Shelley Duvall (1949-2024), a esposa aterrorizada de The Shining

Actriz foi musa de Robert Altman e uma das mais singulares presenças no cinema americano dos anos 1970. Faleceu aos 75 anos, depois de um quarto de século afastada dos ecrãs

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A actriz Shelley Duvall getty images
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Uma das emblemáticas cenas do filme Shining, de Stanley Kubrick getty images
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O rosto da actriz Shelley Duvall, falecida esta quinta-feira aos 75 anos de idade, devido a complicações de diabetes, tornou-se indissociável da sua expressão de terror nas fotos de rodagem do filme de Stanley Kubrick The Shining (1980). "Uma experiência que não trocaria por nada," como disse a actriz numa entrevista, "porque era o Stanley, e porque foi uma aprendizagem fascinante. Mas não quereria voltar a ter uma experiência assim."

E, de facto, não teve. A actriz que foi uma das maiores descobertas do cinema americano dos anos 1970, trabalhando com Robert Altman e Woody Allen e vencendo o prémio de interpretação feminina em Cannes em 1977 por Três Mulheres, dedicar-se-ia essencialmente à televisão para crianças nos anos 1980 como produtora, fazendo pontuais aparições em séries como As Teias da Lei ou aceitando papéis secundários em filmes como Os Ladrões do Tempo, de Terry Gilliam (1981), Roxanne, de Mick Jackson (1987) ou Retrato de uma Senhora, de Jane Campion (1996).

Nascida em 1949 no Texas, Shelley Duvall, filha mais velha de um advogado e de uma mediadora imobiliária (e sem parentesco, apesar do apelido, com o actor Robert Duvall), não tinha experiência nem particular vocação para a representação. Mas a energia instintiva que a actriz emitia, bem como a sua presença desengonçada e excêntrica, cativou Robert Altman, que estava em 1970 no Texas a rodar Brewster McCloud, e que a convidou a entrar no filme.

Seria o primeiro dos sete filmes em que Altman a dirigiu, seguindo-se-lhe em rápida sucessão A Noite Fez-se para Amar (1971, com Warren Beatty e Julie Christie), Todos Somos Ladrões (1974), Nashville (1975), Buffalo Bill e os Índios (1976) e Três Mulheres (1977), ao lado de Sissy Spacek e Janice Rule. Este último valer-lhe-ia o prémio de representação feminina em Cannes e levaria ao convite de Stanley Kubrick para o papel principal feminino da sua adaptação de Stephen King, contracenando com Jack Nicholson.

Altman dirigi-la-ia uma última vez, no papel de Olívia Palito na mal recebida extravagância musical Popeye (1980), com canções de Harry Nilsson e Robin Williams no papel do marinheiro criado pelo cartoonista E. C. Sagar. Um papel que Duvall diria ter nascido para interpretar, "porque quando eu era pequena os miúdos chamavam-me Olívia Palito por eu ser tão magrinha e ter pernas fininhas".

Em 1977, numa entrevista ao diário norte-americano The New York Times e agora citada pelo britânico The Guardian, a actriz dizia do cineasta: "Ele oferece-me papéis do caraças, nenhum dos quais igual ao anterior": "O Bob é como família para mim", disse do realizador falecido em 2006. "Ele confia muito em mim, respeita-me, não me restringe nem me intimida." Ao contrário de The Shining, treze meses de rodagem intensa e tensa durante os quais Kubrick "antagonizou" o elenco e na qual Duvall e Nicholson repetiram 127 vezes (!) a cena em que ele a intimida com um taco de basebol.

O convite do realizador de Barry Lyndon e 2001 fora irresistível para a actriz, que a lendária crítica de cinema Pauline Kael descreveria como "versão feminina de Buster Keaton": descontando a sua participação em Annie Hall, de Woody Allen (1976), até aí praticamente só tinha trabalhado com Altman e sentia precisar de se confrontar com outras abordagens. "Nunca mais voltarei a dar tanto de mim a uma personagem", disse a actriz numa entrevista de 1981. E não voltou. Afastando-se de Hollywood, acabaria por pôr em prática um projecto antigo de adaptar contos de fadas e histórias populares clássicas, produzindo e apresentando entre 1983 e 1993 cinco séries de programas para crianças e adolescentes exibidas no canal Showtime que lhe valeram duas nomeações para os Emmy.

Desde 2002 que Shelley Duvall estava retirada da representação, vivendo pacatamente com o músico Dan Gilroy, seu companheiro desde 1989 — primeiro em Los Angeles, e, depois do terramoto de 1994, no Texas. Antes, fora casada com o artista Bernard Sampson entre 1970 e 1977, e companheira entre 1977 e 1979 do cantor-compositor Paul Simon, que conheceu nas rodagens de Annie Hall.

Em 2016, a sua participação no talk-show do psicólogo Phil McGraw, onde debateu abertamente os seus problemas de saúde e parecia sofrer de ilusões paranóicas, levantou acusações de exploração e crueldade por parte do apresentador, com a filha de Stanley Kubrick, Vivian, a erguer-se em defesa da actriz. Em 2021, o jornalista da Hollywood Reporter Seth Abramson localizou-a para uma entrevista na qual revelou que, longe de ter sucumbido a doenças mentais, a actriz estava ainda em plena posse das suas faculdades e vivia a vida que queria, como queria, onde queria.

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