A Terra nunca terá tantos habitantes como em 2080. População portuguesa está estável
ONU divulga relatório sobre tendências de evolução da população mundial. No fim do século XXI, embora alguns países ainda estejam a crescer, a quantidade de pessoas na Terra estará a diminuir.
É por volta de 2080 que se estima que a Terra terá mais humanos do que em qualquer outro momento: cerca de 10.300 milhões de pessoas, bem mais que os 8200 milhões que somos hoje. Mas a perspectiva é que o número de habitantes comece a reduzir-se logo a seguir a atingir o pico, dizem as Nações Unidas, que divulgam nesta quinta-feira a actualização de 2024 das tendências de crescimento populacional. Isto fará com que em 2100, no fim do século XXI, a população tenha já recuado para 10.200 milhões.
Se formos 10.200 milhões de pessoas a respirar na Terra em 2100, isso representa uma redução de 6% em relação ao que se antecipava há uma década, diz a ONU, no Dia Mundial da População. São cerca de 700 mil habitantes a menos no planeta.
A probabilidade de a população atingir o máximo neste século é muito elevada (cerca de 80%). A tendência é muito mais clara do que há uma década, quando o grau de probabilidade de isso acontecer era apenas de 30%.
O que mudou, entretanto? Vários factores contribuíram para que o pico populacional seja atingido durante os próximos 50 a 60 anos, incluindo níveis de fertilidade mais reduzidos nos últimos anos em algumas das economias mais pujantes – em especial, na China, diz o relatório feito pelo Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas.
“A paisagem demográfica evoluiu muito nos anos mais recentes”, comentou Li Junhua, subsecretário-geral da ONU para os Assuntos Económicos e Sociais, citado num comunicado de imprensa. “Em alguns países, a taxa de fertilidade é ainda mais baixa do que se previa, e também estamos a registar um declínio mais acelerado em regiões com altos níveis de fertilidade”, explicou.
A taxa de fertilidade global é hoje de 2,25 filhos por mulher – bastante menos do que os 3,31 de 1990. Mas em mais de metade dos países, a fertilidade fica abaixo de 2,1 filhos por mulher, o nível mínimo para que o tamanho de uma população se mantenha constante (se não houver migrações), diz o relatório. Mas alguns países estão a viver aquilo que se designa como “fertilidade ultrabaixa”, ou seja, menos de 1,4 nascimentos por mulher.
É muito improvável que haja uma recuperação na fertilidade nas próximas três décadas, diz o relatório da ONU. No final da década de 2030, metade das mulheres que vivem em países onde a população já atingiu o pico – como Portugal – terão uma idade demasiado avançada para poder ter crianças por meios naturais.
É na China, o país que hoje tem a segunda maior população a nível mundial (a seguir à Índia), que a perda absoluta de habitantes deverá ser maior entre 2024 e 2054 (menos 204 milhões de habitantes), seguida do Japão (21 milhões) e Rússia (dez milhões). A estimativa é que, em 2100, a China perda mais de metade da sua população actual, regressando a uma dimensão próxima da que tinha na década de 1950.
Portugal, tal como a China, está entre os 63 países em que a população já atingiu o pico até 2024. Mas não vai ter um declínio tão acentuado como o gigante asiático. A dimensão da população portuguesa deve reduzir-se pouco, manter-se mais ou menos estável, pelo menos até 2054. O mesmo acontece na Geórgia, na Alemanha, na Rússia, em Espanha e no Uruguai.
Oportunidades para tornar a vida melhor
“Para estes países, a estabilização da população pode criar oportunidades para erradicar a pobreza, alargar o acesso aos cuidados de saúde e educação, promover a igualdade de género, melhorar os sistemas de protecção social, e avançar para padrões mais sustentáveis de produção e consumo, bem como pôr em prática medidas para proteger o ambiente e mitigar os efeitos negativos das alterações climáticas”, salienta o relatório da ONU.
“Chegar ao pico populacional mais cedo e reduzir a população é um sinal de esperança. Isto pode significar uma redução das pressões ambientais produzidas pelos impactos e consumos humanos”, salientou Li Junhua. Isto não quer dizer, atenção, que por sermos menos temos licença para fazer tudo. “A desaceleração do crescimento populacional não vai eliminar a necessidade de reduzir o impacto médio atribuível às actividades de cada indivíduo”, frisou o responsável da ONU.
Até porque são criados outros problemas. Se os países não se abrirem a receber imigrantes, nas populações que já atingiram o pico em 2024, o número de mulheres em idade fértil deve reduzir-se em 33% até 2054.
A longevidade está a aumentar – recuperou em relação aos anos da pandemia de covid-19, em que recuou. Em 2024, a esperança de vida à nascença é de 73,3 anos. No final da década de 2050, mais de metade dos óbitos, a nível global, deverão ser de pessoas com mais de 80 anos – um aumento substancial em relação a 1995, quando eram apenas 17%.
Mas vamos avançando para um planeta com uma população envelhecida, em que há cada vez menos jovens, capazes de cuidar dos mais velhos: no final dos anos 2070, o número de pessoas com mais de 65 anos (2200 milhões) deve ultrapassar o de menores de 18 anos. E já em meados da década de 2030, a próxima que aí vem, haverá no planeta mais pessoas com idades cima dos 80 anos do que bebés com menos de um ano.
Mesmo nos países onde a população está a crescer e vai ainda continuar a crescer, o número de pessoas com mais de 65 anos vai aumentar durante as próximas três décadas, até 2054, prevêem os autores do estudo de tendências demográficas.
“Em especial os países cujas populações já atingiram o pico devem considerar a aplicação de tecnologia, incluindo automação, para melhorar a produtividade em todas as idades, conceber mais oportunidades para aprendizagem e nova formação ao longo da vida, apoiar forças de trabalho multigeracionais e criar possibilidades para quem possa ou deseja possa prolongar a vida activa”, recomenda o relatório das Nações Unidas.
E, como as mulheres em geral vivem mais tempo que os homens, e são em maior quantidade no grupo de cidadãos com idade mais avançada, as políticas têm de levar isso em conta: “Devem ser concebidas de forma a garantir um acesso igual aos benefícios da reforma, dar prioridade a serviços de saúde específicos para as necessidades do género feminino, e reforçar os sistemas de apoio social”, aconselha a ONU.
Imigração permite crescer
Em cerca de meia centena de países, a imigração será o motor do crescimento populacional, ou pelo menos da atenuação do seu declínio, causado pela baixa fertilidade e envelhecimento da estrutura populacional. Por exemplo na Austrália, Canadá e Estados Unidos.
Países como Portugal, Rússia ou Espanha têm beneficiado dos efeitos de receberem imigrantes, para aumentar ou manter estável a sua população. Itália, Alemanha ou Rússia, onde a população já atingiu o ponto máximo, teriam chegado ao pico ainda mais cedo se não fosse a imigração. Mas vários países balcânicos e do Leste Europeu, como Albânia, Moldávia, Montenegro, Bósnia-Herzegovina, por exemplo, têm sofrido um impacto negativo na sua taxa de natalidade, por terem uma forte emigração de mulheres em idade fértil.
Mas há países que vão continuar a crescer demograficamente. É o caso do Brasil, Irão, Turquia e Vietname, que fazem parte do grupo de 48 nações cuja população vai aumentar entre 2024 e 2054. Neste grupo, a população deve aumentar 5,3% durante os próximos 30 anos. Butão, Colômbia, Chipre, Irão e Irlanda são aqueles que terão os maiores aumentos relativos.
Até 2060 devem atingir um total de 825 milhões de habitantes, e a partir daí começam a diminuir. No fim do século, a sua população conjunta pode regressar ao tamanho que tinha em 2004.
Nos restantes 126 países e áreas considerados, a população deve continuar a crescer e pode atingir o ponto máximo lá para o fim do século, ou depois de 2100. Continuam a crescer porque têm uma estrutura de idades bastante jovem, e neste grupo estão alguns dos países mais populosos do mundo, como Índia, Indonésia, Nigéria, Paquistão e até Estados Unidos. No caso dos EUA, continuam a crescer devido à imigração.
Em nove destes países, entre os quais Angola, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Níger e Somália, espera-se que o crescimento populacional seja mesmo muito rápido: o número de habitantes pode duplicar entre 2024 e 2054.