Lagarde avisa que aterragem suave da economia ainda não está garantida
Presidente do BCE repete que, até à inflação estabilizar no objectivo de 2%, o rumo da política monetária na zona euro ainda é incerto. E o risco de uma recessão mais profunda não pode ser descartado.
Num discurso agendado para começar exactamente à mesma hora que o Portugal-Eslovénia desta segunda-feira, Christine Lagarde não resistiu, na abertura de mais uma edição do Fórum anual do BCE em Sintra, em usar uma imagem do futebol para ilustrar aquilo que ainda se pode esperar da luta do Banco Central Europeu (BCE) contra a inflação. “Os primeiros 90 minutos do jogo são os mais importantes”, disse, citando o antigo treinador do Sporting e do Porto, Bobby Robson.
A mensagem que a presidente do BCE procurou passar foi a de que, até ao final do jogo – ou neste caso, até que a inflação tenha novamente estabilizado em torno do objectivo de 2% – tudo pode ainda acontecer, seja um regresso de taxas de inflação mais altas provocadas por aumentos salariais ou novos choques geopolíticos, seja a entrada da economia numa recessão profunda, em resultado da aplicação durante meses de uma política monetária muito restritiva. E, por isso, para se saber que passos irão ser dados pelo BCE, serão precisos mais dados e mais tempo.
Numa altura em que a inflação da zona euro já recuou do máximo de 10,6% em Outubro de 2022 para 2,6% agora, Christine Lagarde começou o seu discurso a dar justificações para a forma agressiva como autoridade monetária europeia subiu as taxas de juro ao longo de 2022 e 2023. O problema disse, estava no risco de que a subida dos preços, mesmo que provocada essencialmente por choques provenientes do lado da oferta, fizesse subir as expectativas de inflação das empresas e das famílias de forma permanente.
Para evitar isso, defendeu, “a política monetária tinha de enviar um forte sinal de que taxas de inflação permanentemente acima do objectivo não seriam toleradas”.
Esse sinal forte foi dado por via de uma escalada das taxas de juro de referência do banco central, que em Setembro de 2023 chegaram aos 4% e que só na reunião do passado dia 6 de Junho registaram uma descida, para os actuais 3,75%. A subida tão acentuada dos juros tem custos, assumiu a presidente do BCE.
“Ao mesmo tempo que a nossa política ajudou a controlar a inflação, também suprimiu o crescimento económico”, disse, classificando esse padrão como “inevitável, quando os bancos centrais enfrentam choques que empurram a inflação e a actividade económica em direcções diferentes”.
Ainda assim, disse Lagarde, aquilo que seria de esperar, com base em experiências do passado, era um desempenho mais negativo do que os cinco trimestres de quase estagnação da economia registados na zona euro.
Aliás, alertou a líder do banco central, um cenário mais sombrio do ponto de vista económico ainda não pode ser descartado. “Dada a magnitude do choque inflacionista, uma aterragem suave da economia ainda não está garantida. Se olharmos para os ciclos históricos de taxas de juro desde os anos 1970, podemos ver que quando os bancos centrais subiram as taxas de juro com os preços da energia elevados, os custos para a economia foram normalmente bastante pronunciados”, avisou.
Desta vez, isso ainda não aconteceu, especialmente por causa da “resiliência do mercado de trabalho”. Mas isso pouco mais faz do que dar um tempo adicional ao banco central para gerir a situação, defendeu Christine Lagarde. “O mercado de trabalho forte significa que temos mais tempo para recolher novas informações, mas temos de ter consciência que as perspectivas de crescimento continuam incertas”, afirmou.
O discurso de Christine Lagarde esta segunda-feira dá o tom para os debates que irão ser realizados em Sintra, nos próximos dois dias, no decorrer do Fórum do BCE, um evento organizado pelo banco central há já 10 anos e que reúne, para além dos principais responsáveis do Eurosistema de bancos centrais, economistas e líderes de autoridades monetárias de outros pontos do globo.
Esta terça-feira, um dos principais painéis do evento irá juntar a presidente do BCE com o presidente da Reserva Federal norte-americana Jerome Powell e com o governador do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto.