Procurador-geral regional do Porto rejeita criticas à morosidade do Ministério Público

Norberto Martins deu ainda conta do agravamento substancial da já “muito grave” falta de oficiais de justiça, a que se junta uma “crónica falta de magistrados”.

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Actuação da Procuradoria-Geral da República (na foto) tem sido questionada, nomeadamente por causa da morosidade na investigação de alguns processos Miguel Manso
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O procurador-geral regional do Porto, Norberto Martins, acusa os responsáveis políticos de não terem feito nada pela melhoria da justiça no último ano, rejeitando as críticas à morosidade do Ministério Público (MP) na fase de investigação.

No relatório da Procuradoria-Geral Regional do Porto (PGRP) referente ao trabalho desenvolvido em 2023, publicado esta terça-feira na Internet, o procurador diz que, num ano em que ocorreu um "assinalável aumento da criminalidade geral", não se fez rigorosamente nada pela melhoria da justiça. "Pelo contrário, tudo se agravou no presente exercício", afirma o procurador, acrescentando que nenhum dos apelos feitos no relatório relativo a 2022 mereceu atenção dos responsáveis.

No texto introdutório do relatório, o procurador classificou as políticas para a justiça nos últimos anos como "desoladoras, anémicas, profundamente abstencionistas", acusando os responsáveis de terem deixado "arrastar até à náusea" as greves dos funcionários de justiça. Esta situação, segundo o mesmo responsável, determinou o adiamento de dezenas de milhares de actos judiciais, atrasou em muitos meses decisões judiciais e obrigou à libertação de dezenas de detidos por não ser possível a sua apresentação a tempo ao juiz.

Norberto Martins deu ainda conta do agravamento substancial da já "muito grave" falta de oficiais de justiça, a que se junta uma "crónica falta de magistrados". "Na verdade, faltam centenas de funcionários nos tribunais e os que ainda se mantêm a trabalhar estão envelhecidos (em alguns departamentos e comarcas a idade média dos funcionários é de 60 anos)", assinalou.

No que diz respeito aos magistrados, o procurador diz que o número de colocações é inferior ao previsto no quadro legal a que acrescem as baixas por doença e licenças de parentalidade. Queixa-se ainda de problemas nas instalações como é o caso do Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto e do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, onde entra água da chuva, e do tribunal de trabalho de Oliveira de Azeméis, onde "a humidade e o bolor são doentios".

Norberto Martins rejeita, por outro lado, a acusação de que a morosidade da justiça penal resulta da morosidade das investigações, justificando que a fase do inquérito, da responsabilidade do MP, é "menos morosa que as fases subsequentes", designadamente o julgamento e os recursos. Como exemplo, aponta alguns processos pendentes e a correr termos na área desta Procuradoria-geral regional, como a Operação Éter, em que foi proferido despacho final um ano depois de o inquérito ter sido autuado e, cinco anos depois, ainda se aguarda a decisão de primeira instância.

Outro dos casos referidos é o processo Ajuste Secreto, que teve o início do inquérito em 2016, despacho final do MP em 2019, tendo o julgamento começado recentemente.

Aumento de processos pendentes "expressivo e muito relevante"

Por último, o procurador deixa uma palavra de agradecimento aos magistrados do MP, considerando haver um sentimento de injustiça relativamente a "muitas das críticas, bolçadas sem contraditório, muitas vezes servindo interesses bem claros de amesquinhamento do MP para melhor protecção dos mais fortes, dos mais poderosos, dos que têm acesso aos media".

De acordo com o mesmo relatório, o ano de 2023 encerrou com 101.064 inquéritos pendentes, mais 13.397 relativamente ao ano anterior. A PGRP realça que o número de pendências "tem subido de forma vertiginosa", assinalando que este foi o quinto ano consecutivo em que o número de inquéritos entrados (161.789) superou o dos findos (147.171), ficando o sistema deficitário em 36.379 inquéritos.

A PGRP considera o aumento de processos pendentes "expressivo e muito relevante", constituindo um "sintoma claro de que o sistema não consegue processar o serviço que se lhe depara", alertando para a persistência do sintoma e a circunstância de o volume de serviço ter diminuído de 2019 para 2021. "O sistema encontra-se sob intensa pressão há muito tempo, como é demonstrado pelo aumento sucessivo das pendências e pelo alargamento da duração das mesmas, exercício após exercício, mesmo quando o volume de serviço global diminuiu", lê-se no documento.

No final de 2023 eram 43.213 os inquéritos pendentes com mais de oito meses (mais 4690 que em 2022), e 3571 os inquéritos com data de instauração superior a dois anos (mais 436 do que no ano anterior). O indicador da duração média dos processos de inquérito da região cifrou-se nos 228 dias incluindo os inquéritos sem arguido conhecido e em 403 dias se da contagem se excluírem tais processos.

As comarcas apresentam, no seu conjunto, uma taxa de resolução de 0.91, a pior em cinco anos, reveladora de que o sistema continua a não ter capacidade de enfrentar a procura verificada no período e agravando os resultados dos últimos quatro anos.

Na área territorial abrangida pela Procuradoria-geral regional do Porto estavam colocados, em Setembro de 2023, 587 magistrados do MP (Procuradores-Gerais Adjuntos e Procuradores da República). A PGR do Porto inclui as comarcas de Aveiro, Porto, Porto Este, Braga, Bragança, Vila Real e Viana do Castelo. Administrativamente, a área está dividida em 87 municípios, onde residem 4,2 milhões de pessoas.

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