BE quer alargar para sete anos prazo para usar gâmetas doados sob anonimato e assim evitar destruição

Objectivo é travar a destruição anunciada a partir de Agosto com o fim da norma transitória que vigorou, após o acórdão do Tribunal Constitucional de 2018 que acabou com o anonimato das dádivas.

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Objectivo é evitar destruição de material biológico quando há uma carência extrema de gâmetas e tantos casais e pessoas à espera para fazerem tratamentos de fertilidade Nelson Garrido
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O Bloco de Esquerda vai dar entrada no Parlamento com um projecto de lei que visa impedir a destruição de milhares de gâmetas (óvulos e espermatozoides) e embriões que resultem de doações anteriores a 7 de Maio de 2018 feitas sob anonimato. O objectivo da iniciativa é travar a destruição anunciada a partir de Agosto, que decorre do fim da norma transitória que vigorou, após o acórdão do Tribunal Constitucional de 2018 que acabou com o anonimato das dádivas.

“Temos uma crise de doações e vários problemas associados para resolver. Com a necessidade que existe deste material [que já foi doado], os centros de procriação medicamente assistida (PMA) precisam de uma cobertura legal para não ter de os destruir”, disse, ao PÚBLICO, a deputada do BE Marisa Matias. O objectivo do BE é alargar de três para sete anos a utilização dos gâmetas doados antes de 7 de Maio de 2018 e de 5 para 10 anos os embriões resultantes de doações anteriores a essa data.

O BE vai dar entrada com este projecto de lei, mas a deputada Marisa Matias admite não ter a garantia de que possa vir a ser agendado para discussão e votação antes das férias parlamentares. Contudo, o objectivo será dar enquadramento legal aos centros de PMA para que possam evitar a destruição deste material biológico, revelando que tem conhecimento que estão a ser dadas orientações aos centros nesse sentido.

Esta semana, no Parlamento, o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) defendeu que apenas o Parlamento pode evitar a destruição de embriões para tratamentos de infertilidade com o fim da norma transitória que impediu a sua destruição nos últimos cinco anos.

O novo regime de confidencialidade de dadores de gâmetas e embriões entrou em vigor no dia 1 de Agosto de 2019, tendo sido criada uma norma transitória para impedir a destruição imediata do material biológico ao permitir que os gâmetas (óvulos e espermatozoides) pudessem ser utilizados até três anos e os embriões doados até cinco anos, cujo prazo termina em Agosto.

Em declarações à agência Lusa, a presidente do CNPMA, Carla Rodrigues, afirmou que "este período transitório foi importantíssimo para resolver esse problema", mas sublinhou que há um acórdão do Tribunal Constitucional de 2018 para cumprir.

A Associação Portuguesa de Fertilidade lançou uma petição pública, que está a caminho das 1800 assinaturas, para impedir a destruição de "milhares de embriões e gâmetas" já em Agosto.

A petição aponta três possibilidades de actuação imediata, sendo a primeira que os casais que têm embriões criopreservados sob condição de anonimato contactem com urgência os centros onde o seu material biológico está guardado e indicar que abdicam da confidencialidade.

As restantes são a alteração da lei nos prazos para a utilização de embriões e gâmetas doados sob anonimato, para 10 e 5 anos, respectivamente, e a criação de um plano para alertar "indivíduos inférteis ou em reconhecida condição de adoptantes para a possibilidade de adoptarem embriões doados", impedindo a sua destruição.

Norma transitória "foi uma grande conquista"

Carla Rodrigues salientou "o papel fundamental" do órgão regulador na criação da norma transitória: "Foi uma grande conquista e neste período foram muitos os embriões e muitos os gâmetas que puderam ser utilizados e dar origem ao nascimento de novos bebés fruto do trabalho conjunto do CNPMA e da Assembleia da República".

"Na altura interviemos no sentido de dizer que algo tem que ser feito num país onde há uma carência extrema de gâmetas, onde há tantos casais e tantas pessoas à espera de gâmetas para fazerem tratamentos, para cumprirem os seus projectos de paternidade e de maternidade. Não podemos descartar tantos gâmetas e tantos embriões que estão criopreservados assim de um momento para o outro", recordou.

"O CNPMA está aqui, como sempre, para cumprir as leis da República, mas também para cumprir as decisões do Tribunal Constitucional", vincou, adiantando que cabe ao legislador, a Assembleia da República, analisar um alargamento ou não do período transitório.

Elucidou que os dadores ainda podem levantar o anonimato das duas dádivas até ao final do mês e os embriões criopreservados também podem ser utilizados até essa data.

"Até ao dia 31 de Julho ainda pode haver a mudança de posição dos dadores e eles decidirem que querem levantar o anonimato", podendo esses embriões serem depois utilizados quando forem necessários.

A presidente do CNPMA esclareceu ainda que os dadores "nunca poderão ser considerados progenitores das crianças que vierem a nascer".

"O estatuto de dador é muito claro. Nunca pode haver confusão entre ser dador e ser progenitor da criança", rematou.

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