Um bistrô de Espinho inspirado em Paris para celebrar a emancipação feminina

Já ali venderam jarros e colchões, mas a casa estava à espera de Lídia. Replicando as parisienses que se sustentavam servindo comida caseira, é dela a receita de petiscos e hospitalidade do Bistrô 23.

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O Bistrô 23, em Espinho, é inspirado nos espaços parisienses que se sustentavam servindo comida caseira Paulo Pimenta
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Espreitando da rua pelas janelas, já se percebe que o interior daquele rés-do-chão na esquina da Rua 23 com a 12 é acolhedor: dentro do Bistrô 23 vêem-se jarros de flores naturais, anjos de cerâmica, louças antigas de delicados dourados, móveis restaurados em tom pastel, passe-partouts com relevos em bronze, quadros na parede com conselhos zen e cosy como “a felicidade é de fabrico caseiro”. Noutra cidade esse décor talvez não fosse motivo de reparo, mas, para quem tem acompanhado Espinho ao longo das últimas décadas, até o modesto estilo da casa é refrescante: distingue-se numa paisagem comercial que, com excepção para uma dúzia de estabelecimentos, se mantém quase inalterada desde os anos de 1980 e incapaz de seguir as mais simples sugestões decorativas de qualquer rede social gratuita. Além disso, o ambiente caloroso do actual bistrô contrasta bem com o aspecto sombrio das lojas que durante muitos anos ocuparam o mesmo imóvel, suscitando curiosidade e até surpresa perante um miniterraço que antes não se conhecia ao edifício.

Todas essas mudanças devem-se a Lídia Castro, que, depois de ter trabalhado noutros restaurantes e geladarias de Espinho por conta de outrem ou em sociedade, chegou a uma fase da vida em que quis assumir o controlo absoluto sobre os seus negócios e o ambiente em que se desenrolam. Com esse objectivo em mente, avaliou outros imóveis da cidade, mas foi a montra da Rua 23 que lhe cativou a imaginação e, quando de facto visitou o interior do prédio, acabou convencida pelo espaço amplo que balcões de antigas lojas tantos anos esconderam.

O resto foi arregaçar as mangas: a própria Lídia desenhou a nova disposição do imóvel e foi também ela que pintou as paredes, que restaurou os móveis, que correu feiras de velharias à procura de peças com charme para decorar a casa e que aplicou a sua experiência de educadora de infância na escolha dos livros e brinquedos que ocupam um cantinho do restaurante especialmente dedicado às crianças. Tudo lhe saiu (do corpo e do gosto) de forma natural e intuitiva, como extensão do que sempre fez na própria casa e na recepção aos amigos, e o que implicou mais pesquisa foi mesmo a escolha do nome para o estabelecimento e a definição da respectiva carta.

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No primeiro caso, Lídia diz que se inspirou na história dos bistrots parisienses: “Há várias versões, mas eu revi-me na que diz que este tipo de estabelecimento surgiu na II Guerra Mundial, quando os homens foram para a frente de batalha e as mulheres, para ajudar ao sustento da família, começaram a abrir as portas de casa para servir comida caseira.” Assim surgiu a designação Bistrô 23, que continua a replicar em Espinho a estratégia das empreendedoras francesas, já que, além da decoração, também os pratos do estabelecimento são uma criação da proprietária, que testa e apura todas as propostas culinárias antes de ensinar as cozinheiras de serviço a confeccioná-las autonomamente. Pelo pecaminoso bolo de chocolate e pela bem frutada sangria rosé já Lídia era conhecida, pelo que se manteve fiel à receita; nova foi a sua comida de conforto, em que as doses são pequeninas, mas os sabores evocam a cozinha tradicional com um toque personalizado, como acontece nos ovos rotos acrescidos da leve crocância de uns salpicos de sementes de abóbora, linhaça e girassol.

A restante carta faz-se com opções “para partilhar ou não”: de entrada, há crocantes de alheira ou queijo brie aromatizado com alho e orégãos; como prato principal, a lasanha de espinafres e requeijão ou o crepe de salmão com mozzarella e morangos, para uma pessoa, assim como a tábua com dois preguinhos de bife do lombo, para duplas de gosto idêntico; há ainda sete opções de hambúrgueres, entre os quais o de novilho, o de frango, o de bacalhau e o vegetariano; e igualmente três propostas de bowls, seja a vegetariana, a de frango ou a de novilho, sempre com quinoa, cuscuz e vários outros ingredientes, como cheddar, bacon, ovo e noz.

A carta de bebidas faz-se com três sangrias e vinhos do Douro, do Alentejo, um rosé e espumantes, e para rematar há habitualmente três sobremesas do dia, sejam bolos em fatias generosas ou quase-cheesecakes fluidos que se servem em copo alto. Por fim, a lembrar tempos mais refinados e encontros de família com os avós, o café serve-se em relíquias de cerâmica com décadas de história e carinho, de preferência acompanhado por dois dedos de conversa com Lídia Castro, que pode estar cansada da corrida constante entre a cozinha e a sala, mas é sempre genuína e despretensiosa, num equilíbrio próprio entre a autodeterminação feminista, o instinto maternal e um amadurecido livre arbítrio.

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