Este carvalho sobreviveu à última Idade do Gelo. Agora está ameaçado pela expansão imobiliária

O carvalho Jurupa, considerado a árvore mais velha da Terra, pode estar ameaçado por um empreendimento imobiliário na Califórnia, nos Estados Unidos. Decisão sobre o projecto será tomada este mês.

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As folhas do carvalho Jurupa, com uma idade estimada entre 13.000 e 18.000 anos Melina Mara/The Washington Post
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À primeira vista, um dos organismos vivos mais antigos do mundo não parece grande coisa – um conjunto de arbustos escondidos no topo de uma colina numa ravina rochosa. Mas esses arbustos são, na verdade, a copa de um carvalho gigante e extenso, com 27,5 metros de comprimento e nove metros de largura. A maior parte da árvore está debaixo da terra.

Com uma idade estimada entre 13.000 e 18.000 anos, a árvore – conhecida como carvalho Jurupa – é mais velha do que quase qualquer outra planta na Terra. Sobreviveu a uma era glaciar e a um rápido aquecimento climático.

As folhas do carvalho Jurupa podem ter roçado em gatos dentes-de-sabre e em preguiças terrestres de 500 quilos. Agora, contudo, ambientalistas e habitantes locais receiam que a velha árvore esteja ameaçada por uma força quotidiana da Califórnia moderna: a construção.

A Comissão de Planeamento Urbano de Jurupa Valley, uma cidade de 100.000 habitantes a uma hora a leste de Los Angeles, está prestes a aprovar um projecto de 36 quilómetros quadrados que inclui um parque empresarial, 1700 casas e uma escola primária. Os edifícios industriais ficarão a apenas algumas centenas de metros do antigo carvalho.

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O antigo carvalho está agora no centro de um debate na Califórnia sobre o equilíbrio entre o desenvolvimento e a protecção da biodiversidade Melina Mara/The Washington Post

A cidade acredita que o projecto impulsionará a economia local. O promotor imobiliário disse que planeia proteger a árvore, mas os ambientalistas pensam que a construção e o desenvolvimento que ela implica poderão ser trágicos para o carvalho Jurupa.

“É único entre a maioria das coisas no planeta”, disse Aaron Echols, presidente de conservação da secção de Riverside-San Bernardino da Sociedade de Plantas Nativas da Califórnia. “Temos de ter a certeza absoluta de que não vamos causar danos a esta planta.”

O dilema californiano

A árvore lançou o vale de Jurupa para o centro de um debate que ainda decorre na Califórnia: como equilibrar o crescimento do estado californiano e a necessidade de habitação com a protecção da biodiversidade?

Se pensarmos na árvore mais antiga da Terra, podemos imaginar um pinheiro da espécie Pinus longaeva conhecido como Matusalém, e que se estima ter cerca de 5000 anos. O carvalho de Jurupa enquadra-se numa categoria diferente: é um carvalho de Palmer (Quercus palmeri), que é como uma árvore-clone, uma rede de arbustos geneticamente idênticos ligados através de um sistema de raízes partilhado.

Ao contrário das árvores normais, nenhum dos tecidos originais está presente; em vez disso, depois de um incêndio florestal, a árvore dá origem a novos rebentos geneticamente idênticos a partir dos cepos queimados. A árvore actual brotou a partir desse sistema radicular antigo. A maioria das plantas mais antigas do mundo são, tal como o carvalho Jurupa, organismos clonais.

“É uma espécie de questão filosófica”, disse Jeffrey Ross-Ibarra, professor de evolução e ecologia na Universidade da Califórnia em Davis, sobre a diferença entre árvores clonais e árvores tradicionais.

"Se eu tiver uma árvore no meu quintal e a cortar e dela sair um caule, geralmente penso que é a mesma árvore. Mas se o fizermos 10.000 vezes seguidas, será que continua a ser a mesma árvore?", indaga Jeffrey Ross-Ibarra.

O carvalho foi identificado na década de 1990 pelo botânico local Mitch Provance – mas só em 2009 é que os investigadores da Universidade da Califórnia, incluindo Ross-Ibarra, calcularam a sua idade.

Actualmente, estima-se que seja o terceiro ou quarto organismo mais antigo do mundo: os concorrentes incluem um álamo tremedor no Utah, estimado em 80.000 anos, e um azevinho na Tasmânia, estimado em 43.000 anos.

A árvore não poderia ter sido encontrada num ambiente mais improvável. Agarra-se a um cume rochoso com vista para armazéns, trilhos equestres e de veículos de todo-o-terreno. Jurupa Valley não é conhecida pela qualidade ambiental. A cidade é mais conhecida a nível nacional por um conjunto de poços de ácido poluídos que a catapultaram para as notícias na década de 1980.

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Tim Krantz, director de conservação da Wildlands Conservancy, aponta para a coroa e o sistema radicular do carvalho Jurupa Melina Mara/The Washington Post

A Comissão de Planeamento do vale de Jurupa Valley ainda não decidiu se o empreendimento pode ou não avançar. Numa reunião realizada no final de Junho, dezenas de habitantes locais compareceram para comentar o projecto – mais de metade pediu que fosse rejeitado ou modificado. A cidade também recebeu mais de 100 e-mails contra a iniciativa imobiliária.

“Descobrimos um tesouro mundial aqui na nossa humilde cidade”, disse Jenny Iyer, uma residente de Jurupa Valley. “Será que um dos seres vivos mais antigos do planeta vai morrer só porque Jurupa Valley autoriza a construção de parques industriais e comerciais junto à árvore?”, questiona a habitante.

Localização secreta

Parte da preocupação dos moradores prende-se com o facto de o carvalho Jurupa estar a crescer muito fora da sua zona habitual. Embora a área à volta de Jurupa Valley estivesse repleta de carvalhos de Palmer por volta da última idade do gelo, todos eles desapareceram excepto este. De alguma forma, a árvore está a sobreviver em condições que podem ser demasiado quentes e secas para a espécie.

“Já está para além do seu extremo ecológico”, disse Echols. “É a única que existe aqui.”

Cientistas e conservacionistas locais acreditam que pode haver um microclima especial ou algum tipo de bacia subterrânea que esteja a fornecer água adicional à árvore. Mas a análise científica dos riscos para a árvore não foi divulgada ao público. A Comissão de Planeamento, que tem autoridade sobre o projecto, diz que não pode divulgar a análise porque revelaria a localização da árvore. O carvalho Jurupa é considerado um local sagrado para os povos indígenas, mas os habitantes locais conhecem a sua localização.

Tim Krantz, director de conservação da Wildlands Conservancy e professor emérito da Universidade de Redlands, também na Califórnia, acredita que a árvore é alimentada por águas subterrâneas que escorrem das colinas próximas. Se essas colinas forem cobertas com asfalto e betão, adverte, esse fluxo será interrompido potencialmente matando a árvore.

O promotor imobiliário, Richland Communities, contrapõe que o plano protegerá a árvore com uma série de estratégias. O responsável comprometeu-se a não construir a menos de 60 metros do antigo carvalho e a manter o equipamento de construção a cerca de 80 metros de distância da borda da árvore. A empresa também prometeu doar o terreno imediatamente à volta da árvore a uma organização sem fins lucrativos, juntamente com uma dotação de 250.000 dólares para a proteger.

"A não-aprovação do projecto não protege a árvore”, disse Jeremy Krout, um representante da Richland Communities, na reunião. “Se o projecto não for aprovado, não haverá protecção; não haverá uma parte responsável para proteger a árvore."

A Richland Communities não respondeu a um pedido de comentário.

Os ambientalistas afirmam que uma distância de 60 metros não é suficiente para proteger o carvalho. Eles argumentam que um edifício industrial perto do carvalho poderia produzir tráfego excessivo de veículos e uma ilha de calor urbano, gerado pelo excesso de cimento e asfalto, que poderia prejudicar a árvore.

Jim Pechous, o principal urbanista de Jurupa Valley, disse num e-mail que a cidade está a estudar a criação de uma zona-tampão maior à volta da árvore e planeia investigar melhor o sistema radicular do carvalho.

Numa reunião realizada em finais de Junho, os técnicos de urbanismo pareciam incomodados com o facto de, juntamente com a cidade que representam, terem sido empurrados para a tomada de decisões sobre um dos organismos mais antigos do planeta. Ouviram atentamente os ambientalistas, que os incitaram a rejeitar o projecto, e os representantes dos sindicatos locais da canalização e da construção, que os incitaram a permitir que o projecto avançasse.

“É realmente espantoso que tenhamos este tesouro que não está a ser protegido”, disse a certa altura Arleen Pruitt, presidente da Comissão de Urbanismo, sobre o carvalho de Jurupa.

Os técnicos acabaram por votar o adiamento da decisão para 10 de Julho. Nessa altura, votarão para aprovar o plano enviando-o para a Assembleia Municipal para votação ou para o rejeitar.

Numa tarde recente, a árvore repousava sob um calor de 36,6 graus Celsius, ao longe via-se um pequeno bairro residencial e, um pouco mais ao longe, linhas e linhas de armazéns com telhados brancos. Krantz, da Wildlands Conservancy, apontou para as pequenas bolotas que cresciam no carvalho e para os aglomerados de pólen.

“Representa a resistência e a perseverança”, disse Krantz sobre o carvalho. “Sobreviveu a incêndios e secas e, por fim, às alterações climáticas. E, no entanto, aqui está aqui ele após tudo isso muito parecido com as pessoas difíceis de Jurupa Valley”, afirma. E acrescentou, tocando numa das pequenas bolotas: “Apenas a tentar sobreviver.”

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