Jacob, o leão com “sete vidas”, nadou mais de um quilómetro num canal no Uganda

Dois leões machos atravessaram a nado um canal de água no Uganda, de noite. Equipa conseguiu gravar o momento usando uma câmara que detecta calor. Comportamento mostra pressão que felinos sofrem.

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Os dois leões macho Tibu (à esquerda) e Jacob DR
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A história passou-se a 1 de Fevereiro de 2024, com Jacob e Tibu, dois leões machos irmãos que andam juntos pela savana do Uganda. Nesse dia, após três tentativas, o par conseguiu atravessar um canal a nado, entre crocodilos e hipopótamos, perfazendo entre 1,1 e 1,5 quilómetros no meio da noite, de acordo com o artigo que descreve este evento recorde, publicado nesta quarta-feira na revista Ecology and Evolution. O feito, que foi documentado num vídeo, revela algo sobre a situação dos leões naquele país.

“A grande viagem a nado de Jacob e Tibu é mais um exemplo importante de que algumas das nossas mais adoradas espécies selvagens estão a ser obrigadas a tomar decisões difíceis para encontrar um lar e fêmeas num mundo dominado por humanos”, diz Alexander Braczkowski, investigador do Centro para a Saúde Planetária e Segurança Alimentar da Universidade Griffith, no estado de Queensland, na Austrália.

Alexander Braczkowski é biólogo da conservação e fotógrafo da vida selvagem, tendo-se especializado em felinos, e liderou a equipa que usou as câmaras de calor de alta definição para filmar a travessia a nado dos dois leões pelo canal Kazinga, num trabalho supervisionado pela Autoridade da Vida Selvagem do Uganda.

O canal Kazinga une o lago George ao lago Edward, no Sudeste do Uganda, na região dos grandes lagos africanos. O canal corta a meio o Parque Nacional Rainha Isabel, de leste para oeste. Do lado Norte, junto ao canal, há uma pequena povoação chamada Katunguru, com uma ponte a atravessar o canal, mas que não foi escolhida pelos leões. “Há uma pequena ponte que conecta os dois lados, mas a presença de pessoas provavelmente deteve-os”, justifica o biólogo, citado num comunicado da Universidade Griffith.

Em vez disso, o par escolheu atravessar um curso de água com crocodilos-do-Nilo e hipopótamos, que no contexto aquático podem predar ou agredir os leões. As várias tentativas que fizeram revelam bem o carácter do feito, que, principalmente para o leão Jacob, é uma provação que se segue a muitas outras.

“O Jacob tem tido o mais incrível dos percursos e é realmente um felino com sete vidas”, diz o investigador. Com dez anos de vida, este leão já apanhou uma chifrada de um búfalo, a sua família foi envenenada para comércio de partes de leão, foi apanhado numa armadilha de um caçador furtivo e, finalmente, teve a sua pata traseira esquerda amputada depois de ter sido preso numa armadilha de ferro.

Jacob tem a pata traseira esquerda amputada depois de ter sido apanhado numa armadilha DR
Os dois leões irmãos deitados à noite DR
Os dois leões irmãos na savana à noite DR
Jacob, na juventude, em cima de uma árvore DR
Jacob, na juventude, caminha pela savana DR
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Jacob tem a pata traseira esquerda amputada depois de ter sido apanhado numa armadilha DR

“Aposto todos os meus pertences que estamos diante do leão mais resiliente de África”, afirma Alexander Braczkowski. “O facto de que ele e o seu irmão Tibu conseguiram sobreviver tanto tempo num parque nacional que tem vindo a experimentar uma pressão humana significativa e com uma alta taxa de caça furtiva é um feito em si mesmo – a nossa ciência mostrou que esta população [de leões] quase ficou reduzida a metade em apenas cinco anos”, acrescentou.

Declínio dos leões africanos

Do Afeganistão à África do Sul, da Mauritânia à Índia, o leão (Panthera leo) já teve no passado uma distribuição muito mais alargada. Hoje, estima-se que existam cerca de 23.000 leões adultos em múltiplas bolsas na África subsariana e uma única população de 670 adultos na Índia, de acordo com a Lista Vermelha das espécies da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês). Por isso, não é de estranhar que a espécie esteja em risco de extinção, na categoria de Vulnerável, de acordo com a IUCN. A perda de habitat, a morte acidental ou provocada, a caça furtiva e a caça de espécies que são o alimento do leão são as principais causas do seu declínio em África.

O caso agora documentado é mais uma demonstração do tipo de pressões que estes animais sofrem. “Nos leões africanos, os machos (…) têm de tomar riscos tremendos para encontrar parceiras, estabelecerem a posse e defenderem as leoas e crias, e isto é provavelmente agravado quando há acesso limitado às fêmeas ou pressão humana significativa”, lê-se no artigo.

No caso específico dos dois irmãos leões, a razão por trás da travessia será a mesma. “É provável que os irmãos estivessem à procura de fêmeas”, explica Alexander Braczkowski. “A competição por leoas no parque é feroz e eles perderam numa luta pelo afecto de uma fêmea nas horas anteriores à travessia, por isso é provável que a dupla tenha realizado a jornada arriscada para conseguir fêmeas do outro lado do canal.”

Desde o início de 2023 que as equipas de campo do parque identificaram Jacob e Tibu dos dois lados do canal Kazinga mais do que uma vez. Mas esta foi a primeira vez que se filmou os felinos a tentarem várias vezes e a, finalmente, conseguirem atravessar o curso de água do Norte para o Sul. No artigo, a equipa explica que na pesquisa feita não encontrou registos de casos de leões a nadarem tanto. A travessia, “ao longo de um canal cheio de crocodilos e hipopótamos, é um recorde e é uma verdadeira demonstração incrível de resiliência face a tamanho risco”, remata o investigador.