Porque é que o calor causa dores de cabeça? Como evitá-las?

As dores de cabeça são uma mistura de fatores ambientais. Contudo, o calor está destacada como uma delas. Eis o que deve saber sobre as dores de cabeça provocadas pelo calor e como evitá-las.

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Beber água e bebidas com electrólitos é uma das soluções para ajudar o seu corpo a reabastecer-se Miguel Silva
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Audrey Pachuta teve a sua primeira dor de cabeça causada pelo calor quando tinha nove anos. Durante um torneio de softbol nesse Verão, o seu estado natal, Nova Jérsia, estava num calor abrasador, deixando os jogadores em campo a enfrentar um calor superior a 32 graus Celsius.

Depois de cada jogo, sentia dores fortes atrás dos olhos, como recorda. "Não consigo ver!", gritou ao pai depois de um jogo particularmente quente. Agora com 19 anos, Pachuta sabe que os problemas de visão que tinha eram resultado de enxaquecas, desencadeadas pelo calor.

Desde então, as ondas de calor têm vindo a tornar-se mais frequentes e prolongadas em todo o mundo, devido às alterações climáticas. Estima-se que 39 milhões de americanos sofram de enxaquecas, de acordo com a American Migraine Foundation. Em Portugal, a Sociedade Portuguesa de Cefaleias estima que 700 mil portugueses sofram de enxaquecas graves.

Metade das pessoas que sofrem de enxaqueca refere que o clima é um dos factores que desencadeia as suas dores de cabeça, segundo Elizabeth Loder, chefe da Divisão de Cefaleias do Brigham and Women's Hospital.

O calor provoca realmente dores de cabeça?

O calor pode ser um factor importante, concordam os especialistas, embora o aparecimento de uma dor de cabeça seja frequentemente uma mistura de factores ambientais. As temperaturas elevadas são frequentemente acompanhadas de alterações da pressão barométrica, da exposição directa ao sol e da humidade, e estas alterações ambientais podem desencadear dores de cabeça para quem sofre de enxaquecas.

"O cérebro da enxaqueca não gosta de variabilidade", diz Jessica Ailani, neurologista e directora do Centro de Cefaleias do MedStar Georgetown. "Ele quer que se durma sempre à mesma hora, que se coma a mesma coisa. Portanto, grandes mudanças de temperatura e clima não se dão bem com a enxaqueca".

Os especialistas não têm a certeza do mecanismo exacto pelo qual o calor pode desencadear uma dor de cabeça, embora o calor possa levar a processos que são conhecidos por causar dor de cabeça.

A desidratação extrema pode fazer com que o cérebro encolha e puxe os vasos sanguíneos que revestem o cérebro, o que pode levar a dores físicas, esclarece Loder. Em casos extremos, o calor pode afectar a função dos neurónios cerebrais, segundo o neurologista Narayan Kissoon, da Mayo Clinic. A função celular alterada leva a um aumento da actividade nos centros de dor do cérebro, refere.

Qual é a diferença entre uma dor de cabeça e uma enxaqueca?

A dor de cabeça é um sintoma comum de muitas doenças, explica Loder, enquanto a enxaqueca é um distúrbio neurológico que causa dores de cabeça. "É como a diferença entre espirrar (possivelmente uma alergia) e uma constipação (que é uma doença viral específica)", disse Cherubino Di Lorenzo, responsável pela área de neurologia da Universidade Sapienza de Roma, por email.

As pessoas diagnosticadas com enxaqueca têm dores de cabeça devido a uma série de factores, incluindo o stress, a desidratação, a falta de sono – e, sim, o calor, segundo os especialistas. As mulheres sofrem mais de enxaqueca do que os homens. A enxaqueca vem normalmente acompanhada de outros sintomas, como náuseas, fadiga, tonturas e hipersensibilidade à luz ou ao som.

Pachuta encontra alívio para uma enxaqueca induzida pelo calor deitando-se num quarto escuro com os olhos fechados até que a dor atrás dos olhos desapareça. Pachuta consegue detectar precocemente uma crise de enxaqueca se uma ligeira dor de cabeça for acompanhada por uma sensação geral de estar "desligada".

Mas é improvável que o calor provoque uma dor de cabeça em pessoas que não são tipicamente afectadas por ela, disse Loder. Nestes casos, uma dor de cabeça induzida por temperaturas elevadas pode ser o sinal de uma doença relacionada com o calor mais grave, como a exaustão pelo calor ou a insolação, acrescenta. É importante reconhecer estes sintomas precocemente, hidratar-se e encontrar um local para arrefecer.

Será apenas desidratação?

A desidratação pode certamente piorar a capacidade do seu corpo para lidar com o calor, mas não é necessariamente a causa da dor de cabeça induzida pelo calor, concordam os especialistas.

O calor extremo pode levar a um desequilíbrio electrolítico, uma vez que o corpo perde sódio através da transpiração, o que significa que é importante reabastecer-se de electrólitos, bem como de água.

"A desidratação está intimamente ligada a desequilíbrios electrolíticos, uma vez que a água segue o sal", afirma Kissoon. "Com a perda de sal, o corpo é menos capaz de reter a água". No entanto, as cefaleias provocadas pelo calor podem ocorrer mesmo quando uma pessoa está bem hidratada.

Patrick Cortesi, 55 anos, é um paisagista do distrito de Bloomington, Illinois, nos EUA. Como o seu trabalho exige que esteja ao ar livre 40 horas por semana, Cortesi usa equipamento de protecção solar, bebe muita água e faz pausas no ar condicionado durante os dias mais quentes do ano.

Mesmo assim, Cortesi sofre com várias dores de cabeça durante a semana numa região conhecida por ser quente e húmida, que podem criar evapotranspiração das plantas (sobretudo de colheitas). "Não se trata apenas de desidratação", disse Ailani. "É preciso cuidar melhor de si próprio sempre que o índice de calor chega a este ponto..."

O que é que se pode fazer para aliviar os sintomas?

Os especialistas dizem que não se deve ignorar estas dores de cabeça. Uma dor de cabeça induzida pelo calor, especialmente se não sofre de enxaquecas, é um sinal de que as coisas podem piorar.

Saia do calor e tente refrescar-se com uma bebida fresca ou um saco de gelo. Procure ar condicionado dentro de casa e tire partido dos centros de arrefecimento durante uma vaga de calor.

Beba água e bebidas com electrólitos para ajudar o seu corpo a reabastecer-se. Adicione electrólitos à sua água polvilhando-a com um pouco de sal ou sumo de limão, esclarece Ailani. Depois, pode utilizar as estratégias que normalmente o ajudam a gerir uma dor de cabeça, acrescenta, como deitar-se num quarto escuro com os olhos fechados. Evite os alimentos que provocam a desidratação e reduza a ingestão de álcool, que pode contribuir para a desidratação, afirma Kissoon. Bebidas açucaradas também podem levar à desidratação, disse Di Lorenzo.

Outra sugestão aparentemente óbvia? Evitar os treinos ao ar livre durante as temperaturas elevadas. "Parece um conselho trivial, mas quase todos os casos relatados na literatura de dor de cabeça por insolação aconteceram em pessoas que não seguiram esta regra de senso comum", disse Di Lorenzo.

Se precisar de estar ao ar livre, os óculos de sol podem ser uma medida preventiva útil, acrescentou. Existem vários medicamentos de venda livre para a dor de cabeça, como a aspirina e o paracetamol. Os médicos também podem prescrever triptanos, que funcionam ligando-se aos receptores de serotonina e impedindo a libertação de substâncias que estimulam a actividade nervosa, disse Loder.

Os tratamentos para a enxaqueca recentemente aprovados pela Food and Drug Administration dos EUA incluem os antagonistas do CGRP, que têm como alvo a molécula que desempenha um papel nas dores de cabeça.

O Lasmiditan, que funciona de forma semelhante aos triptanos, pode ser mais seguro para os doentes com enxaqueca com historial de doença vascular, disse Kissoon. Além disso, os tratamentos preventivos, como os anticorpos monoclonais CGRP, bloqueiam a acção do CGRP e são tomados por uma pessoa que tenha enxaquecas, independentemente de ter ou não dores de cabeça.

"Recomendamos que uma pessoa com enxaqueca que tenha seis ou mais dias por mês de qualquer tipo de dor de cabeça tome um medicamento preventivo para reduzir os dias em que tem dor de cabeça", disse Kissoon. Para as pessoas que se debatem com dores de cabeça, é importante contactar o seu profissional de saúde. "Não é uma coisa sem esperança", diz Ailani. "Há muitos tratamentos para ajudar a ultrapassar estes meses difíceis."

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post