Forest Watch (GFW). Entre 2011 e 2022, a Alemanha perdeu 1,23 mil milhões de hectares de floresta – quase 10% do total do país. Quatro em cada cinco árvores na Alemanha estão doentes, segundo o relatório florestal nacional. Mais, diz o biólogo e professor de Conservação da Natureza da Universidade de Eberswalde Pierre Ibisch: 180 mil hectares de floresta foram danificados de forma irreversível ou morreram. Estes são os sintomas da seca no Harz, que afecta o solo até às camadas mais fundas e está associado às monoculturas da região.

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A floresta morta vista da linha-férrea que atravessa o Harz Kai Rüsberg

Se nos apearmos do comboio na zona de planalto, parecemos entrar num cenário de guerra. Pragas de escaravelhos derrubaram quase toda a floresta. Conseguimos ver buracos na casca dos abetos, feitos por estes insectos, desenhando pequenos túneis que se multiplicam até correrem lado a lado. As larvas vivem na própria casca, de que as árvores dependem para sobreviver, e alimentam-se da sua seiva. Se se multiplicarem demasiado, a árvore morre.

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Como um jogo de micado: abetos mortos no Harz Kai Rüsberg

A maioria das espécies de escaravelhos só ataca ramos secos e madeira morta. Árvores saudáveis conseguem normalmente resistir à praga produzindo uma resina pegajosa. Mas os abetos do Harz foram sendo enfraquecidos por anos e anos de seca. Entre 2018 e 2022, choveu muito menos do que o normal e registaram-se períodos de calor demasiado longos para o clima da região. Foram estes efeitos das mudanças climáticas que tornaram a floresta vulnerável à invasão de escaravelhos. Quando falamos de pragas intensas, nem as árvores saudáveis estão a salvo. Além disso, os abetos, ali plantados durante séculos para fins comerciais, não são nativos do Harz e, por isso, têm dificuldade em resistir às pragas da região.

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Vítimas do vento: troncos de abeto quebrados no planalto do Harz Kai Rüsberg

As enormes quantidades de madeira morta resultantes da queda das árvores acabaram por gerar uma disputa. Alguns proprietários limparam as áreas afectadas, mas a administração do Parque Nacional do Harz fez exactamente o contrário. De acordo com os gestores do parque, a madeira morta fortalece a floresta, ao armazenar água, funcionando assim como uma defesa contra incêndios.

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Marcas da praga de escaravelhos, em resultado da seca que afecta a região Kai Rüsberg

A ONG ambiental Naturschutzbund defende que deixar ficar a madeira morta tem vantagens, como a criação de habitats propícios a muitos organismos, como fungos e insectos, e o aprisionamento de CO2 no solo. Além disso, a maquinaria pesada necessária para fazer a limpeza causa danos irreversíveis no solo. À falta de um entendimento, a disputa foi a tribunal e os ambientalistas ganharam. A maior montanha do Harz é, agora, uma floresta-fantasma de abetos mortos.

Esta investigação foi desenvolvida pelos jornalistas Rita Cruz, Louisa Bouri-Saouter e Kai Rüsberg. Rita Cruz é jornalista freelancer e vive e trabalha actualmente em Gotemburgo, Suécia, assim como Louisa Bouri-Saouter, jornalista francesa a viver em Estocolmo. Kai Rüsberg trabalha como jornalista para o serviço público de rádio e televisão ARD, na Alemanha.

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