Streaming: liberdade ou limitação?

Com as plataformas de streaming a aumentar, não foram só as bilheteiras de cinema a sofrer. Blu-Ray? DVD? Relíquias do passado. E, sem eles, perde-se também um pouco da nossa liberdade.

Foto
Megafone P3 Getty Images
Ouça este artigo
00:00
04:38

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

As plataformas de streaming chegaram e com elas uma revolução. Com a Netflix, a Max, a Disney+, a Prime Video (e tantas outras) o consumo de entretenimento alterou-se por completo. Cada uma apresenta uma biblioteca de centenas de produtos, muitos destes idealizados, produzidos e estreados exclusivamente nessa plataforma.

Tomemos como exemplo a Disney+, que se apropriou de uma série de franchisings que mexem a agulha da cultura pop. Fã de Star Wars? Subscreva a Disney +! Gosta da Marvel? Subscreva a Disney+! Interessado na National Geographic? Subscreva a Disney+! E então os filmes da Disney? Também estão na Disney+! E, assim, qualquer série ou filme pode ser utilizado como bandeira para justificar a subscrição do serviço inteiro.

Desta exclusividade resultam problemas, como a crescente escassez de outras formas de consumo deste entretenimento. Quando estes franchisings passam a estar concentrados no mesmo local virtual, torna-se obsoleta a sua disseminação em formato físico, nomeadamente a edição em Blu-Ray ou DVD. E isto tira-nos liberdade.

Se é cada plataforma a decidir que conteúdo ter na sua biblioteca e até quando, o que acontece se este conteúdo desaparecer? Porque, e não haja disso dúvida, qualquer plataforma de streaming, e respectivos conteúdos, são apenas temporariamente alugados pelo consumidor. Nunca se tornam, de facto, nossa propriedade. E esta noção, que a BBC apelidou certeiramente de "streaming anxiety", não escapa aos profissionais da área.

Christopher Nolan, realizador do recentemente editado em Blu-Ray/DVD Oppenheimer, não deixa dúvidas: “Actualmente, há o perigo de que se algo apenas existir em streaming possa ser retirado. As coisas vão e vêm. Comprem uma versão do filme que possam ter em casa, guardado na prateleira, para que nenhum serviço malvado de streaming o possa roubar.” O realizador Guillermo Del Toro, em resposta a estas declarações, afirmou na rede social X que “os media físicos são uma responsabilidade. Se são donos de uma edição em Blu-Ray ou DVD, então têm a custódia desses filmes para as gerações seguintes”.

Mas a nossa liberdade de acesso a conteúdo é também limitada noutro aspecto. Porque, convenhamos, coleccionar Blu-Ray e DVD era sobre mais do que apenas o filme em si, não era? Era pela beleza das edições e pelo que acrescentavam à nossa prateleira, pela riqueza do material extra, das cenas cortadas, das entrevistas do elenco, dos trailers. Era por tudo o que nos permitia entrar dentro do filme e ir além deste.

O que sobra, actualmente, é uma miragem. Mesmo para os filmes ainda editados, a riqueza das edições não é comparável. Senão veja-se: a edição em DVD (editada em 2005) do 25.º aniversário da saga de ficção-científica/terror Alien tem quase 100 horas de material extra. A edição em Blu-Ray (editada em 2024) de Dune 2 publicita com orgulho a sua “quase uma hora de extras!”. Há algo que se perde, aqui.

Para os consumidores mais atentos, isto já não é novidade. Segundo a BBC, nos EUA, as vendas de DVD caíram 86% entre 2006 e 2019 e, em 2021, os media físicos representavam apenas 8% do mercado de entretenimento. Já a Variety noticiou que a Best Buy iria encerrar a partir de 2024 as vendas de Blu-Ray e DVD nas suas lojas, sob a justificação de que “a forma como vemos filmes e séries hoje em dia é muito diferente do que era há décadas.”

Por Portugal, o cenário não é muito diferente e há algum tempo que qualquer loja Fnac já não tem uma zona de Blu-Ray e DVD. Ainda é possível comprar media físicos através do site da multinacional, mas as novidades mais recentes da oferta de Blu-Ray da Fnac, como Indiana Jones e o Marcador do Destino (estreado em Junho de 2023), não são tão recentes assim. Segundo o realizador James Cameron: “As plataformas de streaming estão a negar-nos acesso a alguns filmes. E acho que as pessoas estão a responder de forma natural.”

E que resposta é essa? Em Dezembro de 2023, a Variety noticiou que as vendas de Blu-Ray de Oppenheimer esgotaram numa semana na Best Buy (pouco antes de anunciar o encerramento das vendas) e na Amazon, provavelmente motivadas pelos apelos de Christopher Nolan. O The Guardian, em Março de 2024, diz-nos que o streaming esteve “muito perto de matar os media físicos”, mas que uma contra-revolução pode estar a caminho.

Oxalá seja esse o caso. É, afinal de contas, uma questão de liberdade.

Sugerir correcção
Ler 7 comentários