Junho acabou, mas o orgulho não

A homofobia e transfobia estão interiorizadas. Vigora ainda a desinformação, que alimenta o preconceito e a discriminação, tantas vezes expressos em frases consideradas inofensivas.

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Junho acabou, mas o orgulho não Teresa Pacheco Miranda
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Junho, mês do orgulho LGBT. Um mês em que, mais do que em qualquer outro, se abrem conversas e debates sobre o tema, se erguem bandeiras e se sai à rua para marchar e afirmar: “Sim, existimos, celebramo-nos e queremos direitos iguais!”.

Ai, Tânia, mas já podem casar e adotar, o que querem mais?!...”

Sem dúvida que estas foram conquistas importantíssimas. No entanto, quem diz esta e outras frases semelhantes não sabe o que ainda significa ser pessoa LGBT no nosso país e no mundo. Não sabe o quanto as mudanças são tão recentes e, também por isso, tão frágeis e passíveis de retrocesso.

Por exemplo, foi apenas há 42 anos que a homossexualidade deixou de ser considerada crime no Código Penal português. Foi apenas há 34 anos que a Organização Mundial da Saúde excluiu a homossexualidade da lista de doenças mentais e só em 2018 anunciou a retirada da transexualidade. Foi apenas no ano passado que as terapias de conversão passaram a constar como crime no nosso Código Penal.

Diante deste quadro, parece-vos realmente que a nossa sociedade, cultura, pensamento e comportamento já estão livres de preconceito? Garanto-vos que não.

A homofobia e transfobia estão interiorizadas. Vigora ainda a desinformação, que alimenta o preconceito e a discriminação, tantas vezes expressos em frases consideradas inofensivas.

Deixo aqui a resposta a cinco muito frequentes que podem servir tanto para desfazer os nossos próprios preconceitos como para responder quando as ouvirmos nos nossos contextos de vida.

Respeito as escolhas sexuais de cada um.” Orientação sexual e identidade de género não são escolhas. Eu escolho a cor com que pinto o cabelo, não escolho se me sinto atraída por homens ou mulheres. Convido-vos a uma reflexão: mulheres heterossexuais, vocês escolheram gostar de homens? Homens heterossexuais, vocês escolheram gostar de mulheres? Não, sentem-no simplesmente! O mesmo acontece nas outras orientações sexuais.

Nas casas deles podem fazer o que quiserem, mas precisam de estar sempre a mostrar? Até nos livros e nos filmes, em todo o lado!” Quando o João, do escritório, comenta que vai jantar com a mulher porque fazem anos de casados, está a falar da sua orientação sexual. Quando o Paulo, do escritório, diz que vai jantar com o marido porque fazem anos de casados, também está a falar da sua orientação sexual. Mas só o segundo incomoda. Quando vemos um casal “hetero” de mãos dadas na rua, são só um casal num gesto de afeto. Quando vemos um casal homossexual a passear de mãos dadas na rua, já se estão a exibir e a obrigar toda a gente a ver “aquilo”.

Todos os livros e filmes que vimos com histórias de amor entre um homem e uma mulher eram apenas romances. Um filme ou livro que represente uma relação homossexual já tem uma agenda” e está a querer pôr o tema à força em todo o lado. Sendo que, infelizmente, menos de um terço dos filmes lançados em 2022 incluíam uma personagem LGBT.

A orientação sexual e a identidade de género fazem da nossa identidade como um todo e, portanto, estarão presentes nos vários contextos e relações das nossas vidas, assim como representadas em livros e filmes. O problema é que, durante muito tempo, só se representou o modelo considerado “certo” e “normal”.

“Não confundam as crianças!” Esta é a resposta mais repetida quando se fala da educação sexual. O medo de que as crianças se tornem homossexuais ou “trans” por saberem que existem homossexuais e “trans” (e a homofobia e transfobia que isto revela!).

A orientação sexual e identidade de género de cada um/uma não se ensina nem se aprende. O que a educação sexual pretende fazer neste tema é: dar informação; desenvolver empatia e respeito pela pluralidade em todas as crianças e jovens, sejam LGBT ou não; e, para aqueles que o são, fazê-los sentirem-se válidos, importantes, aceites! São incontáveis os benefícios que isto poderia ter (se a educação sexual estivesse de facto a ser devidamente aplicada no nosso país), quer nestas crianças e jovens, quer na construção de uma sociedade mais justa e igual.

“Marchas para quê? Não existe marcha ‘hetero’!” A marcha é um movimento político, de reivindicação de direitos e afirmação de existência. Não existe uma marcha “hetero”, porque ninguém é discriminado, agredido ou morto, por ser “hetero”.

Entre 2020 e 2022, a ILGA Portugal recebeu 469 denúncias, mais de metade relativas a incidentes de ódio, sobretudo insultos e ameaças (verbais ou escritas), mas também casos de discriminação no acesso a bens e serviços, na saúde, actos de bullying, abuso policial ou agressão física.

Portugal voltou a cair no ranking dos países europeus sobre direitos das pessoas LGBT, estando agora em 11.° lugar, depois de já ter estado na quarta posição.

Num período em que movimentos de extrema-direita e ultraconservadores crescem, os direitos conquistados ficam ainda mais em risco. Por isso é que, sim, é essencial sair à rua!

“E orgulho de quê? Ser gay? Eu não tenho orgulho de ser ‘hetero’, sou !...Orgulho é o contrário da vergonha e culpa. É uma afirmação de existência de pessoas e identidades, constantemente invisibilizadas. Uma/um jovem homossexual ou bissexual tem três vezes mais probabilidade de se suicidar. E não por ser homossexual ou bissexual, mas devido ao desajustamento sentido perante a não-aceitação da família. Devido às múltiplas formas de violência e discriminações que enfrenta, que o fazem também, tantas vezes, odiar-se.

O orgulho repara a vergonha e restabelece a auto-estima. Para qualquer pessoa, mas especialmente para quem ainda tem de lutar para existir. Individualmente, temos uma responsabilidade sobre isto. Nas coisas que dizemos e fazemos, nas que não dizemos e não fazemos também perante uma injustiça, e nos padrões que assim continuamos a perpetuar.

Enquanto existir for um ato de coragem, temos muito ainda a fazer enquanto sociedade. E não só em junho. Mas o ano inteiro.

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