Lei dos metadados adiou investigação a homem agora detido por pornografia infantil

Inspectora-chefe da PJ alerta que se a investigação tivesse continuado quando o sujeito foi identificado, em 2019, poderiam ter sido evitáveis alguns casos de abuso e pornografia infantil.

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Investigação durou cerca de quatro meses. "Demos prioridade a este inquérito porque poderia haver crianças que estariam a ser vítimas de abusos", diz PJ Daniel Rocha
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Um homem, de 24 anos, foi detido na zona Norte do país fortemente indiciado pela prática de crimes de pornografia de menores e de abuso sexual de, pelo menos, quatro crianças, anunciou a Polícia Judiciária (PJ). Em declarações ao PÚBLICO, neste sábado, a inspectora-chefe da PJ Carla Costa, refere que o indivíduo foi presente ao primeiro interrogatório na sexta-feira, tendo ficado em prisão preventiva. O homem já tinha sido referenciado em 2019 internacionalmente como um indivíduo que partilhava ficheiros de pornografia de menores, mas, à data, o processo não avançou dada a declaração de inconstitucionalidade da lei dos metadados.

De acordo com a também coordenadora da secção da PJ de combate à pornografia de menores, o processo referido foi mesmo arquivado sem que o agora detido tivesse sido abordado. “​Ou seja, se tivéssemos intervindo na altura havia crianças que não teriam sido vítimas de abusos tanto tempo ou nem sequer tinham sofrido qualquer abuso porque alguns dos abusos foram posteriores a essa data”​, adianta.

Em Dezembro último, o Tribunal Constitucional (TC) voltou a declarar a inconstitucionalidade dos metadados, e deixou, em simultâneo, um aviso. Em causa está o chumbo das normas que permitem a recolha e conservação indiscriminada de metadados para efeitos de investigação criminal, na versão aprovada em Outubro na Assembleia da República.

​O acórdão deixa uma advertência às autoridades de investigação criminal, lembrando que o quadro legal que ainda suporta o seu acesso às bases de dados de facturação das operadoras nunca foi submetido ao crivo do TC. Ou seja, no limite, os investigadores podem vir a ter a vida ainda mais dificultada se um dia chegar ao tribunal um pedido de fiscalização deste outro diploma.

Voltemos ao caso em apreço. Em comunicado na sexta-feira, a PJ, que não especifica a localidade da detenção, refere que a investigação durou cerca de quatro meses, tendo-se iniciado “com a sinalização de ficheiros compatíveis com conteúdos de abuso e exploração sexual de crianças, aparentemente produzidos em território nacional”.​

“Agora já foi possível [avançar com o processo de investigação] porque conseguimos perceber que se trataria do mesmo indivíduo e, já havendo essa nota de que era suspeito da partilha de ficheiros de pornografia de menores, e, agora, tendo conhecimento de que eventualmente poderia produzir conteúdos, foi um sinal de alerta que nos levou a desenvolver a investigação até no mais curto espaço de tempo possível. Demos prioridade a este inquérito porque poderia haver crianças que estariam a ser vítimas de abusos”, explica a inspectora-chefe.

Segundo a PJ, “um trabalho exaustivo de pesquisa e análise permitiu a identificação de conteúdos produzidos pelo homem, através dos abusos sexuais cometidos contra crianças no seio familiar, tendo sido possível identificar, até ao momento, quatro vítimas. Três das quais ainda são menores e uma quarta vítima que, entretanto, já atingiu a maioridade, mas, à data dos abusos, ainda tinha menos de 18 anos.

A operação esteve a cargo da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica da Polícia Judiciária. A PJ refere ainda que “o cabal esclarecimento da actividade ilícita, bem como a identificação de outras eventuais vítimas, dependerá das diligências de investigação complementares, para as quais contribuirá o resultado das perícias aos equipamentos apreendidos”.

Há cerca de um ano, o PÚBLICO noticiava que a invalidade de metadados - que engloba dados como o dia, a hora, a duração, o número de destino e a localização dos aparelhos envolvidos numa chamada ou num acesso à Internet - já destruiu dezenas de casos de pornografia infantil, tanto durante a investigação como na fase de julgamento.

Na maior parte dos casos de pornografia infantil, o ponto de partida é o endereço IP [uma identificação única para cada equipamento electrónico ligado a uma rede] que depois pode permitir identificar quem está a partilhar aquele conteúdo. Se não pudermos ter acesso ao IP não conseguimos sequer começar a investigar, explicava então Pedro Verdelho, director do Gabinete de Cibercrime, que coordena a actividade do Ministério Público na área da cibercriminalidade.

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