Não será o efeito sistémico dos rankings mais negativo que positivo?

Investigação a partir dos dados do PISA mostra que, desde 2000, Portugal nunca conseguiu ganhos significativos em termos de equidade. Apesar de tantas reformas ou por causa delas?

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Os rankings que os jornais publicam todos os anos resultam, no essencial, de uma ordenação das escolas pelas notas obtidas pelos seus respetivos alunos nos exames nacionais. Que informação útil pode alguém retirar de uma lista com estas características? Pouca, além de saber que as escolas que estão no topo têm uma concentração de alunos com notas muito boas nos exames nacionais.

Os rankings nada esclarecem quanto aos desafios específicos que cada escola enfrenta, nem, consequentemente, do maior ou menor sucesso a enfrentá-los. Dito de outra forma, uma escola que trabalha com alunos (e pais) de elite, altamente motivados para a entrada em cursos competitivos, tem o caminho muito facilitado para ocupar uma posição de destaque. Já uma escola com alunos desfavorecidos que desenvolva um bom trabalho pedagógico, não aparecerá em destaque nestes rankings (e sabemos bem que os rankings da superação não têm a mesma visibilidade que os rankings tradicionais).

De resto, é interessante verificar que quando, enquanto parte de um projeto de investigação sobre o impacto da publicação dos rankings no trabalho das escolas, entrevistámos diretores de escolas e colégios bem e mal posicionados nos rankings, todos referiram ser esta uma comparação sem sentido. Com efeito, tanto diretores das escolas em piores posições como diretores das escolas do topo referiram ser injusta uma comparação entre escolas que têm alunos tão diferentes.

Por si só, isto não parece ser um problema; será apenas uma comparação injusta e sem sentido. Mas, reflita connosco… Se, genericamente, pais e alunos, particularmente das classes médias e altas, olharem para estes rankings como indicadores da qualidade do trabalho das escolas, a consequência será que se deixarão influenciar por essa decisão na altura de escolherem uma escola. Assistiremos então a uma transferência de alunos, particularmente os de meios favorecidos, para determinadas escolas que aparecem em destaque nestas listas, em particular escolas privadas.

E, agora, ponha-se no lugar do diretor de uma destas escolas. Sabe do peso social que este resultado acarreta. É grande, e todos os diretores de escolas entrevistados o referiram na investigação que fizemos. Imagine que é o diretor de uma escola de elite e tem agora cada vez mais alunos a tentarem entrar para a sua escola.

Que critério usará para selecionar quem entra e quem deixa de fora? Provavelmente as notas anteriores e outros indicadores de desempenho académico, já que tem assim a melhor garantia de uma ótima prestação dos alunos nos próximos exames nacionais e, consequentemente, um bom lugar no ranking do próximo ano e respetiva publicidade e reconhecimento social.

Note bem os incentivos: nenhum para escolher os estudantes mais desafiantes, aqueles que mais precisam de um ensino de qualidade! Todo o incentivo é orientado para a seleção dos estudantes que já demonstrem maior capacidade académica.

E pense, finalmente, nas consequências de tudo isto para o sistema educativo como um todo. Cada vez mais, os alunos que tiram melhores notas se juntam em escolas de elite, criando-se, no outro extremo do ranking, escolas-guetos com os alunos mais fracos e desfavorecidos. Numa espiral que se aperta mais a cada nova volta.

O que fazer agora com estas escolas-guetos? Fechá-las? Quem receberia os seus alunos? As de elite certamente recusariam: iriam estragar-lhes o ranking e, de resto, nunca aprenderam a ensiná-los. Os poucos que tiveram foram sendo empurrados para fora.

Notará o leitor mais atento que, sintomaticamente, Portugal estagnou há já muitos anos nas comparações internacionais do desempenho académico. Investigação atual que temos vindo a conduzir sobre o sistema português a partir dos dados do PISA mostra que, desde o início da sua participação, em 2000, Portugal nunca conseguiu ganhos significativos em termos de equidade. Apesar de tantas reformas, da repetitiva e estafada inovação, dos programas para as escolas desfavorecidas e, também, dos rankings. Apesar? Ou talvez por causa deles? Não será o seu efeito sistémico muito mais negativo que positivo?

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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