Costumo brincar que nós, jornalistas dedicados à crise climática e ambiental, somos um pouco como os "arautos do Apocalipse". Escrevemos quase todos os dias sobre catástrofes iminentes, previsões aterradoras e irreparáveis perdas de biodiversidade. Na última semana, contudo, foi diferente: redigi um texto com final feliz. O lince-ibérico deixou de estar classificado como "em perigo" na Lista Vermelha.

Na viragem do século, não havia linces-ibéricos (Lynx pardinus) em Portugal. Os técnicos de conservação concluíram que a população existente se restringia à região espanhola de Andaluzia, mais precisamente à serra Morena e ao Parque Nacional de Doñana. Os censos sugeriam números totais inferiores a 100 indivíduos.

É certo que havia em Portugal relatos de linces errantes – ou, como se diz na linguagem científica, exemplares dispersantes –, como contou ao Azul João Alves, técnico do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e coordenador do programa de reintrodução do lince-ibérico em Portugal. Mas esses episódios raros não indicavam a existência de uma população, mas sim de um ou outro indivíduo disperso.

"Um dos técnicos da Câmara de Silves lembra-se que o avô dele apanhou um lince bebé na Serra de Monchique. Não perceberam muito bem o que era na altura, pensavam que era um gato e o avô dele criou e domesticou o lince com os humanos. Mas quando o lince cresceu, perceberam que não era um gato. Isto é a prova acabada que, de facto, no final do século XX e início do século XXI ainda podia haver um ou outro animal dispersante, errante", afirma João Alves.

Em duas décadas, passámos do patamar de quase extinção para o da vulnerabilidade. Um programa ibérico de conservação desta espécie selvagem permitiu inverter o gravíssimo declínio populacional do Lynx pardinus. O censo total em Portugal e Espanha alcançou em 2023 a marca dos 2021 indivíduos, incluindo 722 crias nascidas no ano passado. Em 2022, o valor registado foi de 1668. A população de linces-ibéricos nos dois países duplicou em apenas três anos.

O que este caso de sucesso mostra é que o esforço de conservação vale a pena. Do cuidado com as crias no Centro Nacional de Reprodução do Lince-Ibérico, em Silves, ao trabalho de recuperação de habitat e disponibilização de presas, os coelhos-bravos (Oryctolagus cuniculus), são várias as linhas de acção necessárias para conservar o lince-ibérico. Tudo isso exigiu muito trabalho técnico, mas também o apoio da comunidade e de entidades locais. 

Em conversa com o Azul, Francisco Javier Salcedo Ortiz, coordenador do projecto Life Lynx-Connect, frisa que o segredo está em envolver diferentes entidades e grupos à volta da espécie selvagem que se pretende proteger. João Alves, do ICNF, concorda: sem sensibilizar caçadores, agricultores, proprietários florestais, criadores de gado e alunos, não teria sido possível chegar a bom porto.

Agora que o lince-ibérico está numa boa trajectória de conservação, é quase inevitável pensarmos em outros animais ameaçados em Portugal. Será que este modelo funcionaria para o lobo-ibérico (Canis lupus signatus)​, por exemplo? Ou para outro felino selvagem igualmente carismático, neste caso o gato-bravo (Felis silvestris)?

A população do gato-bravo está em franca queda em Portugal, podendo existir menos de 100 indivíduos maturos, numa área total de ocupação inferior a 500 quilómetros quadrados. O Parque de Montesinho é um dos últimos refúgios desta espécie que, por ser da mesma família, e igualmente fotogénica, pode tornar-se um dia tão querida como o lince-ibérico.

Na Escócia, por exemplo, onde os gatos-bravos estavam à beira da extinção em 2018, está a ser desenvolvido um programa de conservação, EU Life Saving Wildcats, liderado pela Royal Zoological Society of Scotland. O projecto já deu frutos: duas ninhadas de gatinhos-bravos nasceram após a libertação de 19 indivíduos na natureza no Verão de 2023, anunciou a Saving Wildcats na semana passada. É mais uma boa notícia. E, mais uma vez, é a prova de que os esforços de conservação funcionam.