Peter Frankopan: “Todas as mudanças na história da China tiveram contexto climático”

As alterações do clima na Terra influenciaram a história humana e o desenvolvimento do planeta, conta-nos o historiador britânico da Universidade de Oxford num livro recém-lançado.

Foto
Peter Frankopan: "A natureza não se importa com os seres humanos" David Levenson/Getty Images
Ouça este artigo
00:00
06:19

Antes de conseguirmos resolver as alterações climáticas, "temos de ser capazes de diagnosticar qual é o problema", salientou o historiador Peter Frankopan, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, autor do livro A História do Mundo –​ Do Big Bang até aos dias de hoje. Ao longo de mais de 600 páginas, conta como as crises do clima sempre marcaram a vida na Terra e que impacto tiveram na história da humanidade.

Para perceber o impacto das alterações climáticas, não temos de viajar até longe. "Basta olhar para os incêndios florestais em Portugal nos últimos dois anos, ou para as temperaturas em Chipre", disse Frankopan em entrevista à agência Lusa. "Estamos todos aterrorizados com as alterações climáticas quer dizer, excepto uma pequena minoria que não acredita", salientou.

Frankopan não traz soluções para as alterações climáticas. "Os historiadores nem sempre são bons a prever o futuro", sublinhou. Mas, lá está, é preciso fazer bem o diagnóstico do problema para depois procurar as melhores soluções.

Com este livro, Peter Frankopan espera pôr as pessoas a pensar no mundo como um todo e não apenas para o seu "umbigo".

Durante uma parte substancial da existência da Terra, o clima do nosso planeta "não teria sustentado" a vida humana. Mas, actualmente, "temos condições ambientais boas para a nossa espécie e isso é muito incomum", frisou.

Este ponto de equilíbrio para a humanidade pode, no entanto, ser facilmente ultrapassado. "Se as coisas ficarem demasiado quentes e o nível do mar subir, ou se houver demasiado dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, isso é muito mau para nós", exemplificou. Mas a nossa sobrevivência em boas condições de vida não é um dado adquirido. "A natureza realmente não se importa com os humanos e isso pode ser óptimo para outros seres vivos". Por exemplo, ilustrou, para "um mosquito ou um exército de vermes, o aquecimento global é óptimo".

Arca de Noé e a biodiversidade

Desde sempre, os humanos tentaram intervir no clima. "Quer por via da sua compreensão, mas também através da oração", por exemplo fazendo oferendas à igreja, ou a santos e deuses, de outros sistemas de crença, salientou Frankopan.

No episódio da Arca de Noé, relatado no Antigo Testamento, "Deus pune" a humanidade, com excepção de Noé. Mas, no que o historiador classifica como um exemplo de protecção da biodiversidade, ordena-lhe que leve na Arca dois de cada animal. Só que a maioria das pessoas, das crianças que hoje ouve esta história, "vai pensar em elefantes, rinocerontes", e não em "polinizadores e insectos".

Nos últimos 150 anos, os "seres humanos têm estado ocupados a tentar alterar deliberadamente o clima", destacou, nomeadamente através de coisas como o ar condicionado. Mas o uso destas tecnologias só melhora a vida de uma parte das pessoas. Para os mais pobres, continua a ser difícil aceder ao ar condicionado.

As novas tecnologias, como a inteligência artificial (IA), permitem trabalhar no sentido de encontrar soluções para as alterações climáticas. Os cientistas estão a reflectir sobre as formas possíveis de reverter alguns dos piores impactos do aquecimento global, sublinhou Frankopan.

"O que se aprende com a história é que, se não estivermos preparados, as consequências podem ser catastróficas", salientou. E, no caso das alterações climáticas, as consequências podem traduzir-se na falta de alimentos, de água ou outros bens essenciais, advertiu. "A pandemia do coronavírus foi um bom alerta sobre até que ponto precisamos ser auto-suficientes", considera

Clima como motor da história

Sobre a forma como o clima afectou a história da humanidade, Frankopan avançou o exemplo "das grandes mudanças na história chinesa". Todas "tiveram um contexto climático", salientou. Episódios de grande mortalidade na história da humanidade, como a Peste Negra, que "matou 45% da população em Portugal", têm uma "série de ligações que remontam a redes de transporte, mas também a alterações biológicas e patogénicas", recordou.

Foto
Frutos de palma acabados de cortar e à espera de transporte para fábricas de óleo de palma na Indonésia Willy Kurniawan/REUTERS

Depois há "acontecimentos extremos desencadeados por erupções vulcânicas, chuvas fortes, secas", que têm impacto nos seres humanos, já que "as alterações no ambiente podem trazer desafios", apontou. "Mas, como em todas coisas, um desafio para um grupo de pessoas é, muitas vezes, uma oportunidade para outras".

"A natureza resolver-nos-á o problema da sobreexploração. Se estamos a gastar 1,6 vezes os recursos do mundo, é um pouco como pedir dinheiro emprestado ao banco: a dada altura, quando o banco exigir a devolução do dinheiro, se não o tivermos, sofreremos as consequências", ilustra o professor de História Mundial.

Por exemplo, a maioria de nós não pensa no óleo de palma usado em determinados chocolates, e muitos outros produtos alimentares. Só que, para ser tão amplamente usado, tem como consequência a destruição "dos habitats dos orangotangos, mas também de toda a outra biodiversidade" de florestas sobretudo na Ásia.

"Nós estamos a mudar o mundo para atender às nossas necessidades", disse Frankopan, e certamente e há espaço "para coisas boas", tal como os chocolates. Mas "o desafio é a sustentabilidade".

Aprender com o mundo à nossa volta

Que período histórico escolheria Peter Frankopan para estudar o impacto das alterações climáticas e do ambiente na sociedade? "Vale a pena estudar o impacto das alterações climáticas e da biodiversidade no império Maia [que durou 3000 a 3500 anos, na América Central, colapsando de forma mal compreendida no século IX]", responde o historiador.

Outra ideia para estudar: "Porque é que os rendimentos das colheitas no califado do Império Abássida [750-1258, que fundou a cidade de Bagdad] caíram 45% num período de tempo bastante curto".

"Acho que o meu trabalho é abrir as portas e lançar luz e, idealmente, fazer isso de uma forma que desperte a atenção das pessoas, explicando por que é importante saber estas coisas", diz, quando questionado sobre o que o motivou a escrever sobre a história da humanidade e o clima.

"Temos de nos lembrar que às vezes é necessário sermos corajosos (...) e não ficar apenas a olhar para o nosso próprio reflexo no espelho. De vez em quando, temos de (...) olhar para o mundo ao nosso redor. Isso é que é um verdadeiro desafio. (...) Precisamos de expandir a nossa compreensão do mundo como um todo", defende.

E remata: "Como historiador, não apostaria no facto de que tudo se resolverá sozinho". Lusa, com PÚBLICO

Sugerir correcção
Comentar