Rankings e a procura dos demónios errados

Temos evidência de que a publicação destes rankings acelerou o encerramento de colégios com fracos resultados, ou que a suspensão da sua publicação pode, na verdade, levar a uma queda dos resultados.

Ouça este artigo
00:00
04:15

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Chegou a divulgação dos rankings, um tempo de habitual entrincheiramento do debate, entre os que gostam e não gostam dos rankings, entre os que gostam e não gostam do instrumento que os alimenta: os exames nacionais. Fico sempre com a sensação de que por muita discussão que possamos ter sobre ambos, nesta altura do ano reduzimos os problemas da educação a estes dois supostos demónios — o que é um erro. Vejamos porquê e foquemo-nos nos verdadeiros problemas.

Os rankings têm uma enorme vantagem: informação pública, transparente e clara. Pais, professores e demais agentes do sistema podem conhecer os resultados dos alunos. Temos hoje evidência de que a publicação destes rankings acelerou o encerramento de colégios com fracos resultados em Portugal, ou que a suspensão da publicação destes rankings pode, na verdade, levar a uma queda dos resultados dos alunos.

Isto significa que os rankings são perfeitos? Não. Por isso, mais do que discutirmos a sua existência, devemos discutir a sua leitura e as possibilidades de melhoria. Quando for consultar o ranking deste ano, o leitor notará que a diferença de médias entre a escola no 1.º ou no 10.º lugar é provavelmente de apenas umas décimas. Estas diferenças são curtas para afirmar se entre estas duas escolas existe uma diferença significativa.

Por isso, quando olhamos para os rankings, devemos ter em conta os seguintes aspetos. Em primeiro lugar, os resultados devem ser lidos por grupos de escolas e por intervalos de médias, e não por ordenações, que pouco dizem. Em segundo lugar, para além das mudanças de um ano para o outro, seria relevante sabermos a evolução de longo prazo de cada escola. Em terceiro lugar, cada vez mais devemos olhar para o ranking de acordo com as condições socioeconómicas das escolas.

O ranking existente deixa de fora as escolas privadas, que não disponibilizam os dados sociodemográficos necessários para nele serem incluídas. Até hoje, este ranking é feito exclusivamente para as escolas públicas, as únicas que disponibilizam estes dados. É tempo de as escolas privadas disponibilizarem esta informação, ou serem levadas a disponibilizá-la, para que quem trabalha e estuda o sistema possa analisar o contributo de todas escolas para a aprendizagem dos seus alunos.

Falemos agora do segundo demónio comum nesta temporada, os exames. Muito do debate insiste que o resultado nestes testes está ferido pelas desigualdades sociais. Tal visão parte do pressuposto errado de que, se a avaliação fosse apenas determinada pelo professor, esta desigualdade desapareceria. A evidência sobre avaliação interna de professores, inflação de notas ou diferenças de género entre alunos na avaliação interna diz-nos exatamente o contrário.

Os exames são assim um regulador útil e necessário na aprendizagem dos alunos. São, contudo, os exames perfeitos? Não, e por isso o debate sobre os exames deve evoluir para uma discussão sobre a sua construção, nomeadamente como melhorar a sua comparabilidade ao longo do tempo ou como combinar feedback quantitativo e qualitativo sobre os resultados dos alunos. Qualquer política que trabalhe nestas dimensões irá no sentido de melhorar o sistema de avaliação externa que hoje temos.

Por isso, neste e nos próximos dias, não olhemos para os rankings e para os exames como os demónios no sistema. Esses são outros. Falemos de três. Desde logo, a falta de professores, por todos conhecida, em conjunto com a necessidade de criarmos programas de integração para o cada vez maior número de novos professores a chegar às escolas. Outro verdadeiro desafio são as escolas com alunos de origens cada vez mais diversas, que muitas vezes não falam português.

É necessário desenhar programas de indução destes alunos, que requerem investimento e escala para serem sustentáveis. Outro dos verdadeiros problemas está na creche e no pré-escolar. A recente gratuitidade da creche, uma medida benévola, criou uma pressão enorme sobre o sistema e uma gestão difícil da oferta de educadores e de lugares nas redes de creches e de pré-escolar.

Estes são alguns dos problemas que desaguam na desigualdade de resultados que vemos nos rankings e nos exames. Esconder essa desigualdade de resultados só serve para nos deixar ainda mais cegos sobre os verdadeiros desafios do sistema.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 4 comentários