Clima: trabalhistas britânicos têm de corrigir passos em falso de Rishi Sunak

Rishi Sunak quebrou o consenso em torno da política climática que une o Reino Unido. Essa exploração da transição energética como tema de guerra cultural é um erro estratégico, dizem analistas.

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Rishi Sunak deixou de falar sobre o futuro, diz ex-deputado do Partido Conservador Dan Kitwood / VIA REUTERS
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O Reino Unido foi a primeira das grandes economias mundiais a comprometer-se com o objectivo da neutralidade climática até 2050 – foi em 2019, com o Governo conservador de Theresa May. Mas o partido liderado por Rishi Sunak, que chega às eleições desta quinta-feira ameaçado de ter o pior resultado de sempre, está marcado por um naufrágio das políticas ambientais. Os trabalhistas, prestes a recuperar o poder passados 14 anos, prometem recuperar a ambição… aproveitando os erros de Sunak.

O Partido Trabalhista pode conseguir 484 dos 650 assentos no Parlamento britânico nestas eleições, segundo uma sondagem feita pela empresa Survation. Com essa vitória, traz promessas de que toda a electricidade produzida no Reino Unido será “limpa” até 2030, duplicando os investimentos na energia eólica em terra e quadruplicando os geradores no mar (offshore). Prometem também triplicar a produção de energia fotovoltaica. Os trabalhistas admitem ainda investimentos no nuclear e garantem que não serão emitidas novas licenças para explorar gás e petróleo no Mar do Norte – embora não digam nada sobre as que já existem.

Ed Miliband, o ministro sombra da Segurança Energética e Neutralidade Carbónica, afirma que o clima estará na vanguarda e no centro dos planos do Governo trabalhista que aí vem. Uma das primeiras medidas será, precisamente, acabar com a moratória sobre a construção de eólicas em terra (onshore).

“Até agora tivemos um Governo explicitamente alinhado com os que querem adiar as decisões relativas ao clima. O país tem de mudar de rumo, e o mundo também. Estas eleições são uma oportunidade de mudança”, afirmou ao jornal The Guardian Miliband, que já foi ministro do Ambiente e Alterações Climáticas no Governo de Gordon Brown, entre 2008 e 2010. Foi nessa altura que o Reino Unido adoptou legislação que estabeleceu a primeira meta para a redução de emissões de gases com efeito de estufa (80% até 2050, comparando com os valores de 1990), que foram actualizados em 2019, para 100%, consagrando objectivos do Acordo de Paris.

Uma carta aberta assinada por 408 cientistas ligados ao estudo das alterações climáticas, tendo como destinatários todos os líderes políticos britânicos, pede-lhes que se comprometam com "um programa ambicioso de políticas climáticas", para cortar emissões de gases com efeito de estufa e acelerar acções de resiliência aos impactos das alterações climáticas. "Um líder partidário que não tenha como prioridade nos próximos cinco anos uma política climática mais exigente vai pôr em sério risco a prosperidade e o bem-estar do povo britânico", afirmam.

Custos, em vez de benefícios

O primeiro-ministro Rishi Sunak ficará marcado por ter anunciado, em Setembro de 2023, um recuo em várias das metas programadas para conseguir chegar à neutralidade carbónica (isto é, chegar a um ponto em que se consegue tirar da atmosfera tanto dióxido de carbono como aquele que é emitido, atingido o “zero líquido”) em 2050.

Isto pode ter sido um grande erro, avaliou Ed Matthew, do think tank E3G especializado em alterações climáticas. “Rishi Sunak fez uma jogada muito arriscada ao enfraquecer as políticas climáticas do Reino Unido e focar-se nos custos de chegar à neutralidade carbónica em vez de se centrar nos benefícios”, disse, em declarações enviadas aos media.

Rishi Sunak não disse que o objectivo final não seria chegar ao zero em 2050; assegurou que o país havia de lá chegar, porque estava muito adiantado, mas sem explicar como.

Porque seria preciso refazer as contas: anunciou que seria adiada a data da proibição da venda de carros novos a gasolina e gasóleo (de 2030 para 2035). Relaxou ainda a exigência dos padrões de eficiência energética nos edifícios, alargando os prazos e regras para substituir o aquecimento central a gás ou diesel, substituindo-o por bombas de calor. O aquecimento a diesel, que deveria ser banido a partir de 2026, só o será desde 2035.

O centro de gravidade deste discurso de 20 de Setembro de 2023 foi o argumento que sobretudo no último ano, começou a ser usado até à exaustão pela direita na Europa, transformando-o num argumento de guerra cultural: a resistência, ou rejeição, dos eleitores às medidas delineadas para controlar o aquecimento global, devido aos custos que implicam.

Desmantelar credibilidade

No próprio Partido Conservador houve críticas. “Uma das áreas em que o mundo olha para o Reino Unido como um exemplo é no clima e no ambiente. Sunak está a desmantelar essa credibilidade”, declarou Zac Goldsmith, que se tinha demitido de secretário de Estado do Ambiente e do Clima meses antes.

Mas esta pode ter sido uma leitura errada das preocupações dos eleitores. “Os britânicos atravessaram a maior crise de custo de vida numa geração, causada pela subida do preço dos combustíveis. Apoiam de forma maciça uma acção mais ambiciosa para construir um sistema energético limpo”, reforçou Ed Matthews.

“O falhanço dos conservadores em dar resposta a este desejo expõe-nos à fúria dos eleitores centristas. Este pode ser o maior erro estratégico de Sunak nesta campanha”

O balanço do Governo de Sunak em termos climáticos lê-se mais como um rol de acusações: abandonou ainda a promessa de destinar 11.600 milhões de libras (13.677 milhões de euros) para ajudar os países mais vulneráveis às alterações climáticas. Apresentou uma lei que permite a concessão de novas licenças de exploração de combustíveis fósseis no Mar do Norte e a abertura de uma nova mina de carvão.

“No seu estado actual, o Partido Conservador está a pôr em risco a vida das pessoas, os empregos, as oportunidades disponíveis para crescer, ao assumir uma atitude negativa e a recuar em relação à transição energética”, disse o ex-ministro – e ex-membro dos conservadores – Chris Skidmore à Bloomberg Green. Skidmore era ministro da Energia de Theresa May em 2019, quando foi aprovado o objectivo da neutralidade climática até 2050.

"CO2 não tem partido"

“O dióxido de carbono (CO2) não tem partido, nem conhece fronteiras. Temos de trabalhar juntos e esta politização da neutralidade carbónica foi trágica e ainda vai custar mais votos aos conservadores”, continuou Skidmore. “Os historiadores vão olhar para este momento e reconhecer que este foi o momento em que o Partido Conservador perdeu o país, porque deixou de falar sobre o futuro”, afirmou o ex-político à Bloomberg Green.

Abandonar o consenso em torno da política climática, que de uma forma mais ou menos eficaz, ou mais ou menos demagógica, tem caracterizado a política e o sentimento da sociedade britânica, terá sido um dos buracos mais fundos em que Rishi Sunak caiu no seu percurso à frente do Governo. “O falhanço dos conservadores em dar resposta a este desejo deixa-os à mercê da fúria dos eleitores centristas. Este pode ser o maior erro estratégico de Sunak nesta campanha”, declarou Ed Matthews.

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