OMS classifica o talco como “provavelmente cancerígeno” para os humanos

O talco foi colocado no nível 2A, o segundo nível mais elevado da pirâmide de identificação de risco, onde se incluem também os efeitos do consumo de carne vermelha ou do trabalho nocturno.

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O talco é um mineral natural utilizado em cosméticos e pós para aplicar no corpo, nomeadamente em bebés Benff/Wikimedia Commons

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o talco, um mineral natural utilizado em cosméticos e pós para aplicar no corpo – nomeadamente em bebés –, como “provavelmente cancerígeno” para os seres humanos.

Após a análise das provas científicas disponíveis, a Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC, na sigla em inglês), organismo que pertence à OMS responsável pela identificação do potencial cancerígeno das substâncias, concluiu que o talco pode provocar cancro na população. O resultado da avaliação foi divulgado num artigo publicado esta sexta-feira na revista médica The Lancet Oncology.

O talco foi colocado no nível 2A, o segundo nível mais elevado da pirâmide de identificação de risco. Ou seja, embora existam provas limitadas de que o talco pode provocar tumores no ser humano – mais especificamente, cancro dos ovários –, existe certeza suficiente de que gera cancro em experiências em animais, assim como “fortes provas mecanicistas” [relacionadas com a causalidade mecânica], diz a IARC em comunicado, acrescentando que este mineral “apresenta características cancerígenas fundamentais nas células humanas e nos sistemas experimentais”.

A agência da OMS lembra ainda que o talco é um mineral extraído em várias partes do mundo e que, além da exposição profissional ao talco (durante a extracção ou processamento do mineral), a população em geral pode entrar em contacto com o talco através da utilização de cosméticos ou pós corporais, tais como maquilhagem, desodorizantes ou o próprio pó de talco.

O talco pode estar também presente em alimentos, medicamentos e outros produtos de consumo, embora tenha sido menos estudado nestes contextos.

A IARC mostrou-se também preocupada com a contaminação do talco com amianto, considerado um agente cancerígeno perigoso, sublinhando que, embora difícil de medir, este risco “pode levar à exposição dos trabalhadores e da população em geral ao amianto, por exemplo, através de maquilhagem e pós corporais contaminados à base de talco”.

Como a carne vermelha ou o trabalho à noite

Segundo informação disponibilizada pela revista The Lancet Oncology, a avaliação da carcinogenicidade do talco e também do acrilonitrilo foi concluída, em Junho, por um grupo de 29 cientistas de 13 países reunidos em França.

Os peritos internacionais que estiveram envolvidos na análise “exaustiva” da literatura científica disponível concluíram, portanto, que o talco é “provavelmente cancerígeno para os seres humanos”. O jornal El País lembra que tal significa que o nível de certeza sobre o potencial carcinogénico do talco é o mesmo que para os efeitos do consumo de carne vermelha ou do trabalho nocturno.

“A classificação 2A é o segundo nível mais elevado de certeza de que uma substância pode causar cancro. Foram realizados numerosos estudos que demonstraram de forma consistente um aumento da incidência de cancro dos ovários em seres humanos que comunicaram a utilização de pós corporais na região perineal. Embora a avaliação se tenha centrado no talco que não continha amianto, a maior parte dos estudos efectuados em seres humanos expostos não pôde excluir a contaminação do talco com amianto”, sublinha a IARC.

O anúncio chega depois de milhares de pessoas nos Estados Unidos terem processado a empresa Johnson & Johnson (J&J) devido à alegada presença de componentes cancerígenos num dos seus principais produtos, o pó de talco comercializado sob a marca Baby Powder – que deixou de ser vendido em todo o mundo a partir de 2022.

Alejandro Pérez Fidalgo, oncologista do Hospital Clínico de Valência, em Espanha, lembra, contudo, em declarações ao El País, que o facto de alguém ter utilizado pó de talco não significa necessariamente que essa pessoa esteja em risco. “O risco de desenvolver cancro depende da dose de exposição, do tempo e da forma de contacto com o pó de talco”, afirma.

O oncologista espanhol destaca ainda que, nos estudos em seres humanos, a aplicação de pó de talco na zona genital de mulheres mostrou conduzir a um aumento ligeiro do risco de cancro dos ovários, enquanto a aplicação de pó de talco noutros locais do corpo não foi associada a um aumento do risco de cancro.

Neste sentido, Pérez Fidalgo diz ao El País que “seria aconselhável” evitar a utilização de pó de talco nas zonas genitais, especialmente nas mulheres. Mas volta a apelar à prudência em relação à decisão da IARC: “Isto não significa que o uso prévio de pó de talco cause cancro, nem que a exposição prévia a este agente seja claramente responsável pelo aparecimento de um tumor.”

Acrilonitrilo

Na mesma revisão dos potenciais agentes cancerígenos, a IARC também colocou o acrilonitrilo no nível 1, no qual se encontram as substâncias e os comportamentos para os quais não há dúvidas de que prejudicam o organismo e podem causar cancro. Segundo a agência da OMS, este composto é cancerígeno para os seres humanos e o nível de certeza sobre a sua capacidade de provocar cancro é o mesmo que para o tabagismo ou a radiação solar.

O acrilonitrilo, um composto orgânico volátil, é utilizado sobretudo na produção de polímeros, que são, por sua vez, utilizados em fibras de vestuário, tapetes e outros têxteis, mas também em plásticos para produtos de consumo, peças para automóveis e construção.

Segundo a IARC, “a exposição profissional pode ocorrer durante a produção de acrilonitrilo e a sua utilização na produção de polímeros”, com o acrilonitrilo a estar também presente no fumo do cigarro – a população em geral está, aliás, exposta ao acrilonitrilo principalmente por inalação do fumo do cigarro (incluindo o fumo passivo) e através da poluição atmosférica.

A IARC considera que existem provas suficientes de que o acrilonitrilo provoca cancro do pulmão nos seres humanos e, embora com provas mais limitadas, também cancro da bexiga. “As provas provêm principalmente de estudos em trabalhadores que produzem ou utilizam acrilonitrilo. Além disso, existem provas suficientes de cancro em experiências em animais e fortes provas mecanicistas das principais características dos agentes cancerígenos em sistemas experimentais”, conclui o organismo.

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