Reduzir o desperdício alimentar para metade tiraria 153 milhões de pessoas da subnutrição

Perspectivas agrícolas da FAO e OCDE estimam uma descida de 4% na emissão de gases poluentes se as perdas e desperdício alimentar forem reduzidas nos próximos seis anos.

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Índia e Sudeste Asiático deverão liderar a procura mundial de alimentos na próxima década RUPAK DE CHOWDHURI / REUTERS
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Um total de 153 milhões de pessoas – 15 vezes a população de Portugal inteiro – deixaria de estar em situação de subnutrição se, globalmente, as perdas alimentares na cadeia de produção e o desperdício no comércio e consumo fossem reduzidos para metade até 2030.

A estimativa a seis anos foi apresentada esta terça-feira pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO na sigla em inglês) e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), na última edição do relatório conjunto das perspectivas agrícolas a 10 anos.

No documento, é estimado que uma redução global no desperdício alimentar (um dos objectivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas), com consequente diminuição dos preços e uma maior ingestão calórica com efeitos transversais, mas com maior impacto nos países de menor rendimento, levaria a uma diminuição de 26% no número de população mundial considerada como subnutrida, os já referidos 153 milhões de pessoas.

Reduzir em 50% as perdas e desperdício alimentar desde o campo até ao prato teria ainda outra vantagem mensurável, dizem FAO e OCDE: “o cenário prevê uma potencial redução de 4% na emissão de GEE [gases com efeito de estufa] até 2030, distribuído de maneira relativamente equilibrada entre os países independentemente” do nível de rendimento.

Causa e efeito

O relatório agora divulgado prevê uma queda ligeira dos preços das matérias-primas agrícolas nos próximos 10 anos, mas num contexto singular, tendo em conta que um só conflito - a guerra da Ucrânia - elevou há dois anos o índice alimentar para recordes de 32 anos e a inflação da zona euro acima de 10%: o de não mudar nada no clima, na economia e na geopolítica até 2030.

“Assumindo-se que não haverá desvios das condições climáticas estáveis, das premissas macroeconómicas e políticas, e da continuidade nas melhorias tecnológicas”, escrevem FAO e OCDE no 20.º relatório conjunto, é esperado “que os factores de oferta e procura mantenham ou reduzam marginalmente os preços reais de referência para as principais commodities [matérias-primas] agro-pecuárias ao longo dos próximos dez anos”.

Ainda assim, mesmo que tudo se mantenha na mesma, há um alerta: “os preços reais mais baixos das commodities internacionais podem vir a não se reflectir nos preços dos alimentos no comércio local, devido à inflação doméstica e a desvalorizações cambiais bem como aos altos custos de logística e processamento domésticos que sustentam ou ampliam a diferença entre os preços internacionais e os preços no retalho para os alimentos”.

Índia com maior protagonismo

Globalmente, o relatório prevê que a “Índia e os países do Sudeste Asiático respondam por 31% do crescimento no consumo global até 2033 devido ao crescimento populacional urbano e à riqueza crescente”.

É uma mudança significativa do que tem decorrido até agora, já que implica que aquelas duas regiões ultrapassem a China como principal actor na evolução da procura alimentar mundial. Diz a perspectiva agora conhecida que, embora a China “tenha contribuído com 28% do crescimento do consumo mundial na década anterior”, a sua participação na procura “deverá cair para 11% na próxima década, o que é atribuído à estabilização dos padrões nutricionais, ao crescimento mais lento do rendimento e ao declínio da população”.