Qualificar a FCT: por todos e para todos

Se queremos acabar com a precariedade na ciência, e modernizar a Administração Pública para criar valor público, é necessário rentabilizar os quadros altamente qualificados de que esta já dispõe.

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Vivemos num tempo de incerteza, marcado pela acumulação de crises (pandemia, guerra, inflação, eleições), que se somam às debilidades estruturais do país. Estes desafios convocam o desenho de políticas públicas que esconjurem a chaga das baixas qualificações, estancando a intensa fuga de cérebros da “geração mais qualificada de sempre”, e suprimindo-se o gap entre ciência e decisão política.

Reconhecendo-se avanços, como a valorização do doutoramento na remuneração dos técnicos superiores, tal é manifestamente insuficiente, ficando abaixo da média das remunerações na Administração Pública. Se queremos realmente acabar com a precariedade na ciência, e modernizar a Administração Pública para a criação de valor público, é necessário rentabilizar os quadros altamente qualificados de que esta já dispõe.

Como assinalou Frédérique Vidal, ex-ministra do Ensino Superior, Investigação e Inovação em França, um doutoramento é uma verdadeira experiência profissional, onde se aprende a gerir um projeto e um orçamento, a avançar em ambientes de incerteza com total autonomia e, simultaneamente, desenvolvem-se capacidades para trabalhar em equipa e a ser permanentemente colocado à prova por pares com elevado nível de exigência.

Como reconheceu Paulo Areosa Feio, diretor do PlanAPP [Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública], para ter capacidade de resposta perante a sociedade cada vez mais exigente e desafiante, a Administração Pública tem que ter capacidade de recrutar, reter e manter doutorados. Temos de ter capacidade para que esses quadros altamente qualificados se sintam bem na Administração Pública.

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) enfrenta múltiplos desafios, de financiamento, de gestão e de recursos humanos, com a discriminação salarial dos técnicos superiores doutorados do quadro.

O projeto de resolução 151/XVI/1, que recomenda ao Governo a abertura de concurso para a contratação de doutorados em posições permanentes da Carreira de Investigação Científica na FCT, destinado aos técnicos superiores doutorados, oferece uma oportunidade rara para que todos os partidos se unam em nome da ciência e da observância do princípio constitucional de que para trabalho igual salário igual.

Sendo a FCT uma instituição que promove o investimento na ciência, tecnologia e investigação, e que se rege por princípios de valorização das qualificações, ciência aberta, igualdade de oportunidades, é uma oportunidade para se cumprirem estes desígnios, internamente à própria fundação, aproveitando e valorizando justamente os seus trabalhadores mais qualificados.

Como ex-bolseiros de investigação e técnicos superiores doutorados na FCT, consideramos que o papel da fundação necessita ser repensado, superando o paradigma a que se tem remetido, enquanto mera agência de financiamento, abrindo-se à comunidade científica, tornando-se uma verdadeira casa dos investigadores, e convocando para si um papel de charneira, como plataforma de permanente diálogo entre a administração e a investigação, ao serviço de todos.

Os desafios cada vez mais complexos que as sociedades enfrentam exigem uma política pública baseada em evidências científicas, e um real esforço de convergência, em que a valorização das qualificações é transversal e a aposta na qualificação um verdadeiro desígnio: por todos e para todos.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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